quinta-feira, 14 de julho de 2022

Por trás da inflação, as empresas-vampiras

Imagem: Ramiro Rodriguez

Megacorporações de quatro setores – farmacêutico, petroleiro, agronegócio e Big Tech – dobraram fortunas na pandemia. Seus lucros são o que mais pesa na disparada dos preços. Freá-las requer tributos e quebra de patentes e monopólios
Por Jayati Ghosh, no Europa Social e IPS-Jornal | Tradução: Maurício Ayer

Todos os anos, o relatório da Oxfam sobre a desigualdade global expõe o enorme e crescente abismo econômico no mundo, tornando nossas sociedades distópicas e nossas políticas inviáveis. Nos últimos anos, os dados se tornaram ainda mais gritantes, pois primeiro a pandemia e depois a inflação de alimentos e combustíveis desencadeada pela guerra na Ucrânia destruíram os meios de subsistência e os rendimentos salariais e, portanto, o poder de compra da maioria da população mundial.

Mas mesmo para sociedades cada vez mais acostumadas à extrema desigualdade, o último relatório da Oxfam é capaz de chocar. Pode não ser surpresa que pelo menos mais 240 milhões de pessoas provavelmente cairão na pobreza extrema e enfrentarão uma fome terrível devido às tendências econômicas dos últimos dois anos. Mas, no mesmo período, a riqueza dos bilionários aumentou 42% – mais do que nos 23 anos anteriores.

Como resultado, os dez homens mais ricos do mundo possuem mais do que 40% de toda a humanidade. As 20 pessoas mais ricas têm mais riqueza do que todo o produto interno bruto de todos os países da África Subsaariana juntos. O homem mais rico do mundo – Elon Musk – aumentou sua riqueza quase sete vezes desde 2019. Mesmo se ele desperdiçasse 99% dela, ele ainda estaria no top 0,0001% das pessoas mais ricas do planeta, o que ele e seus semelhantes estão ocupados em destruir através das emissões de carbono decorrentes de seu consumo ostensivo.

Impulsionando a inflação

No entanto, ainda mais do que esses números assustadores, o que é particularmente importante neste relatório é o que ele revela sobre as fortunas crescentes de algumas grandes empresas multinacionais, durante este período de infortúnio global. Há uma ligação direta com a inflação que causa tanto estrago em todo o mundo, especialmente entre as populações já pobres – acentuada muito mais em razão do lucro das grandes empresas e da especulação financeira do que pela escassez de oferta.

Pesquisa do Economic Policy Institute indica que somente nos Estados Unidos os lucros corporativos representaram 54% da inflação entre abril-junho de 2020 e outubro-dezembro de 2021. Os custos trabalhistas contribuíram com apenas 8% e outros custos de insumos com 38%. (Em contraste, nas três décadas anteriores, os custos trabalhistas representaram 62% da inflação, os aumentos de preços de insumos 7% e os lucros aumentados 11%). Mais de metade da inflação recente pode, portanto, ser atribuída à lucratividade aberta e descontrolada auferida por grandes empresas.

O relatório da Oxfam observa que isso se refletiu em aumentos maciços nos lucros corporativos, particularmente em alimentos, combustíveis e produtos farmacêuticos. Por exemplo, as dinastias bilionárias que controlam os agronegócios que dominam grande parte do nosso sistema alimentar global estão cada vez mais fortes. Sua riqueza coletiva aumentou em US$ 382 bilhões (45%) nos últimos dois anos, com a criação de 62 novos bilionários.

A família proprietária da maior parte da Cargill – uma das quatro agroindústrias que controlam mais de 70% do mercado global de commodities agrícolas – viu sua riqueza aumentar 65% desde 2020, ou cerca de US$ 20 milhões por dia, em meio à pandemia. A família Walton, que possui cerca de metade do capital social do Walmart, viu sua riqueza aumentar em meio bilhão de dólares a cada hora. No ano passado, a empresa gastou US$ 16 bilhões apenas em dividendos e recompras de ações, e mesmo assim continuou a suprimir salários e pagamentos a agricultores e produtores diretos em todo o mundo.

Lucros desmedidos

As grandes petroleiras também estão arrecadando: os preços do petróleo devem aumentar cerca de metade este ano, mas já durante a pandemia as margens de lucro das empresas petrolíferas duplicaram. As cinco maiores empresas de energia – BP, Shell, TotalEnergies, Exxon e Chevron – tiveram um lucro combinado de US$ 82 bilhões em 2021 e pagaram US$ 51 bilhões em dividendos, 90% dos quais foram para os 10% mais ricos das famílias americanas.

Os lucros obscenos obtidos pelas grandes farmacêuticas, especialmente com as vacinas de Covid-19 que elas estão se recusando a fornecer para as pessoas mais pobres do mundo, cresceram ainda mais no segundo ano da pandemia. A Moderna, que se beneficiou totalmente de subsídios públicos para produzir seu único produto no mercado, uma vacina de Covid-19 baseada em RNA mensageiro, atualmente tem neste item uma margem de lucro de 70%, antes da tributação.

Não é à toa que a Moderna está processando produtores na África do Sul para impedi-los de produzir vacinas substitutas, ao mesmo tempo que procura esconder parte de seus lucros em paraísos fiscais. A Pfizer vendeu o maior número de vacinas de Covid-19 comparado a qualquer empresa, mas forneceu proporcionalmente o menor número para países de baixa renda. Ambas as empresas também investem pesadamente em lobbies contra a renúncia de direitos de propriedade intelectual associados ao comércio (o acordo TRIPS), que poderia reduzir seu controle sobre o conhecimento que lhes confere um enorme poder de mercado.

Poder sem limites

Cinco grandes empresas de tecnologia – Apple, Microsoft, Tesla, Amazon e Alphabet – tiveram lucros de US$ 271 bilhões em 2021, um aumento de quase 40% em 2019. E, é claro, junto com tamanha riqueza vem um imenso poder político: a Amazon e o Google sozinhas gastaram US$ 7,5 milhões em lobby escancarado junto a políticos dos EUA nos primeiros três meses de 2022, e provavelmente muito mais indiretamente.

O poder associado a toda essa riqueza – de influenciar os governos a desenharem políticas regulatórias e fiscais em favor dos ricos e das grandes corporações – é uma das razões pelas quais essas desigualdades não param de aumentar. É também provavelmente por isso que soluções óbvias – como tributar os lucros excedentes, reduzir os monopólios revisando o sistema opressivo de direitos de propriedade intelectual e democratizar o acesso ao conhecimento, eliminando os subsídios explícitos e implícitos que os contribuintes estão fornecendo a essas grandes empresas, evitando recompras de ações e outras estratégias como estas ​​– não estão sendo aplicadas.

Diante de tal poder corporativo, precisamos de uma ação cidadã muito mais concertada se quisermos ter alguma esperança de superar essa distopia.

Esta é uma publicação conjunta da Europa Social e IPS-Jornal.


JAYATI GHOSH

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