A revista francesa L'Express publicou nesta semana reportagem sobre as dificuldades que encontra o Poder Judiciário em julgar as acusações de crimes de racismo © Fotomontagem RFI
A revista francesa L’Express traz em sua edição desta semana uma série de reportagens sobre o racismo no mundo. Na esteira do debate lançado após a morte nos Estados Unidos de George Floyd, a publicação traz entrevistas e análises aprofundadas sobre a questão e, em um dos textos, explica por que as condenações de crimes de cunho racista são tão raras.
A reportagem, que se baseia no relatório divulgado esta semana pela Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos da França (CNCDH na sigla em francês), confirma que os atos racistas e xenófobos são cada vez mais frequentes e que é cada vez maior o número de casos denunciados. No entanto, aponta o texto, as ocorrências muitas vezes nem chegam a ser registradas e, quando o são, raramente resultam em condenações. Prova disso, mais de 1 milhão de pessoas estimam ter sido vítimas de atos racistas no país, segundo um balanço, que data de 2018. Mas apenas 6.603 processos foram tratados pelas justiça e somente 393 penas foram anunciadas.
L’Express também traz dados mais recentes, datando do final de 2019, e aponta que o número de denúncias vem crescendo e aumentou 11% no ano passado. Mesmo assim, os julgamentos ainda são raros.
Várias razões explicariam esses dados. A primeira é que a polícia nem sempre está preparada para acolher as vítimas de atos racistas. A consequência é que as próprias vítimas não se sentem incitadas a começar um processo pois não sabem como serão recebidas em uma delegacia. E, mesmo quando denunciam, nem sempre vão além da queixa na polícia e o caso nem chega ao tribunal.
Segundo Slim Bem Achour, advogado especializado nesse tipo de processo entrevistado pela L’Express, “muitos estão convencidos de que a impunidade reina, principalmente quando membros da polícia estão envolvidos nos atos racistas”. Para ele, se a vítima não fizer parte de alguma associação de luta contra o racismo que a defenda ou não contar com apoio dos familiares, dificilmente os casos chegarão a julgamento.
A revista explica que esse fenômeno não acontece apenas com crimes de cunho racista e que o “efeito funil” da máquina judiciária faz com que poucas penas sejam anunciadas. No entanto, esse cenário é muito mais presente quando o assunto é a questão étnica.
Difícil provar um crime racista
Outro aspecto que contribui para essa situação de impunidade é a dificuldade em se qualificar um crime como um ato motivado pelo racismo. “Nem sempre se consegue apresentar provas, já que muitas vezes se trata de ataques verbais sem testemunha”, constata a reportagem.
Além disso, não é raro que a dimensão racista de um crime seja colocada em segundo plano pelos próprios advogados, que preferem não usá-la como um fator agravante. “O risco é que se instale um sistema de justiça indiferente ou até cúmplice das discriminações, como denunciam as adeptos do conceito de ‘racismo do Estado’”, frisa a reportagem.
Linguagem racista na informática: fim da “blacklist”?
A revista L’Express também se interessou, em um outro texto, pela expressões consideradas racistas e que se banalizaram em vários contextos, entre eles no mundo da informática. A denúncia vem dos Estados Unidos, onde os movimentos antirracistas chamam a atenção para termos vistos como “opressivos”. A lista conta com palavra como “master” (mestre), “slave” (escravo) ou ainda “blacklist” (lista negra).
Algumas empresas, inclusive, já se conscientizaram e anunciaram mudanças. A empresa informática Github avisou esta semana que as palavras “master” e “slave” não serão mais usadas na arquitetura dos programas que ela abriga ou desenvolve.
O movimento se intensifica, mesmo se desde 2018 pesquisadores já denunciavam o uso dessas expressões. “Essa terminologia reflete a cultura racista, mas ela também a reforça, a legitima e a perpetua”, declararam na época cientista irlandeses, que contestavam principalmente o uso de “blacklist” e “whitelist”.
“A linguagem informática reflete a sociedade no que ela tem de justo e injusto”, disse à l’Express Raphaelle Menajovsky, presidente da Webassoc, uma associação de profissionais da internet. Ela lembra que o mundo dos “geeks” é essencialmente formado por homens brancos e que não têm como negar a ausência de representatividade das minorias, das mulheres ou das diferenças em geral.
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