sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Elitismo, desigualdade e o debate sobre políticas educacionais na esquerda brasileira

(Foto: Reuters)

"Esta suposta esquerda (bastante minoritária na própria esquerda, diga-se de passagem) desenvolve uma ação política completamente dissonante de seu discurso, profundamente marcada pelo elitismo e pelo conservadorismo na educação", escrevem Vinícius Wu e Fernando Stern

Por Vinícius Wu e Fernando Stern

Há um setor, supostamente de esquerda, que atua nos movimentos de educação, contrário a toda e qualquer mudança na gestão das políticas educacionais. É uma história que vem de longe. É a mesma turma que combateu outras propostas que buscavam tornar a educação mais acessível e parte de um projeto popular como os CIEPs, Prouni, Reuni etc. E o que explica este tipo de postura? Trazemos aqui uma modesta tentativa de compreensão do fenômeno.

A hipótese para a explicação deste curioso fenômeno, que posiciona supostos "defensores da educação pública" na linha de frente do conservadorismo, diz respeito a seu desprezo por evidências. Não há preocupação com resultados. Somente a preservação de dogmas importa e isso é o que em boa medida explica a reação de alguns setores ao projeto que se busca, nesse momento, implantar em Niterói. Afinal de contas, o que explicaria uma reação violenta a políticas de avaliação e acompanhamento das escolas como se faz com quaisquer políticas públicas?

Este apego a dogmas faz com que este setor reaja, principalmente, a políticas que busquem a elevação da qualidade da educação. Uma postura que, na prática, contribui para a manutenção e o aprofundamento das desigualdades em termos de direitos e oportunidades educacionais.

A reação a políticas que tratem do tema da qualidade da educação tem muito a ver com uma tendência elitista, que tenta limitar o debate sobre políticas educacionais a um grupo seleto de iluminados, detentores de um saber acadêmico que desconsidera outras áreas do conhecimento. Saberes e conhecimentos acumulados em áreas como administração, gestão pública, direito, comunicação, psicologia e neurociências são desprezadas por aqueles que se consideram "donos" do debate sobre políticas educacionais. Há uma tentativa clara aí de se estabelecer uma espécie de "reserva de mercado", inclusive.

O elitismo manifesto por esta visão é naturalizado de tal forma que não há nenhum constrangimento em se desqualificar todo o conhecimento e saberes acumulados durante décadas na área de gestão e análise de políticas públicas. A coisa costuma ser tão agressiva que qualquer um que se levante em defesa de algo visto como "pecado" é atacado pessoal e violentamente. Tudo é enquadrado como "produtivismo neoliberal".

O elitismo se expressa também no paternalismo e na forma um tanto arrogante com que este setor se relaciona com a comunidade escolar e a sociedade em geral. A participação estudantil, por exemplo, costuma ser desprezada. E apenas uma parte dos educadores é chamada a participar.

A reação às políticas que falam em aumento da qualidade da educação também possui um componente de classe. Os formuladores destas ideias, em geral, são brancos, de classe média alta e costumam estabelecer uma relação bastante pontual - e instrumental - com a escola pública.

Para não alongar demasiadamente este breve texto, deixamos aqui uma última pista para a compreensão deste fenômeno: trata-se da completa distorção do conceito de autonomia. Em nome de uma suposta autonomia, este setor termina por inviabilizar a construção de uma visão sistêmica, tão necessária ao desenvolvimento das políticas educacionais no país.

Portanto, esta suposta esquerda (bastante minoritária na própria esquerda, diga-se de passagem) desenvolve uma ação política completamente dissonante de seu discurso, profundamente marcada pelo elitismo e pelo conservadorismo na educação. Como dissemos antes, dos CIEPs a Sobral, passando pelo Prouni e por qualquer proposta que mexa com as estruturas em nome de melhorar as coisas para alunos e para a sociedade, tem sido assim.

Vinicius Wu é Secretário de Educação de Niterói.

No Twitter @vinicius_wu

Fernando Stern é Coordenador de comunicação digital e relacionamento com o cidadão de Niterói

No Twitter @Fernandostern

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