Lula, Zelensky e a opinião pública internacional
Wilson Gomes
A opinião pública internacional e a mobilização de líderes de opinião estrangeiros importam para a eleição presidencial de 2022?
Os ciumentos nacionalistas puxam seguramente a faca se você sugerir essa ideia. De direta e de esquerda. Na prática, contudo, todo mundo gostaria de uma ajudinha de fora e conta com ela quando lhe convém. O bolsonarismo certamente se beneficiou seja da expertise tática das campanhas online da alt-right americana que da sua grana. E a esquerda lulista soube muito bem buscar socorro internacional, quando o polvo do lavajatismo nacional pôs em movimento a manipulação política do sistema de Justiça (lawfare) que encurralou Lula, e o levou à prisão.
E mesmo quem não necessariamente faz do partidarismo o seu meio de vida, nas causas ambientais, na luta por direitos humanos ou dos povos indígenas, alvos preferenciais da voracidade e do instinto de destruição do bolsonarismo predominante, sabe quem em governos estrangeiros e em fundos multilaterais sob pressão da opinião pública internacional estão a sua defesa mais consistente.
Querem um exemplo? Há um par de meses soou um alarme na Justiça Eleitoral: os jovens acima de 16 anos, com direito ao voto, simplesmente não estavam nem aí para fazer o título que lhes dava acesso a esse direito. Era a menor quantidade de eleitores habilitados desse contingente das últimas eleições. A cultura eleitoral do voto compulsório nunca nos deu as manhas para ir convencer eleitores a se registrar para votar, mas os americanos conhecem muito bem o procedimento.
Anitta convocou e, nas últimas semanas, nada menos que Mark Ruffalo, Mark Hammil e Leonardo DiCaprio entraram pesadamente em uma campanha digital, postando em português, para dar a real para a meninada sobre a urgência do voto. O resultado? Segundo reportagem de O Globo, ganhamos mais 2 milhões de eleitores e o número de títulos de garotos emitidos este ano supera o das últimas duas eleições.
Além disso, nas últimas duas semanas, a pauta sombria a respeito das eleições tem sido a certeza predominante de que Bolsonaro só não dará um golpe em outubro, caso perca a eleição, se não tiver número suficiente de militares antidemocratas para entrar ao seu lado em uma aventura dessas.
Que ele opera por todos os meios para ter à mão um plano B em caso de derrota eleitoral parece cada vez mais claro. Essa semana falou-se de relatório recebido pelo governo Biden sobre risco de uma versão brasileira da invasão do Capitólio e, nessa quinta (05/05), uma reportagem da agência Reuters menciona que um diretor da CIA teria dito a Bolsonaro que parasse de atacar a credibilidade do sistema de votação do país. Pelo sim, pelo não, o certo é que a opinião pública americana e o governo Biden podem representar o fiador decisivo para garantir que o próximo presidente do país saia das urnas e não de mais um golpe militar.
Então, sim, a opinião pública internacional conta, e conta muito, no jogo eleitoral que vai entrar em sua fase final.
Por isso mesmo é que não faz sentido que justamente das oportunidades de falar para um público estrangeiro tenham vindo alguns dos mais vistosos desastres verbais de Lula. Paradoxalmente, a campanha de Lula recebeu uma ajuda importante esta semana, quando a revista Time antecipou online a capa e uma entrevista central, ambas com Lula, de uma edição a ser publicada nas bancas no final do mês. A capa é de uma extraordinária boa vontade: um Lula presidencial, de gravata nas cores nacionais, quase uma faixa, quase um retrato de posse, com uma chamada no mesmo nível. É de matar bolsonarista asfixiado de inveja.
Mas aí vem a entrevista, em que Lula, em 90% dos temas, saiu-se muito bem. Exceto na sua eterna casca de banana, a avaliação da política internacional. Foi exatamente assim na entrevista ao jornal espanhol El País, em novembro do ano passado: Lula aceita as perguntas sobre o tema com entusiasmo e desanda a falar os maiores absurdos como se estivesse numa reunião com os colegas septuagenários ou octogenários, de esquerda, que veem a geopolítica ainda pelas lentes da Guerra Fria, ou com os jovens-hippies-velhos de DCE, corpinho em 2021, mente em 1917.
Lula gastou quase metade da entrevista (44,3%) falando de maneira empolgada sobre a invasão da Ucrânia, Putin e Zelensky. Lula precisava falar – e tanto – desse tema? Não precisava. Os temas que quis evitar, o fez com grande habilidade. Fala porque se empolga, engatando um discurso autocentrado do tipo “eu resolveria isso porque converso com todo mundo”. E tome-lhe retórica do doisladismos, para dizer que ninguém está certo, posto que simplesmente não lhe é possível criticar o camarada Putin sem compensar do outro lado, falando mal da OTAN, da União Europeia, dos americanos e de Zelensky.
A arrogância do “se fosse eu, resolveria fácil” é de uma vaidade sem fim, e será muito antipática internacionalmente. Imagine o que tem de líder europeu sem dormir esses meses todos, quebrando a cabeça com a enrascada dessa guerra complicadíssima, para então descobrir que, só com conversa, Lula resolveria tudo.
Pior ainda é Lula pontificar que era só Zelensky ou a Otan não provocarem que nada teria acontecido, ou que “esse cara”, Zelensy, é tão responsável pela guerra quanto Putin. A posição sobre a Ucrânia é de uma fanfarronice inquietante. Ele contando o que diria a Putin e a Zelenskky é desconcertante.
A Time é uma revista internacional, não tem mais a influência de outrora, mas tem o seu público. A entrevista, da jornalista Ciara Nugent, é benevolente. Uma chance de ouro para Lula reforçar a enorme boa vontade mundial em seu favor, mas ele gasta metade da entrevista se indispondo com Zelensky, o sujeito que é o queridinho do mundo no momento, se não por outra razão ao menos porque está enfrentando uma guerra que não pode vencer lá, no meio do seu povo e não em um exílio dourado em Londres, como lhe foi oferecido. E Lula não poupa adjetivos para o ucraniano, como se falasse de um qualquer. Refere-se a ele como “o rei da cocada”, “um cara esquisito”, um artista, um irresponsável.
Como era de esperar, claro, ao som das primeiras críticas, os lulistas se armaram contra os que jogaram luz sobre a obsessão de Lula em pisar nessa casca de banana e se adotar uma posição no tema como se a opinião mundial estivesse alinhada com ele nessas questões. Muitos dos lulistas comportam-se como uma fanbase de artista, não como um público crítico da política. Neste caso, equivalem críticos a detratores e estão mais preocupados em atacar os mensageiros das falhas de Lula do que em consertar os rumos da campanha e em ganhar a eleição.
Assim, houve quem alegasse o clássico viralatismo dos críticos, que preferem o enquadramento americano e europeu dos eventos, em vez das verdades reveladas pela agência russa de propaganda, como se depois do Twitter as agências internacionais fossem ainda o único meio de se inteirar sobre conflitos no exterior. Houve quem acusasse os críticos de pinçarem, obviamente por má-fé, os trechos da entrevista que punham Lula sob uma luz negativa, enquanto negligenciava o resto, negligenciando que Lula demorou metade da entrevista no tema porque ele simplesmente gosta de falar desse tipo de assunto, sabe-se lá por quê. Por fim, vieram os apologistas da autenticidade de Lula, a defender que se deixe o candidato em paz para falar o que quiser, como se ele não tivesse essa liberdade e a questão em tela não fosse se um candidato presidencial, a este ponto de uma corrida eleitoral disputadíssima, pode se dar ao luxo de conceder uma entrevista internacional apenas para se expressar, dizer o que pena, ser ele mesmo, botar para fora o que lhe passa no coração.
Como se do outro lado das cortinas de uma publicação internacional estivesse outros hippies velhos anti-imperialistas e antiamericanos, e a fanbase do ex-presidente, e não a opinião pública internacional de cuja boa vontade qualquer projeto para enfrentar Bolsonaro tanto precisa.
Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP). Twitter: @willgomes
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