domingo, 8 de novembro de 2020

Qual será o impacto do triunfo de Joe Biden na América Latina?

EUA e América Latina: vale a Doutrina Monroe (Foto: Pátria Latina)


Nos Estados Unidos, o democrata Joe Biden foi declarado vencedor da eleição presidencial. No entanto, essa vitória está sendo contestada pelo atual presidente e candidato à reeleição, Donald Trump, que denunciou uma suposta fraude nas eleições.

Mas enquanto as disputas jurídicas estão em curso, é quase certo que Biden tomará o lugar de Trump na Casa Branca em 20 de janeiro de 2021.

Já se põe para muitos analistas a questão sobre qual será o impacto do mandato de Biden na América Latina. Para o historiador e analista político Juan Paz y Miño, em declarações à RT, a resposta está na doutrina Monroe.

“O 'americanismo' norte-americano, que nasceu em 1823 com a declaração do presidente James Monroe, é um guia da política dos Estados Unidos em relação à América Latina”, diz o especialista, que acredita que “nesta fase da história depende também da atitude dos governos latino-americanos para entendê-la, aceitá-la ou enfrentá-la”.

Nesse sentido, ressalta: “Nem Trump nem Biden mudarão a visão que seu país tem a respeito de nossa região. E é neste quadro que se pode entender que a vitória de um ou de outro candidato tem maiores ou menores vantagens políticas. "

Migração do México e da América Central

Durante sua gestão, Trump conseguiu a revisão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e a assinatura de um novo pacto entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC), “para obter melhores vantagens”, diz Paz e Miño.

Além disso, o analista destaca o sucesso da administração Trump, no México, em conseguir maior controle de suas fronteiras para limitar o fluxo de migrantes centro-americanos para os Estados Unidos.

Havia também a delicada questão do muro na área de fronteira com o México, uma construção que já havia sido iniciada nos governos anteriores de George H. W. Bush, Bill Clinton e George W. Bush. Em um comício em agosto, Trump disse que durante sua gestão foram construídos 300 quilômetros daquela barreira, que já tinha uma área de 1.050 quilômetros, dos 3.142 que a fronteira possui.

“Obviamente não deu certo”, diz o analista. No entanto, considera que, caso vencesse, persistiria na ideia de terminar aquela construção “e possivelmente com mais força”.

Nesta relação com o México, Paz y Miño prevê que Biden “buscará um acordo direto com o governo mexicano, para evitar este tipo de confronto específico na questão da imigração”.

Precisamente a questão da imigração, que está na origem do muro, foi um ponto quente durante a gestão de Trump, principalmente porque se intensificou a marcha de centenas de cidadãos da América Central para os Estados Unidos.

“Biden também se preocupa com a migração descontrolada e ilegal, identificada nos Estados Unidos, mas não foi tão agressivo a ponto de propor impedi-la através da construção do muro de fronteira com o México, que Trump ergueu”, afirma Paz e Minho.

No entanto, é "previsível" que Biden mantenha uma política de controle de imigração adequada ao seu país. “O quão duro ou 'pragmático' para a América Central, dependerá também da posição adotada pelos líderes da região e particularmente do México, que com Andrés Manuel López Obrador realizou ações de controle interno, mas que recebeu críticas em seu próprio país "

Venezuela

Para o analista, "essencialmente, a política externa dos Estados Unidos contra a Venezuela não mudará". Durante o governo Trump, foram aplicadas sanções severas, como as de agosto de 2017, que proibiram negociações sobre novas dívidas e emissões de títulos pelo Governo e pela estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), bem como da dívida pública externa; e as de janeiro de 2019, depois que Washington reconheceu Juan Guaidó como o "presidente responsável" do país sul-americano, sancionando diretamente a estatal de petróleo.

Paz y Miño assinala que Biden, como Trump, identificou o governo do presidente Nicolás Maduro como uma "ditadura" e apela à questão das "eleições livres", ansiando pela saída do chavismo, que consideram "antidemocrático".

Nesse sentido, ele afirma que “é certo que apoiarão a oposição, sem descartar os mecanismos paralelos de ações intervencionistas, intensificando o bloqueio”, enfatizou.

No entanto, ele lembra que Guaidó “é obra de Trump”, então, segundo o analista, “não é certo que Biden o apoie, até porque esse personagem perdeu, no contexto internacional e latino-americano, sua própria imagem política. Neste ponto, é um obstáculo e tem cada vez menos presença". 

Relacionamento com Cuba

Durante a gestão de Barack Obama "muito se avançou na busca de melhores relações com Cuba", diz Paz y Miño, destacando que se tratou de uma "exceção histórica" ​​na política externa dos Estados Unidos para Havana, que desde 1960 tem sido "manter o bloqueio e atacar o governo comunista da ilha".

No entanto, o avanço de Obama “foi liquidado por Trump, que retomou o caminho do bloqueio agressivo e desumano”, destaca o analista.

De fato, durante o mandato de Trump o bloqueio foi reforçado e as sanções à ilha aumentaram, especialmente entre 2019 e 2020. Seu governo aumentou as restrições às viagens americanas a Cuba - inclusive culturais e educacionais -, impôs novas multas contra bancos estrangeiros que operam ativos financeiros vinculados a Havana, ampliou a lista de organismos com os quais as instituições norte-americanas estão proibidas de estabelecer contato, restringiram o envio de remessas, entre outras ações.

Com base em certas declarações de Biden, Paz y Miño considera que “parece que esta política agressiva seria abandonada por uma mais moderada”, embora duvide que “volte aos níveis que Obama atingiu”.

Ligações com o Brasil

Durante este processo eleitoral nos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmou publicamente que sua preferência era "clara" e apoiou a reeleição de Trump, com quem, disse, tinha "boas relações políticas".

Paz y Miño considera que o presidente brasileiro poderia usar "muito melhor o triunfo de Trump", já que "coincidem os traços supremacistas, autoritários e até evangélicos".

Bolsonaro chegou a criticar Biden, que fez alguns comentários contra as políticas agressivas do presidente brasileiro com o meio ambiente, especialmente na Amazônia.

No entanto, o especialista prevê que, com a vitória de Biden, “o governo brasileiro será pragmático e se ajustará plenamente às estratégias econômicas, políticas e de segurança que se desenvolvem nos Estados Unidos para lidar com a América Latina”.

Equador

Durante o governo de Lenín Moreno, foram retomados os fortes laços do Equador com os Estados Unidos: o país sul-americano recebeu a visita de várias autoridades norte-americanas, como o secretário de Estado Mike Pompeo; o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Thomas Shannon; o vice-ministro de Assuntos Políticos, David Hale; e o vice-presidente Mike Pence.

Em fevereiro deste ano, Moreno foi recebido na Casa Branca pelo presidente Trump, que manifestou interesse em assinar um acordo comercial com o Equador.

“O governo de Lenín Moreno não se importa se Trump ou Biden triunfam”, diz Paz y Miño. E destaca que por trás das decisões do Governo de Quito, “está a elite empresarial mais conservadora, atrasada e pró-norte-americana que o Equador tem”.

Nesse sentido, Paz y Miño destaca que o objetivo de Moreno será "manter bons negócios com o mercado norte-americano", já que isso garante que haverá apoio de Washington para que "não ocorra no Equador qualquer virada política" que "ameace com a alteração dessa hegemonia ".

O analista considera que o mais importante é quem vencerá as eleições presidenciais do Equador, marcadas para 7 de fevereiro de 2021. “Só existem duas alternativas: a continuidade do modelo empresarial neoliberal, reconstruído a partir de 2017, ou a liquidação desse modelo, o que leva, necessariamente, a outro tipo de atitude em relação aos Estados Unidos, pois resgata princípios como o nacionalismo, a soberania e o papel do Estado sobre os interesses privados ”, explica o especialista.

Para o analista, o que vem a partir de agora é que Washington "vai voltar os olhos para os governos do segundo ciclo progressista".

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