quinta-feira, 1 de julho de 2021

Aqueles neutros e apolíticos esperando na esquina

Fontes: Rebelião - Imagem: "Indiferente", de Yashwant Deshmukh (Índia)

Por Jorge Majfud
https://rebelion.org/

Acho que a esta altura da história qualquer um sabe, ou pode entender, que basta viver em uma sociedade, por mais primitiva e pequena, por mais anônima e desenvolvida que seja, para deixar de ser neutro na administração do poder.

Porém, mesmo no mesmo indivíduo existem momentos de compromisso e momentos de resignação. É humano. Ninguém pode ser um gladiador o tempo todo. Para a saúde mental, às vezes é necessário se afastar; Às vezes é legítimo fixar o olhar numa xícara de café e mudar por um momento os versos do Neruda que cantava aos explorados mineiros pelos dos Neruda que cantava ao amor romântico. Que no melhor dos casos, porque não raro, num daqueles ataques imaginários de irresponsabilidade, mais de um de nós gostaria de se mudar para uma ilha do Pacífico e não dar ouvidos mais ao mundo.

Mas há uma atitude que poderíamos aceitar sob a precária classificação de "neutro", e dentro dela há neutros indiferentes e neutros dedicados em tempo integral. Ninguém jamais verá na mídia ou nas redes sociais um conspirador profissional discutindo sobre política, um daqueles mercenários pagos por agências secretas que não sabem o que fazer com orçamentos de onze dígitos, mas sabem o que fazer com aqueles que ousam pensar de forma diferente. Ao contrário, de uma arrogância insuperável, são mostradas posando alegres na praia, recomendam dietas para emagrecer ou participam de uma disputa sobre esportes, sobre ditos de uma atriz ou sobre o sexo dos anjos. Como distinguir esses "neutros projetados" dos verdadeiramente indiferentes, dos cansados, do cansado ou do ignorante honesto? Por causa de seu lindo sorriso? Pelo nada que eles dizem? Não é impossível.

Mas, como bem sabem os pesquisadores da academia, quanto maior a amostra, mais claro e confiável será o padrão que governa um fenômeno. Vamos prosseguir de acordo com o método. Consideremos algumas dessas instituições fortemente politizadas, mas obcecadas por sua própria neutralidade política, como as autoridades eclesiásticas de alguma grande religião ou de outras forças repressivas como, por exemplo, os generais dos tradicionais exércitos latino-americanos. Ou seja, não consideramos na amostra nem os patrões globais (donos de bancos e transnacionais, diretores de agências secretas, secretários de Estado de grandes potências) nem os vassalos honorários (soldados, funcionários felizes apenas quando sua equipe ganha um objetivo, donas de casa gentis e dedicadas). Considere apenas generais poderosos, ou seja, gerentes de nível médio.

Uma lista rápida, resumida e incompleta desse padrão histórico não deixa dúvidas sobre o caráter da neutralidade e sua preferência pelos traidores (por mera razão geográfica, deixemos de lado casos como o do ditador Francisco Franco, promovido a general para o republicano democracia da Espanha meses antes de começar a destruí-la):

Antes de se tornar o ditador mais importante da história do México, o general Porfirio Díaz havia sido perdoado por Lerdo de Tejada por sua tentativa de golpe contra Benito Juárez. Logo depois, o presidente Tejada seria exilado por seu salvador.

Na Bolívia, o general René Barrientos havia sido promovido pelo presidente Víctor Paz Estenssoro (ainda com algum resquício de suas convicções revolucionárias) alguns anos antes de ser destituído do governo por meio de um golpe.

Em um antigo e extenso plano de conspirações da CIA contra Allende e os assassinatos de militares em favor da ordem constitucional, o presidente chileno havia promovido o general Augusto Pinochet, substituto do general Carlos Prats (por sua vez, substituto de outro constitucionalista assassinado pela CIA, General René Schneider) por sua neutralidade política.

Na Argentina, católico que não faltava à missa aos domingos, o ditador e genocida general Rafael Videla fora promovido pela presidente Isabel Perón, por sua reconhecida neutralidade e desinteresse pela política.

No Panamá, o general Manuel Noriega havia sido promovido por Omar Torrijos, que pouco depois morreria em um acidente de avião, meses após a morte de outro presidente rebelde, o equatoriano Jaime Roldós, em outro acidente de avião. Noriega, funcionário da CIA e um dos maiores traficantes de drogas da região, irá atrás dos seguidores de Torrijos.

No Uruguai, um caso mais recente e menos trágico, mas que segue o mesmo padrão, é o do general Manini Ríos, promovido pelo presidente socialista Tabaré Vázquez a comandante em chefe do Exército Nacional. Manini Rios tornar-se-á um dos mais ferrenhos opositores do governo Vásquez e fundará um novo partido onde os antigos e novos fascistas e apologistas da ditadura daquele país encontrarão consolo e plataforma para a ação.

Logo depois, na Bolívia, o general Williams Kaliman Romero, membro ad hoc da longa tradição nazista na Bolívia, também será promovido pelo presidente Evo Morales, antes de forçá-lo a renunciar à presidência.

A lista desses exemplos neuróticos e históricos, profundamente relevantes para os povos e significativos para a matemática estatística, é mais longa, mas tenho certeza de que entediariam os leitores, ofenderiam os "patriotas amantes da liberdade", honra e honra. Sorvete de baunilha, e seria exceder o limite de palavras que mesmo a mídia mais honesta não pode exceder.

Último livro do autor: A fronteira selvagem. 200 anos de fanatismo anglo-saxão na América Latina.

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