segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Os homens de bem


Marina Amaral
https://apublica.org/


Não sei quantos de vocês tiveram o necessário desprazer de assistir ao vídeo do jantar na casa do especulador Naji Nahas em torno do ex-presidente Michel Temer, alçado a guardião da democracia depois de redigir a famigerada nota acordada entre o STF e Jair Bolsonaro.

Digo “necessário” porque não há cena mais reveladora da desfaçatez com que os homens brancos de terno compartilham o butim Brasil às custas de 20 milhões de famintos, 15 milhões de desempregados e 600 mil mortos de Covid-19 entre outras vítimas do governo que elegeram e continuam a manter. Além de Nahas, Gilberto Kassab, Michel Temer e o empresário Paulo Marinho - pai do “comediante” que imitou Bolsonaro - os lobistas da imprensa como Johnny Saad, da Rede Bandeirantes, Antonio Carlos Pereira, recém aposentado como diretor do Estadão, e Roberto D’Ávila, apresentador da GloboNews também dividiram o jantar - e as gargalhadas.

“Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel”, diziam em convescotes de outrora, quando tramavam o impeachment de Dilma Rousseff, em meio às descobertas de outro butim, o da Petrobras. Agora, “a solução mais fácil” parece ser deixar Michel assessorar o enfraquecido Jair, enquanto ele termina de fazer o trabalho sujo, aproveitando-se da destruição do Estado promovida pelo governo para saquear os cofres públicos, mudar o código eleitoral, avançar sobre as terras indígenas e quilombolas, queimar florestas, retirar garantias trabalhistas, sucatear a educação, açular a polícia e a justiça contra as pessoas negras, perpetuar as desigualdades de direitos, gênero, renda.

Curiosamente, no dia seguinte em que o vídeo viralizou na Internet, o STF adiou pela quinta vez o julgamento do Marco Temporal, dessa vez por um pedido de vista de ninguém menos do que Alexandre de Moraes, o velho amigo de Temer, que teria sido convencido por ele a aceitar as desculpas de Jair Bolsonaro, depois do presidente tê-lo chamado de “canalha” e jurado publicamente não cumprir nenhuma das determinações do ministro do Supremo.
Daquelas coincidências que fazem a gente pensar: afinal, quais teriam sido os termos do acordo selado por Temer?

Em seu governo, Temer paralisou as demarcações de terras indígenas pela primeira vez desde 1986, desmontou a Funai e promoveu uma regularização fundiária de grandes proporções, premiando os grileiros da Amazônia. Também foi ele quem trouxe os militares de volta ao cenário político com a criminosa Intervenção Federal no Rio de Janeiro, a cargo do general Braga Netto, o atual ministro da Defesa, muito próximo de Jair Bolsonaro. E fez a reforma trabalhista, que Bolsonaro radicalizou, a pretexto da pandemia, além de criar o teto de gastos que atingiu a saúde e a educação. Nesse sentido, o governo Bolsonaro é uma continuação do anterior, aprofundando o ataque aos direitos constitucionais e a especulação sobre as terras públicas e os recursos naturais.

Piadas à parte, os donos do poder se entendem às maravilhas quando se trata de espoliar o patrimônio público e expropriar direitos dos cidadãos brasileiros. Se depender dessa gente, o impeachment será apenas um instrumento para derrubar os que atrapalham seus negócios e controlar os que representam seus interesses até encontrar uma “solução mais fácil” para extorquir o país. Terão sempre ao seu lado o mercado e a imprensa empresarial para apresentá-los como a voz da razão até que consigam um candidato, digamos, mais previsível, do que o intempestivo ex-capitão.


Marina Amaral, diretora executiva da Agência Pública

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