sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O reformismo desde 2016 e a lógica da reforma administrativa, por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Desde a Emenda Constitucional 95/2016, que versa sobre o teto dos gastos primários, a lógica de redução dos gastos públicos, centrada na precarização dos serviços públicos prestados à população, vem se impondo.

          Por Rodrigo Medeiros
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O reformismo desde 2016 e a lógica da reforma administrativa

por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Ao que tudo indica, a reforma tributária brasileira travou no Congresso Nacional. A concepção modernizadora e simplificadora de um imposto sobre valor agregado (IVA), um dos possíveis avanços dessa reforma, esbarrou na opacidade de critérios das renúncias fiscais concedidas pelas unidades federativas. Renúncias essas que, segundo os estudiosos do campo do direito tributário, carecem de parâmetros mais precisos para que haja, de fato, avaliações criteriosas para verificar as reais contrapartidas socioeconômicas por parte das empresas.

As renúncias fiscais das unidades federativas brasileiras, somadas, chegam na casa dos R$ 80 bilhões por ano. De acordo com a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), entre 2012 e 2018, as renúncias fiscais por ICMS das unidades federativas cresceram 15%, ao passo que a arrecadação do seu principal tributo atingiu apenas 2% de crescimento em termos reais. Há ainda renúncias fiscais federais anuais, em escala bem superior. Segundo a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), esses números ultrapassam os R$ 300 bilhões. Além de propiciar maior transparência e melhor controle sobre todas essas renúncias tributárias, uma reforma modernizadora e simplificadora na tributação indireta facilitaria os esforços pela redução da sonegação fiscal anual, da ordem de 9% do PIB, segundo o Sonegômetro.

No dia 3 de setembro, o Executivo encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, que iniciará a sua tramitação na Câmara dos Deputados. Esse documento tem como premissa a aplicação dos princípios de gestão de pessoas do setor privado no setor público para atender o ajuste fiscal. A aplicação dessa premissa se choca com as características históricas e estruturais do mercado de trabalho brasileiro, que é precário, desde a abolição da escravidão, de baixa produtividade e ambientado no contexto de persistente concentração extrema da renda no topo do 1%.

Desde a Emenda Constitucional 95/2016, que versa sobre o teto dos gastos primários, a lógica de redução dos gastos públicos, centrada na precarização dos serviços públicos prestados à população, vem se impondo. Estão de fora da reforma administrativa os magistrados, os militares e o membros do Ministério Público. Um Estado mínimo para o cidadão necessita preservar um núcleo duro de carreiras “típicas” que o sustentem, institucionalmente, a partir da interpretação da legalidade e do uso de força física repressora. Ademais, nesse projeto de país, cabe ao poder econômico, beneficiário principal desse regime, se encarregar do exercício diário da construção ideológica de justificação na imprensa corporativa.

A nova proposta reformista não intenciona a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Em seu rol de desconstruções institucionais, inclui-se o fim da estabilidade dos servidores, elemento que protege os servidores concursados de situações de assédio e de intimidação. Essa falta de proteção fragilizará o serviço público, que ficará exposto a desmandos e a orientações ilegais, criando um “novo normal” nos serviços públicos brasileiros. Deve-se destacar que os servidores atuais já podem ser exonerados com o devido processo administrativo e legal, algo que prevê o amplo direito de defesa, tendo em vista o princípio constitucional da impessoalidade.

O Brasil não tem melhorado para a maior parte da sua população desde 2016. A concentração de renda cresceu, segundo o IBGE. Com a pandemia de Covid-19, o que estava ruim ficou ainda pior do ponto de vista do emprego e da renda do trabalho. A queda da economia no primeiro semestre deste ano mostrou como sairemos frágeis da pandemia. Nesse sentido, deveria ser objeto de maior questionamento a necessidade prioritária de equilibrar as contas públicas no momento em que a economia mais demandará gastos públicos. Os efeitos amortecedores do auxílio emergencial federal foram reconhecidos na imprensa, algo que superou a cobertura dos vínculos formais de emprego na pandemia.

O Brasil precisa de reformas que melhorem as vidas das pessoas. A reforma dos serviços públicos deveria seguir a lógica de buscar, em parceria com os servidores, entregar mais e melhores serviços para a cidadania, a partir do mapeamento e da redução dos desperdícios nos seus processos, inclusive burocráticos, estimulando ainda o maior controle social na prestação desses serviços. Infelizmente, a lógica hegemônica reformista desde 2016 é a de redução dos gastos públicos na ponta com a população, ou seja, busca-se reformar para prestar menos serviços públicos e abrir mais espaços para negócios privados. Essa lógica vem apelando para slogans e preconceitos para emplacar os seus projetos. Resta esperar que haja alguma luz na discussão do tema no Congresso.

Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

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