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por João P. Romero, Danielle Carvalho, Arthur Queiroz e Ciro Moura
De forma geral, a manutenção de políticas que priorizam o capitalismo predatório em detrimento do avanço em setores mais tecnológicos e limpos, além de gerar maior degradação ambiental, pode ser um entrave para o próprio desenvolvimento econômico do Brasil no futuro. Veja no novo artigo do Observatório da Economia Contemporânea
Nos últimos anos, acumularam-se evidências a respeito dos efeitos positivos do aumento do nível de complexidade econômica para o desenvolvimento econômico. Os resultados seminais de Hausmann e co-autores [1] apontaram que o aumento da complexidade prevê crescimento significativo da taxa de crescimento da renda per capita no futuro. Hartmann e co-autores [2] mostraram ainda que a elevação da complexidade contribui também para reduzir a desigualdade de renda. Por fim, os estudos de Mealy e Teitelboym [3] e Romero e Gramkow [4] apontaram que maior complexidade conduz também à redução de impactos ambientais.
O índice de complexidade econômica (ICE) mede o nível de conhecimento produtivo presente em cada economia. Economias complexas são aquelas competitivas em um número elevado de indústrias nas quais poucos países são especializados. Em outras palavras, elevada complexidade está relacionada à diversificação produtiva em setores de menor ubiquidade.
Para entender os movimentos da complexidade da economia brasileira, portanto, torna-se crucial monitorar os movimentos das exportações. Com esse intuito, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento (GPPD), do Cedeplar-UFMG, elaborou uma Nota Técnica intitulada “Mudanças no Padrão de Exportações Brasileiras entre 2016-2020: o Brasil na contramão do mundo”, analisando a evolução da composição das exportações brasileiras nos últimos cinco anos.
O estudo identificou que dentre os grupos de produtos com a maior participação da pauta de exportações, os produtos Primários e Baseados em recursos primários foram aqueles que apresentaram maior crescimento. Os produtos Primários aumentaram sua participação na pauta exportadora de 37,2% em 2016 para 44,3% em 2020, e as exportações nessa categoria apresentaram um crescimento total de 40,4% entre 2016 e 2020. Os produtos Baseados em recursos primários mantiveram a participação de cerca de 30,0% da pauta, embora as suas exportações tenham apresentado um crescimento de 27,9% entre 2016 e 2020.
Movimento contrário foi observado para produtos de média e alta tecnologia. Tais grupos protagonizaram reduções na pauta exportadora e no valor exportado nos anos considerados. Os produtos de Média tecnologia reduziram sua participação na pauta exportadora de 20,2% em 2016 para 14,2% em 2020, ao passo que as exportações nesse setor diminuíram 16,7% no período. Em relação aos produtos de Alta tecnologia, a participação na composição, que já era restrita, caiu de 5,2% para 3,1%, e a redução total nas exportações foi a mais elevada, encolhendo em 30,6%. Ao contrário dos produtos Primários e Baseados em recursos primários, a maior parte da queda nas exportações de Média e Alta tecnologia ocorreu entre 2018-2020.
Gráfico 1: Exportações brasileiras por setor
(US$ Bilhões)
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Fonte: elaboração própria a partir de dados da UNComtrade.
Os dados de exportações brasileiras também revelaram que a diversificação da economia brasileira, calculada como a soma das indústrias nas quais o Brasil possui vantagem comparativa revelada, apresentou forte queda entre 2016-2020.
Nos últimos cinco anos verificou-se uma redução de um total de 196 indústrias competitivas em 2016 para 167 indústrias em 2020, num universo de 999 categorias de produtos. É importante notar que há queda em todas as categorias de produtos, exceto em produtos Primários, que tiveram aumento de 47 para 49 produtos competitivos. Esse resultado sugere que, ao mesmo tempo em que houve uma queda da diversificação, também ocorreu uma piora do padrão de diversificação da economia brasileira, com um aumento na competitividade em setores de baixo conteúdo tecnológico.
Como resultado, segundo dados do Observatory of Economic Complexity, a complexidade brasileira caiu de 0,62 em 2016 para 0,51 em 2019, indo da posição 41 para a 49 no ranking de complexidade. Dados para 2020 ainda não estão disponíveis.
Esse padrão de especialização produtiva dificulta uma mudança estrutural rumo a produtos mais complexos. Produtos Primários apresentam um número pequeno de capacidades produtivas e que são menos facilmente transpostas para outras atividades. Em função disso, a especialização em primários torna mais custoso o aprendizado produtivo necessário para a produção de bens de elevada intensidade tecnológica e maior complexidade.
Gráfico 2: Diversificação produtiva brasileira por setor (2016-2020)
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Fonte: elaboração própria a partir de dados da UNComtrade.
O grau de especialização produtiva brasileira se acentuou tanto que os vinte principais produtos Primários e Baseados em recursos primários da pauta exportadora brasileira contemplam 68,7% do valor exportado em 2020. Dentre os produtos Primários com maior crescimento entre 2018 e 2020 estão algodão (90,9%), milho (46,6%) e carne bovina (36,5%). Os produtos Baseados em recursos primários que apresentaram maiores taxas de crescimento foram: açúcar, melaço e mel (33,5%), minério de ferro (27,5%) e óleos de petróleo (26,4%).
Os produtos de Média e Alta tecnologia, por sua vez, apresentaram desempenho contrário. As exportações, nesses casos, diminuíram em 16,7% e 30,6% entre 2016 e 2020, respectivamente. A participação combinada dos produtos de Média tecnologia e Alta tecnologia no total exportado de 2020 foi de 17,3%. Dentre os produtos de Média tecnologia, a queda de 2018 para 2020 foi impulsionada principalmente pelo desempenho negativo de motores não elétricos (-77,6%), veículos rodoviários motorizados (-54,8%) e veículos para transporte de bens (-52,3%) e de pessoas (-48,8%). No que se refere aos produtos de Alta tecnologia, a variação negativa de 30,6% no período, a mais intensa entre todos os grupos, foi puxada pela performance ruim das exportações de aeronaves (-39,6%) e aparelhos de medição (-50,7%).
O Gráfico 3 apresenta os produtos que tiveram as dez maiores e as dez menores variações entre 2018-2020, entre todas as classificações de produtos. Como esperado, dentre os produtos de maior crescimento nas exportações, constata-se a dominância de produtos primários e baseados em recursos primários. Os produtos com maiores taxas de crescimento das exportações são margarina, com crescimento de impressionantes 335% em apenas três anos, e trigo, que cresceu 176%. Por outro lado, quando analisadas as maiores quedas, predominam os produtos de média e alta tecnologia. Dos dez produtos com maiores quedas nas exportações, três são máquinas. A maior queda foi verificada nas exportações de obras de arte (-81%), seguida de motores não elétricos (-78%) e máquinas de escritório (-63%).
Outro destaque importante são as elevadas taxas de crescimento das exportações de madeira bruta e ouro. O crescimento da exportação de madeira bruta foi de 84,4% entre 2018-2020, valor que só é inferior ao crescimento das exportações de margarina, trigo e algodão. Já o crescimento das exportações de ouro, no período 2018-2020, foi de 74,4%, o quinto maior no período.
Gráfico 3: Produtos com as 10 maiores taxas de variação positivas e negativas (2018-2020)
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Fonte: elaboração própria a partir de dados da UNComtrade.
A exportação de madeira bruta apresentou um crescimento significativo no período, obtendo variações positivas em todos os anos. Além disso, a tendência de crescimento aumenta consideravelmente a partir de 2018. Enquanto de 2016 a 2018, o crescimento das exportações foi de 110%, de 2018 a 2020, o aumento foi de 205%. Quando os dados são analisados para o período 2016-2020 como um todo, constata-se um impressionante aumento de 542% das exportações de madeira bruta. Em termos do valor exportado, o montante passou de US$ 40,8 milhões em 2016 para US$ 115,8 milhões em 2020.
A exportação de ouro também apresentou crescimento expressivo no período analisado. De 2016 a 2018 os números permaneceram relativamente estáveis. A partir de então, inicia-se uma trajetória de alta, acumulando um crescimento de 30% entre 2018 e 2020. É importante notar que, considerando a característica do produto, que precisa de escavação e da utilização da grande quantidade de mercúrio para que seja encontrado e decantado, um aumento de 17 toneladas na exportação de ouro em apenas um ano (de 2018 a 2019) representa um valor muito significativo. Quanto ao valor exportado de ouro, os números passaram de US$ 2,9 bilhões em 2016 para US$ 4,9 bilhões em 2020.
Gráfico 4: Quantidades exportadas de madeira bruta (mil toneladas) e ouro (toneladas)
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Fonte: elaboração própria a partir de dados da Comex Stat.
A agenda de combate à mudança climática alcançou seu pico nas discussões de políticas econômicas voltadas à retomada do crescimento pós-pandemia. As estratégias de crescimento verde dos Estados Unidos e da União Europeia estão diretamente relacionadas ao fato de estar ganhando força o argumento de que a proteção ambiental na verdade colabora para um maior crescimento econômico, e não o contrário.
Segundo a OCDE [5], com a adoção de políticas e incentivos corretos, que envolvam reformas fiscais e estruturais sólidas que contemplem uma política ambiental coerente, os governos podem gerar um crescimento de maneira ambientalmente sustentável, obtendo benefícios econômicos como melhorias de emprego e de saúde de curto prazo. Conforme projeções para o G20, a execução de um pacote de políticas pertinente às questões climáticas pode aumentar o PIB de longo prazo em até 2,8%.
Analogamente, artigos recentes têm indicado que a produção de bens mais sofisticados, por estar associada a maior base de conhecimentos, colabora para reduzir a emissão de gases de efeito estufa [3] [4]. Ao elevar o nível de capacidade produtiva, eleva-se também a criação e utilização de tecnologias menos poluidoras, motivando maior pesquisa e inovações em tecnologias verdes [6]. Ademais, diferentes setores geram intensidades diferentes de poluição no processo produtivo. Setores de maior intensidade tecnológica, como eletrônicos e químicos, apresentam menor intensidade de emissões.
No governo Bolsonaro, porém, prevalece uma visão ultrapassada sobre a relação entre meio ambiente e economia. Para o governo, políticas de proteção ambiental representam entraves ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-ministro Ricardo Salles estaria atuando corretamente ao adotar o que chamou de “visão economicista” da gestão do meio ambiente [7].
Contudo, a gestão Salles foi alvo de inúmeras críticas de especialistas em meio ambiente. Primeiro, em função da suspensão de multas ambientais a partir de um decreto federal. Depois, por causa da eliminação da necessidade de autorização específica para exportação de madeira de origem nativa, como estabelecia a IN 15/2011. Além disso, Salles também foi acusado de favorecer o garimpo em áreas protegidas e unidades de conservação e por ter exonerado o diretor de fiscalização ambiental do Ibama que havia paralisado operações de garimpo e exploração ilegal de madeira em terras indígenas no Pará [8] [9].
Segundo o Atlas Amazônia Sob Pressão 2020, as atividades ilegais têm se expandido nos últimos anos no Brasil. Conforme dados da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), em 2020 foram identificados 2.576 locais onde se pratica a mineração ilegal da floresta no Brasil, com 95% delas em situação ativa. De acordo com Manzolli e co-autores [10], foram identificados que 49 toneladas de ouro comercializados no período de 2019 a 2020 são provenientes de áreas com evidências de irregularidades.
Existem também outros indícios de aumento do garimpo ilegal na Amazônia, como a verificação de um aumento expressivo na quantidade de ouro apreendido pela Polícia Federal em 2020, representando uma expansão de 130% em relação ao ano de 2019 (de 154 kg para 355 kg) [11]. Além disso, em fevereiro de 2020, o presidente assinou um projeto que legaliza mineração, exploração de lavras de petróleo e gás, e geração de energia elétrica em áreas indígenas. Contudo, a proposta ainda precisa ser aprovada na Câmara e no Senado.
Em conjunto com dados demonstrando um aumento do garimpo ilegal na Amazônia e fragilidades na fiscalização e irregularidades, surge um alerta de que parte do aumento das exportações de ouro possa ser devido à mineração ilegal.
Pesquisas confirmam também pioras significativas nos índices de desmatamento. Os dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que entre agosto de 2019 e junho de 2020 houve um aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento em comparação com o mesmo período do ano anterior. Apesar do aumento no desmatamento, houve uma acelerada redução dos autos lavrados por infração contra a flora em 2019 e 2020, cujos números são os menores já registrados nos últimos 21 anos nos estados da Amazônia Legal [12]. Além disso, existe a preocupação com o aumento do desmatamento ilegal em áreas de conservação e em terras indígenas.
Dessa forma, observa-se que o aumento das exportações de ouro e madeira bruta durante o governo Bolsonaro foi acompanhado pela redução da fiscalização ambiental e pelo aumento de atividades ilegais na Amazônia.
A visão conflitante da relação entre proteção ambiental e crescimento econômico passa também pela atuação do Ministério da Economia, sob o comando de Paulo Guedes. Ao concentrar a política econômica no incentivo à produção de bens primários, nos quais o Brasil possui já maior vantagem comparativa, a possibilidade de um crescimento verde fica cada vez mais distante.
Dados de emissões de gases de efeito estufa apontam que a estratégia de priorizar setores de produção primária em detrimento daqueles de maior conteúdo tecnológico tende a elevar o dano ambiental causado pelas atividades econômicas, uma vez que os setores primários se associam a maiores agravos ao meio ambiente.
No Brasil, segundo dados da SEEG, os setores da Agropecuária e de Mudanças de uso da terra e floresta, em que se incluem as queimadas, foram responsáveis por 72% do total de emissões de carbono equivalente (CO2e) em 2019, apesar de contribuírem com apenas 5% do PIB.
Quando analisada a emissão de gases de efeito estufa oriunda da produção de Processos industriais, a participação que esse setor assume é de apenas 4,5% do total em 2019. Além disso, a quantidade de CO2 emitida pela atividade industrial manteve-se estável de 2016 a 2019, apresentando uma redução anual de 0,3% no período.
A estratégia de Guedes de ajuste fiscal via cortes de gastos, por sua vez, tem levado a sucessivos cortes de gastos em pesquisa, ciência e tecnologia, o que impede a entrada em setores de menor intensidade de emissões e maior tecnologia, e dificulta a adoção de tecnologias limpas.
De forma geral, portanto, a manutenção de políticas que priorizam o capitalismo predatório em detrimento do avanço em setores mais tecnológicos e limpos, além de gerar maior degradação ambiental, pode ser um entrave para o próprio desenvolvimento econômico do Brasil no futuro próximo.
João P. Romero, Danielle Carvalho, Arthur Queiroz e Ciro Moura são membros do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG.
1 HAUSMANN, R.; HIDALGO, C. A.; BUSTOS, S.; COSCIA, M.; SIMÕES, A. The atlas of economic complexity: Mapping paths to prosperity. Mit Press, 2014.
2 HARTMANN, D.; GUEVARA, M. R.; JARA-FIGUEROA, C.; ARISTARÁN, M.; HIDALGO, C. A. Linking economic complexity, institutions, and income inequality. World development, v. 93, p. 75-93, 2017.
3 MEALY, P.; TEYTELBOYM, A. Economic complexity and the green economy. Research Policy, p. 103948, 2020.
4 ROMERO, J. P.; GRAMKOW, C. Economic complexity and greenhouse gas emissions. World Development, v. 139, p. 105317, 2021.
5 OCDE. Investing in Climate, Investing in Growth. 2017.
6 EUROPEAN COMMISSION. Global Environmental Impacts of EU Trade in Commodities. Science for Environment Policy. 2013.
7 ÉPOCA. Mourão: Salles tem olhar economicista do meio ambiente e visão correta das coisas. 2021.
8 OECOa. PF diz que Salles montou esquema criminoso para favorecer madeireiras. 2021.
9 OECOb. Os 30 meses de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. 2021.
10 MANZOLLI, B.; RAJÃO, R.; BRAGANÇA, A. C. H.; OLIVEIRA, P. T. M.; ALCÂNTARA, G. K. de A.; NUNES, F.; FILHO, B. S. Legalidade da produção de ouro no Brasil. Belo Horizonte: Editora IGC/UFMG, 2021.
11 FOLHA DE SÃO PAULO. Regras frouxas e órgão sucateado dificultam combate a corrupção e lavagem na cadeia do ouro. 2021.
12 RAJÃO, R.; SCHMITT, J.; NUNES, F.; SOARES-FILHO, B. Dicotomia da impunidade do desmatamento ilegal. Policy Brief, 2021.
13 SEEG, B.; GAUGLITZ, I. K.; SCHÜTZ, A. Explaining and enhancing training transfer: a consumer-centric evaluation of a leadership training. Human Resource Development International, p. 1-21, 2021.
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O Observatório da Economia Contemporânea tem como foco a discussão da economia nas suas várias dimensões; estrutural e conjuntural, empírica e teórica, internacional e doméstica. Sua ênfase, porém, será na política econômica, com acompanhamento aprofundado da conjuntura internacional e da economia brasileira no governo Bolsonaro. Fazem parte do Observatório, economistas e cientistas sociais, professores e pesquisadores de diversas instituições, listados a seguir: Alex Wilhans, Alexandre Barbosa, André Calixtre, André Biancarelli, Angelo Del Vecchio, Antonio Correa de Lacerda, Bruno De Conti, Carolina Baltar, Claudio Amitrano, Claudio Puty, Clelio Campolina, Clemente Ganz Lúcio, Cristina Penido, Daniela Prates, David Kupfer, Denis Maracci Gimenez, Elias Jabbour, Ernani Torres, Esther Bermeguy, Esther Dweck, Fabio Terra, Fernando Sarti, Giorgio Romano, Guilherme Magacho, Guilherme Mello, Isabela Nogueira de Moraes, Ítalo Pedrosa, João Romero, Jorge Abrahão, José Celso Cardoso, José Dari Krein, Luiz Fernando de Paula, Luiz Gonzaga Belluzzo, Marcelo Manzano, Marcelo Miterhof, Marcos Costa Lima, Marta Castilho, Maryse Farhi, Nelson Barbosa, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Barros, Ricardo Carneiro, Tânia Bacelar e William Nozaki.
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