terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A China no centro da geopolítica mundial

(Foto: REUTERS)

Lejeune Mirhan
https://www.brasil247.com/

A partir do lançamento de meu programa semanal de análise geopolítica mundial, no Canal Iaras & Pagus, todas as quintas, às 11h, que chamamos de “Geopolítica na veia” (1), decidi transcrever o mesmo, onde analiso os principais fatos dos últimos dias e – com pequena revisão – publicar na forma de artigo semanal de balanço de conjuntura internacional. Quem quiser assistir o programa na íntegra, de mais ou menos uma hora, pode clicar neste link: https://bit.ly/3pjHLVS. Agradeço a Ademir Munhóz a transcrição (2).

1. A questão da República Popular da China

A China vem crescendo rapidamente e já desponta como candidata a ser a primeira potência mundial em todos os aspectos, deixando os EUA para trás. Ela vive uma situação bastante delicada com relação à política externa dos Estados Unidos. Lembremos que desde janeiro de 2009, quando Obama tomou posse e, portanto, estamos falando de 12 anos passados, oito de governo Obama e quatro de Trump, esse país vem sendo emparedado, sancionado e tudo se faz pela sua contenção. Isso acontece porque há um comércio acirrado no mercado internacional e, os Estados Unidos estão perdendo feio essa guerra.

Os EUA dizem que a China usa métodos, estilos não tradicionais e não referendados pela OMC. Não é verdade. A China entrou na OMC em 2001 – portanto há 20 anos – e respeita todas as regras e normas do comércio internacional.

O comércio bilateral entre Estados Unidos e China é extremamente deficitário para os EUA, que importam da China todos os anos, meio trilhão de dólares e exportam apenas 100 bilhões. Portanto, há um déficit anual que vem se acumulando há muitos anos é de 400 bilhões. Em 10 anos isso dá quatro trilhões. É mais que dois PIBs do Brasil. Ali há uma pressão interna nos Estados Unidos para que isso se reverta. É a palavra que mais se fala nos Estados Unidos é: desacoplamento.

O que significa desacoplar? Que nem uma cápsula espacial, acoplou, desacoplou. É preciso desacoplar a economia estadunidense da chinesa. Significa separar uma da outra. Mas, isso não é possível e não só porque é a China que fornece um infindável número de itens necessários à fabricação de fármacos e medicamentos, a indústria química, e mesmo ela exporta produtos de alto valor agregado em tecnologia, que os Estados Unidos já não fabricam mais.

Aquela imagem que tínhamos de uma China de 40 anos passados que copiava não existe mais e ficou para trás. As pessoas falavam depreciativamente “modelo ‘xing-ling’” que significava segunda linha. Isso acabou. A China hoje é um país de ponta na tecnologia e é preciso reconhecer que não só não dá para desacoplar como boa parte de empresas muito importantes estadunidenses desmontaram suas fábricas nos Estados Unidos e montaram na China.

Como é que você desmonta isso? O celular iPhone mais vendido em todo mundo é fabricado na China. Então, como é que você desmonta aquilo? Não desmonta, é muito difícil. As cadeias produtivas têm a China como ponto inicial do seu processo de fabricação. Essa tensão é que explica essa política de contenção da China. É uma tensão comercial, mas tem outras tensões que eu quero registrar para vocês.

A mais importante é a militar. O Mar do Sul da China é o Mar que a China se reivindica como o seu mar territorial, com base nas leis internacionais da navegação marítima aprovada pela ONU, que 200 milhas de qualquer ponto terrestre, inclusive ilhas, que sejam de um país é considerado seu mar territorial.

Mas não é 200 milhas da sua Costa. A China possui e já ocupa muitas ilhas no seu Mar, que distam muito além das 200 milhas. A China transformou muitas delas em centros residenciais, administrativos e mesmo bases militares. É seu direito, pois são ilhas chinesas e aí as 200 milhas contam a partir também dessas pequenas Ilhas. Por isso, o mar territorial fica muito grande e atinge águas de países como Brunei, Vietnã, Malásia. Então, os Estados Unidos evidentemente querem aparecer ao mundo como seus grandes protetores e dizem defender o direito desses países.

Por esse mar passa um terço de todo o petróleo mundial. Para um petroleiro sair do Golfo Pérsico e ir para os Estados Unidos pela Costa Atlântica, ele tem que dar muita volta, passar pelo estreito de Ormuz, entrar no mar Vermelho, passar pelo canal do Suez, entrar no Mar Mediterrâneo, passar pelo Estreito de Gibraltar, entrar no Oceano Atlântico até atingir a costa Leste dos EUA. Isso significa mais ou menos 18 mil quilômetros. Mas, se um petroleiro sair do Golfo e levar petróleo para a costa Oeste dos Estados Unidos, no Pacífico – lembro que os EUA são banhados por dois oceanos – esse trajeto é mais curto. Só que tem que passar pelo mar do Sul da China. Mas não tem problema passar por ali. A China não cria nenhum obstáculo. Ali estão 50% de todas as reservas de pesca e frutos do mar do planeta.

Então, esse é um mar muito cobiçado. Mas, explorado fora das águas territoriais qualquer país pode colocar um navio pesqueiro e fazer o seu trabalho. Acontece que dentro desse mar territorial está a ilha de Taiwan, que não é um país. Gostaria de ser, mas não é, jamais foi e jamais será. Taiwan pertence à República Popular da China, que ela chama de uma província rebelde.

Não há planos, que eu conheça, de a China ocupar Taiwan. Eles esperaram 155 anos para ter Hong Kong devolvida pela Inglaterra. Mais dia menos dia, vai ocorrer a unificação. Acontece que Taiwan é hoje governada por partidos de linha independentista que tem uma maioria relativa, porque muita gente de Taiwan não aceita Independência, não aceita a separação. Consideram-se tão chineses quanto os que nasceram na China Continental.

Não vou contar a história aqui, mas foram para essa ilha de Taiwan que chegou a se chamar Formosa, aqueles que perderam a guerra, revolução, a guerra Popular. Entre 1919 e 1949, houve guerra interna na China, uma guerra civil mesmo, com os tais nacionalistas, que não eram nacionalistas, eram entreguistas, liderados pelo General Chiang Kai-shek. Perderam a guerra em 1º de outubro de 1949, quando Mao instala a República Popular da China. Essa turma de direita fugiu para Taiwan e Mao não foi atrás deles, como quem diz “podem ficar aí, mas essa ilha é chinesa”.

Por alguns anos eles proclamaram a ilha como República da China e até foram admitidos na ONU como representantes da China. A ilha de Taiwan era que votava na ONU em nome dos chineses. Isso durou pouco. A ONU trocou evidentemente e aceitou a República Popular da China que entrou no Conselho de Segurança e hoje, nem os Estados Unidos reconhecem Taiwan. Apenas 15 países de um total de uns 200 países, ainda que membros da ONU sejam apenas 193. Esses 15 países que mantem relações diplomáticas com a Ilha de Taiwan, a China, por certo, não os reconhece e não mantém com eles nenhum tipo de relação.

Nem os Estados Unidos reconhecem, mas vendem para Taiwan bilhões de dólares em armas e transformam Taiwan como, por exemplo, Bahrein, Arábia Saudita em protetorados estadunidenses. São países totalmente ocupados pelos Estados Unidos; são como se fossem simples bases militares. O Estreito de Taiwan é uma região muito movimentada e também muito tensa.

O que aconteceu nos últimos dias que aumentou a tensão na região? Isso é importante de registrar: não são todos os jornais que noticiam isso ou até escondem a notícia. Os Estados Unidos têm sete frotas Navais espalhadas pelo planeta, eles se consideram donos do mundo, consideram-se – não são, em algum período desde 1991, até foram o xerife do mundo quando o mundo deixou de ser bipolar, e surgiu a unipolaridade. A quarta frota que cuida da América do Sul, foi reativado quando o Brasil, em 2007, descobriu o pré-sal. Ela estava desativada desde 1954.

Cada frota naval dessas tem uma nau capitânia que é um porta-aviões nuclear da classe Nimitz, que é o primeiro porta-aviões nuclear, já tem 40 anos. Ele dá o nome para todos os que foram construídos depois disso. Esses porta-aviões nucleares transportam até 90 aviões supersônicos e seis mil marinheiros. É uma máquina de guerra e, vai ao lado dele, o chamado grupo de escolta (Escort Group). São em torno de dez navios do tipo fragata, contratorpedeiro, destroier, submarinos. Os aviões que ele transporta ficam no ar quase 24 horas por dia para manter fechado o espaço aéreo por onde a frota transita.

Nenhuma aeronave pode se aproximar. Fala-se que o porta-aviões é um alvo fácil, porque ele é um aeroporto flutuante. Ledo engano. Você não chega perto e se tentar será abatido antes. A quinta Frota é a que fica dentro do Golfo Pérsico, ancorada na ilha de Bahrein, é um país árabe e insular, uma monarquia absoluta e o Nimitz fica lá. Navega no Golfo a maior parte do tempo, mas às vezes ancora para manutenção.

O Theodor Roosevelt é a nau capitânia da Sétima Frota do Pacífico. Eles têm duas frotas no Pacífico, o Roosevelt fica no mar da China o tempo todo, circulando. Biden deu a ordem, é evidente que não foi da cabeça do secretário Lloyd Austin, secretário de Defesa, um general reformado quatro estrelas. Foi o Biden quem autorizou o deslocamento do Nimitz para o mar do Sul da China, ou seja, o Nimitz saiu do Golfo, passou pelo Estreito de Ormutz, que é um dos menores estreitos do mundo, com 54 Km de extensão (80 metros de profundidade apenas) contornou o Oceano Índico que leva esse nome por causa da Índia, mas é Pacífico, contornou o sul da Índia e o Nimitz encostou, emparelhou com o Roosevelt, Theodor, não é o Franklin.

Isso já havia acontecido antes? Já! Quem é estudioso militar disse que esta é a décima vez que acontece nos últimos 50 anos, ou seja, dois porta-aviões navegando lado a lado. Mas é então um fato inusitado. Por que que isso acontece? Nós vamos verificar nos próximos dias e semanas o motivo disso, mas isto piora o que já era grande tensão no mar do Sul da China.

O outro registro que eu quero fazer sobre a China é sobre a visita da delegação da Organização Mundial de Saúde à China, que tudo tem feito para fortalecer a Organização e paga direitinho sua quota-parte. Os Estados Unidos saíram da OMS na época do Trump e já voltaram agora com Biden. Eles respondem por 250 milhões de dólares do orçamento da Organização, ou um quarto. Vejam o baque que isso teve no meio de uma pandemia. Faço aqui um parêntese: quem não cuidou direito de combater a pandemia está perdendo eleições. Por isso tenho dito e escrevi artigos sobre isso, que as condições políticas neste momento no Brasil estão favoráveis a uma oposição muito mais firme e dura e até do empreendimento do impeachment, porque agora o governo de JB mexe com vidas de brasileiros e já ultrapassamos 240.000 mortos.

No Equador do traidor Lênin Moreno, os cadáveres dos que morreram na pandemia eram jogados na calçada. E isso está acontecendo em todo o mundo. As pessoas estão vendo como os seus governos combatem (ou não) a pandemia. Não por acaso o governador de São Paulo está sendo oportunista no sentido positivo do termo. Ele viu aí uma oportunidade de fazer o que a ciência manda fazer e aí, isso gera o confronto de dois modelos distintos. O Trump enfraqueceu a OMS, a China, a Rússia fortalece a OMS. O que se dizia? Que o vírus era chinês, que o vírus era comunista, o filho dele (Bolsonaro) falou isso no Brasil: “vachina”, “vacina chinesa”, “vírus chinês” e agora não falam mais. Ao contrário, passaram a elogiar a vacina chinesa. É porque só tem ela, a única alternativa no Brasil é essa e mesmo assim nós não vamos vacinar mais do que 5% da população, infelizmente.

E aí a OMS fez uma delegação e foi lá verificar na cidade de Wuhan, que é um mercado que vende carnes exóticas por assim dizer, que muitos nós brasileiros não comeríamos, foi lá e ficaram 14 dias em quarentena, porque eles seguem direitinho os protocolos. Aí começaram a trabalhar, todos paramentados com equipamento de proteção individual-EPI, usando aquelas máscaras maiores. E investigaram se o vírus surgiu ali, se escapou de algum laboratório. Foram em todos os laboratórios de pesquisa biológica na região e não encontraram absolutamente nada.

Ou seja, a OMS, através de uma delegação autônoma, independente, pois a China não tinha nenhum controle sobre ela, recebeu direitinho a delegação e abriu tudo que tinha os técnicos que não encontram nada e acabaram dando um atestado, uma certificação de que o vírus não surgiu ali, nem foi o vírus que escapou de algum laboratório. Uma vitória para a China, que foi injustamente acusada.

É como diz meu camarada e amigo José Reinaldo Carvalho com quem eu faço o programa de quarta-feira, O mundo como ele é, às 10 horas no Canal 247. O Zé usa um termo assim: “essa turma teria que ajoelhar no milho” para pagar as ofensas que fez contra a República Popular da China.

O terceiro fato que eu quero registrar sobre a China é que o Xi Jinping, que em dezembro passado já havia lançado o que se chama o maior o programa e acordo de livre comércio da história da humanidade que envolve os 10 países que já são membros da Asean que é uma associação dos países da Ásia e mais cinco países, todos capitalistas: Japão, Austrália, Coreia do Sul etc.

Aqui também uso o termo oportunista no bom sentido, ele usou uma proposta oportuna. O Trump tinha saído daquilo que o Obama deixou montado, que era o Tratado Transpacífico, que visava reunir todos esses países e fazer um tratado junto com os Estados Unidos de Livre Comércio, nos moldes do chinês. O Trump saiu desse acordo e os países da Ásia ficaram órfãos.

A China fez o seu acordo de livre comércio e por 20 anos não terão mais barreiras e tarifas alfandegárias. O Xi, percebendo que a República da China tem crescido politicamente fez, no último final de semana, uma reunião virtual com todos os países do Leste Europeu e da Europa Central e isso foi também um fato inusitado, do ponto de vista da geopolítica internacional.

Então, foi mais uma – digamos assim – uma rasteira nos Estados Unidos, que estão vivendo um momento de troca de guarda, troca de turno, troca de comando da chefia do império. Então, é uma situação de transição e o Xi está aproveitando porque não houve troca de comando lá.

Quero registrar ainda que, pela primeira vez, a chegada da primeira sonda chinesa à órbita de Marte e com planos de aterrissar no planeta vermelho. A sonda chama-se Tienamen que quer dizer “Porta para a paz celestial”. Então, isso mostra a capacidade tecnológica. Hoje, na corrida espacial, a China já rivaliza diretamente com os Estados Unidos. Em épocas passadas era a União Soviética, agora não é mais. A Rússia não chega perto da tecnologia aeroespacial chinesa.

O Xi tinha mandado um recado para os Estados Unidos: olha, nós estamos abertos ao diálogo, eu só quero saber de vocês se querem que nós cumpramos as decisões que vocês tomam com os seus aliados ou vocês querem construir conosco novas regras, novos métodos e tomarmos decisões conjuntas, ele perguntou. Veja que mudança. É evidente que os Estados Unidos querem que a China cumpra o que eles decidem com seus aliados, França, Inglaterra e Alemanha, mas a China não aceita mais.

Então, esse foi um recado duro. Aí, o Biden ligou, registrou algumas opiniões, o Xi também. O Biden tentou interferir na política interna chinesa e eles pegam pelo tal direitos humanos que é a onda dos últimos 30, 40 anos usados pelos EUA para interferir nos países: eles diziam “vocês estão violando os direitos humanos”. Mas, eles só falam isso nos países que não lhe são favoráveis. Eu nunca vi os Estados Unidos exigirem direitos humanos na Arábia Saudita onde a mulher, até outro dia, nem sequer poderia dirigir um veículo, não pode andar na rua sem que o marido ou algum homem de sua família a acompanhe, eles nunca pediram direitos humanos lá (4).

Os EUA apontam para uma região específica da China, que tem uma população muçulmana grande, uma etnia Hui (uigures), mas que fazem movimentos de fora para dentro, que insuflam essa população contra o governo chinês. Esses movimentos contra a China existem ainda em outras localidades, como no Nepal, Myanmar, no entorno da China e mesmo no Tibete, que alguns dizem que deveria ser independente, mas não é, ele pertence à China. Então, o Biden falou isso e o Xi deu uma resposta diplomática à altura: olha isso é um assunto de interesse da República Popular da China, como quem diz: não se intromete aqui nos seus assuntos internos, porque eu não me intrometo nos seus assuntos internos. E terminou a ligação.

2. Eleições no Equador

O primeiro turno das eleições equatorianas aconteceu no domingo dia 7 de fevereiro. A apuração está bem adiantada, o primeiro colocado, Andrés Araus, economista de 36 anos, apoiado pelas correntes chamadas Correistas, de Rafael Correia, ex-presidente que vive exilado na Bélgica e é casado com uma belga, ele não pode entrar no Equador. Os comunistas e socialistas desse país também o apoiam, entre outras forças.

O Equador foi governado quatro anos por uma pessoa chamada Lênin Moreno, apoiado por Rafael quatro anos atrás, mas que se mostrou um traidor, não teve a coragem de ser candidato, porque se fosse, teria menos votos que o tal do Lúcio Guterres, que também é um que se bandeou para a direita e teve 1%. O sistema eleitoral é de dois turnos, só que o modelo deles é igual ao da Argentina.

Se você atinge 40%, não precisa ser 50% mais um, desde que você tenha 10 pontos a mais do que o segundo colocado, você toma posse. Não precisa segundo turno. Ele teve em torno de 32% dos votos e o segundo colocado está batendo em 20%. Portanto, 12% a mais, mas não chegou a 40%. Teremos segundo turno em 11 de abril.

O segundo colocado no Equador é o Guillermo Lasso, banqueiro neoliberal de direita que, provavelmente, foi apoiado por Lenin Moreno. O terceiro colocado é um cidadão que se diz de origem indígena chamado Yaku Pérez que se apresenta como ecossocialista. Acho que não é nenhuma das duas coisas. Não é grande coisa no movimento ecológico e muito menos socialista. Acho que ele é um neoliberal e vou arriscar aqui uma opinião que ou ele apoiará o banqueiro ou poderá se colocar neutro ou chamar nulo e branco. Vamos esperar.

E aí o grande exemplo que eu tenho falado, não é pela etnia, não é pela cor da pele, não é pela orientação sexual das pessoas que você determina uma linha política. Está aí o grande exemplo de um índio quem não joga no campo revolucionário, não joga no campo da emancipação. Só porque é índio? E uma parcela da esquerda, ainda que muito pequena, um dos setores do trotskismo, não todos, acham que ele é de esquerda.

Eu acho que está acontecendo aquilo que eu já falei em vários programas. Há uma onda progressista mundial, não é só na América Latina e, quer queira ou não, mas esta onda afetou os Estados Unidos e afetou positivamente. A eleição do Biden, é positiva no cenário Internacional, onde o fascismo continua forte. Os ‘trumpistas’ tiveram 74 milhões de votos, como são chamados quem segue o ‘trumpismo’ nos Estados Unidos e Biden teve 81 milhões, maior votação da história. Mas, não é desprezível 74 milhões (5).

É comum usarmos por aqui o termo “bolsonarista”. O nome dessa corrente é neofascismo. O fascismo é um regime político de extrema-direita que vai sobreviver com Trump ou sem Trump, com Bolsonaro ou sem Bolsonaro. Os neofascistas brasileiros que estavam no armário até junho de 2013, saíram do armário e não voltarão.

Então, eu acho que existem boas chances de nós retomarmos o Equador, como já retomamos a Argentina, a Bolívia e o Chile que vai ter eleição do Congresso Constituinte em 11 de abril (mesmo dia do segundo turno equatoriano). Nós vamos retomar o Chile. Vamos retomar o Uruguai que a frente Ampla ganhou a Prefeitura de Montevidéu, que significa 70% dos eleitores do Uruguai. Vamos voltar ao governo do Uruguai. Aí o nosso Brasil vai ficando cercado, uma ilha autoritária, presidida por um neofascista, cercada de países governados por progressistas por todos os lados.

3. República Bolivariana da Venezuela

Eu vou falar agora sobre a Venezuela. O que fará John Biden em relação, não só à Venezuela, como outros países cujos temas internacionais são delicados. Irã, Cuba, a política para o Oriente Médio, especialmente, Palestina, Israel que vivem sob sanções estadunidenses? Biden ainda não disse a que veio. Está todo mundo aguardando uma opinião dele sobre vários aspectos.

Mas, para nossa surpresa e de muita gente que acompanha a política internacional, ele revogou uma ordem executiva de 2015 de nº 30A, da época do Obama – ordem executiva nos Estados Unidos é o equivalente ao antigo nosso Decreto-lei da época do Regime Militar, que tinha a mesma força que uma lei aprovada no Congresso que estava fechado. Essa “lei” proibia a Venezuela de realizar quaisquer comércios internacionais e punia as empresas que quebrassem essa “lei”.

Mas isso significa que acabou o bloqueio? Não! O bloqueio, foi mantido, a proibição do comércio, está mantida com algumas empresas venezuelanas, que estão sancionadas, pois eles fazem sanções não só contra países, mas também contra empresas e contra pessoas. Tem também algumas pessoas da Venezuela que estão sob sanção. Essas pessoas e estas empresas não podem comercializar.

No geral, todo o comércio foi liberado, exceto a importação de insumos petrolíferos para as refinarias venezuelanas funcionarem, como catalisadores por exemplo, químicos que eles colocam naqueles altos-fornos para quebrar o petróleo e produzir os derivados, nafta, gasolina, querosene de aviação etc. As refinarias venezuelanas estão paradas, só não estão totalmente porque o Irã está fornecendo esses insumos e proibiu também a importação de peças. Às vezes, a refinaria tem um insumo, mas não tem uma peça, uma válvula que a faz funcionar, porque a indústria venezuelana, talvez não tenha a capacidade tecnológica de fabricar essas peças de reposição, mas o Irã também está suprindo estas peças. Também estas peças estão proibidas de serem importadas. Mas, de qualquer forma, foi um passo positivo. Tira parte da economia venezuelana do sufoco.

4. República Islâmica do Irã

Registro que em dia 11 de fevereiro passado, completamos 42 anos da Revolução Islâmica do Irã. Khomeini havia chegado do seu exílio na França no dia 1º. Ele estava exilado, não podia ficar no país que era governado, desde 1953 (9 de agosto), quando houve um golpe num primeiro-ministro patriota, não era de esquerda, muito menos comunista, que era Mohammed Mossadegh, que nacionalizou o petróleo. O petróleo era inglês, não era iraniano.

Aí houve o golpe e o Xá Reza Pahlevi, que foi a ditadura mais sanguinária e corrupta pró Estados Unidos, tomou conta do país, mas caiu no dia 11 de fevereiro de 1979. Ele foi exilado nos Estados Unidos onde morreu. Viva a Revolução Islâmica no Irã! Vida longa ao país dos aiatolás que lutam contra o imperialismo e o sionismo.

A questão mais polêmica é sobre o acordo nuclear, assinado também em 2015, no governo Obama, é o chamado acordo nuclear do Irã mais P5+1. O que é P5+1? Os cinco países do Conselho de Segurança, mais Alemanha. Este acordo contém sete assinaturas, cinco do Conselho de Segurança, Alemanha e o próprio Irã.

Trump tomou posse em janeiro de 2017 e no dia 8 de março saiu do acordo. Trump também saiu do Tratado Transpacífico, saiu do Acordo do Clima de Paris, saiu da OMS, saiu de quase tudo. O Trump é unilateralista, ele não aceita participar de instituições multilaterais. Não confundir instituições multilaterais com a multipolaridade do mundo.

Nós desejamos o mundo multipolar, que tenha muitos polos. Agora, uma situação de multilateralidade, reconhecer e fortalecer todas as instituições das Nações Unidas, onde os países são membros é muito positivo. Por exemplo, e aproveitando para falar aqui: Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que são 47 países membros, os Estados Unidos saíram, enquanto Cuba, Rússia, participam.

O Trump saiu e o Biden mandou voltar. E isto é positivo. E por que ele não gosta desse desses órgãos multilaterais? Porque eles perdem todas as votações. No Conselho de Direitos Humanos, o voto dos Estados Unidos tem o mesmo peso que o voto de Cuba, e isso Trump não aceitava. Porque a assembleia geral é um voto por país, mas ela não tem poder. Quem manda na ONU é o Conselho de Segurança. Então, esses organismos abaixo da Assembleia Geral, OMS, a FAO, a Unesco, a Unicef a OIT, todos os organismos são multilaterais e um voto por país, isso é o multilateralismo. O Biden vai fortalecer o multilateralismo, o que é positivo também.

Temos ainda críticas e faremos a oposição que for necessária ser feita sobre a velha política do imperialismo, se Biden a mantiver. Espero que não mantenha, mas creio que será difícil ocorrer mudanças. Isso se explica porque Biden não é só presidente de um país. Ele é também chefe de um império e tem que cumprir esse papel. Mas, sabemos que não dá mais para agir como antes, porque a correlação de forças do mundo está sendo alterada. Quando os Estados Unidos saem do Acordo Nuclear com o Irã, o acordo continua funcionando, e era um acordo com sete assinaturas, ele continuou funcionando com seis países e a Europa, os outros países ninguém saiu do acordo.

Mas, num certo momento, acho que no último ano ou ano e meio, o Irã não saiu evidentemente do acordo, mas ele começou a enriquecer o urânio, acima do estabelecido no acordo, que era 3,96% e passou a enriquecer a 5%. Não tem nenhum problema isso. Mesmo se enriquecesse a 20%, também não teria problema. O Irã não vai fazer a bomba, o Islã proíbe que você tenha a bomba. O Islã não quer a bomba, qualquer arma de destruição que machuque e fira pessoas, o Islã não aceita tomar a iniciativa de agredir. Isso está proibido no Alcorão.

Então, o Irã não quer a bomba e mesmo se quisesse, teria que enriquecer a 90%. Eles não têm centrífugas suficientes nem tecnologia para isso, mas a onda mundial que se faz é a de que o Irã quer construir a bomba. O Irã disse: assim que os Estados Unidos retornarem ao acordo nuclear, nós voltamos a enriquecer o urânio a 3,96%. Eles só aceleraram um pouquinho mais porque o enriquecimento é fundamental para a geração de energia.

E aí a pergunta: as sanções que o Irã vive, elas continuarão ou o Biden as levantará? Eu não tenho essa resposta. Eu quero crer e vamos dizer, até torço para que ele suspenda esta sansão, o Irã, que tem 300 bilhões de dólares congelados em vários bancos internacionais, inclusive nos Estados Unidos. O Irã não pode usar esse dinheiro. Seja em barras de ouro ou em dólares, que é a moeda de entesouramento pessoal e dos países. Não há outra moeda alternativa no comércio internacional, pelo menos não até o momento. Será que os EUA liberarão esses bilhões de dólares ao Irã? Será que exigirão que essa quantia seja usada na compra de equipamentos e produtos estadunidenses? Não tenho essas respostas ainda. Quem se interessar sobre política internacional na nova gestão dos EUA pode ler meu mais recente artigo sobre esse tema (5).

5. Serguei Lavrov

É o atual ministro das relações exteriores da Federação Russa, que já foi um dia a União das Repúblicas Soviéticas Socialistas e guarda muito dessa época, por isso que a Rússia ainda é odiada pelos Estados Unidos. Alguns analistas internacionais – e eu não estou entre esses –, acham que os Estados Unidos vão afrouxar com a China e vão endurecer com a Rússia, que ainda tem o segundo maior exército e o segundo maior arsenal nuclear do mundo. A China está longe de ter apenas 10% das ogivas que a Rússia tem e que vieram da época da União Soviética.

Lavrov concedeu uma entrevista que foi muito boa e positiva. Mostra que a Rússia joga um grande papel para o fortalecimento e a construção do mundo multipolar que nós ainda não chegamos nele (6). Eu não canso de dizer que o mundo vive uma transição da unipolaridade para a multipolaridade, mas nós não chegamos nela ainda. Acho que até estamos próximos, mas não está ainda consolidada.

É aquilo que Marx chama no sistema de transição se você fizer aqui uma teoria dos conjuntos, um sistema que está acabando e outro sistema está começando. Esse momento da intersecção, é o chamado momento de transição, nem o velho sistema desapareceu nem o novo se consolidou. Nós vivemos isso em política Internacional na geopolítica mundial. Mas, estamos perto da multipolaridade.

Então, quero registrar que esse ministro das Relações Exteriores da Rússia, é muito bom, e um dos mais antigos no posto e acompanha o Putin que este ano faz 22 anos de poder na Rússia. O Xi até poderá chegar a isso, pois ano que vem completa 10, mas mudaram a Constituição e ele pode se reeleger agora sem limites. Antes havia o limite de uma reeleição. Agora não há mais e todo mundo aposta que ele será reeleito, pois está fazendo um bom governo.

A era Erdogan, também está chegando aos 20 anos. Então, temos uma situação no mundo, onde, vamos dizer assim, não há uma renovação na política. Nem acho que seja essa uma condição, se o povo está gostando do presidente, do primeiro-ministro, deixa ele continuar governando. Franklin Delano Roosevelt, foi eleito em 1932, reeleito em 1936, reeleito em 1940, e reeleito em 1944 e, se não morresse, teria sido reeleito em 1948. Não havia limite nos Estados Unidos de número de reeleição, até que limitaram. Então, isso é um direito líquido e certo.

6. Myanmar

As últimas observações que eu quero fazer é sobre Myanmar, onde aconteceu um golpe de estado no dia 7 de fevereiro de 2021. Os Estados Unidos e a China têm posições distintas sobre esse episódio. Os Estados Unidos estão criticando o golpe e, no caso, eles torcem pela volta dos governantes anteriores que eram hegemonizadas por Aung San Suu, que foi Prêmio Nobel da Paz, que é uma burguesa e defende a democracia, mas não é do nosso campo.

Os Estados Unidos, então, querem que Myanmar que é vizinha da China e tem 65 milhões de habitantes, com um PIB pequeno, que volte o governo anterior. O problema é a geopolítica, a fronteira, se construir uma base militar ali, a China fica cercada. Como estão fazendo uma base militar na Ucrânia e se caísse Bielorrússia, a OTAN montaria uma base lá. É o cerco, estão cercando os países que lhes são adversários não necessariamente socialista, a Rússia não é mais socialista.

Não é que a China apoie o golpe. A China diz que esse é um assunto interno dos myanmarenses. É um país que não existia como o país, mas vem de uma etnia e civilização lá de 1050, é muito longeva, país essencialmente budista.

7. Vacinas em Cuba

Um registro que eu quero fazer é sobre essa onda que estão falando: vai para Cuba e volte vacinado. Eu não vi nenhum pronunciamento oficial do governo de Cuba dizendo isso. Que você deve ir para Cuba, eu também acho e na primeira oportunidade eu voltarei para Cuba.

Mas, as vacinas cubanas não estão na fase final, que é a fase três. A vacina deles, a principal, que está mais avançada na pesquisa, é a Soberana. Tem quatro vacinas sendo pesquisadas em Cuba. Eles vão fabricar 100 milhões de doses, não só para Cuba. O Povo cubano tem doze milhões de habitantes. Portanto, precisam de 24 milhões de doses, mas o que sobrar e for sobressalente eles vão fornecer para os países mais pobres da região. Mas, não está na fase de produção final industrial. Esses memes que circulam por aí, a gente tem que prestar muita atenção quando nós os reproduzimos.

8. Revelações da Vaza Jato

Vou encerrar e não podia deixar de falar e não é um assunto só nacional, as últimas revelações dos conteúdos dos hackers de Araraquara, a que a defesa de Lula teve acesso por decisão do STF. Eu mandei imprimir as 37 páginas, que é o documento do perito que são as conversas telefônicas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol e deste com outros procuradores. Estou lendo, porque também estou ouvindo muita mentira sendo divulgada, colocando frases na boca do Moro e Dallagnol que, pelo menos não apareceram até agora, eu acho que são tão escandalosas que devem ser mentiras. E isso é feito a partir de que? É possível que a esquerda faça memes desse tipo, sim, se alguém da esquerda faz está errado. Nós devemos prezar pela verdade. É provável que esse tipo de fraude dos diálogos seja feito por bolsonaristas, que hoje são anti-moristas, para desmoralizá-lo mais ainda do que ele já está.

No entanto, tem uma questão que eu não poderia deixar de falar, que é verdadeira. É a confissão do envolvimento da CIA e com o golpe, com a prisão de Lula e todas os desdobramentos geopolíticos que nós conhecemos. Então, eu quero fazer esse registro para encerrar este trabalho.
  1. Podem assistir neste endereço: <https://bit.ly/3pjHLVS> que foi ao ar dia 11 de fevereiro de 2021. 
  2. Interessados nesse serviço podem enviar um e-mail para ele no endereço: ademir@piracaiahoje.com.br.
  3. Em votação final do impeachment de Donald Trump ocorrida no sábado, dia 13 de fevereiro de 2021, ele foi inocentado por 43 votos a 57. Para ser aprovado deveria ter alcançado 67 votos (dois terços do senado).
  4. Veja aqui nesta notícia a opinião de Jamil Chade, correspondente da Folha na Europa sobre isso: <http://bit.ly/3jNa65T>.
  5. Minha análise sobre as primeiras mediadas de Biden pode ser lida neste link <https://bit.ly/2YX4E6U>.
  6. Veja a entrevista onde ele menciona que romperá relações com a UE se esta impor sanções à Rússia no link <http://glo.bo/3qoQ6Js>.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12