domingo, 14 de agosto de 2022

Tio Sam, ajuda aí...

Fontes: Rebelión [Imagem: Comitiva brasileira da WBO em Washington. Créditos: Maria Madalena Arréllaga/conectas.org]

Por Elaine Tavares
https://rebelion.org/

Traduzido do português para Rebelión por Alfredo Iglesias Diéguez

Neste artigo a autora insiste em sua tese já formulada em outras ocasiões: as lutas parciais nunca destruirão o capitalismo se atacarem a estrutura do sistema; Por isso, sustenta, é inútil ir a Washington em busca de apoio à democracia brasileira.

Precisamos falar sobre nossas perdas. Estamos no chão. A esquerda brasileira derrete no ar, embora nunca tenha sido tão sólida. Aparentemente, a ideia ilusória de que é possível domar e domar o capitalismo venceu. Cenas como a de uma comissão de brasileiros notáveis ​​indo pedir “ajuda” a Joe Biden para que ele se torne o defensor da democracia brasileira beira o patético. A viagem, organizada pelo chamado Washington Brazil Office (WBO), trouxe representantes de várias ONGs e movimentos sociais brasileiros para um encontro com representantes do Departamento de Estado dos EUA e vários membros do Congresso. O pedido unânime foi que os EUA reconhecessem o resultado das eleições brasileiras.

Esse tipo de coisa realmente nos deixa tocados. O que passa pela cabeça de quem acredita encontrar nos EUA um aliado para a liberdade, autonomia e soberania? É como se uma zebra acreditasse que poderia sentar-se à mesa com o leão, depois de ter inocentemente lhe pedido que não a comesse. Agora, como todos sabem, é da natureza do leão comer a zebra.

Este triste cenário que tem cativado importantes movimentos e organizações do país, revela a fragilidade desses mesmos movimentos e sua incapacidade de encontrar entre os brasileiros os aliados de que necessitam. Quem então deve defender essa chamada democracia? Os Estados Unidos? O mesmo país que, envolto no discurso de quem diz "defender a democracia", invadiu países e destruiu povos inteiros: Afeganistão, Iraque, Haiti, Síria...; Não é uma amostra suficiente da verdadeira natureza desse país "democrático"? As pessoas que representam os movimentos e organizações sociais e políticas brasileiras realmente acreditam que Bernie Sanders agiria de forma diferente em relação à América Latina ou ao mundo árabe?

Vale lembrar que Bernie Sanders se destacou no Partido Democrata por aderir às diretrizes particularistas que tanto encantaram os movimentos sociais. Temas sobre racismo, mulheres, movimento LGBTQI+, gênero..., estão no topo da lista de pedidos. Não há questionamento radical do capitalismo. O que está em jogo é domá-lo cedendo em algum enredo aqui ou ali dentro dessas particularidades.

Essa proposta de fragmentação da luta dos trabalhadores nasceu ali mesmo, nos Estados Unidos..., e não aconteceu por acaso. O centro do poder sabe quando a luta está avançando e tenta encontrar maneiras de empurrá-la para trás. O teórico equatoriano Agustín Cueva já apontava, na década de 1980, a forma como os Estados Unidos iniciaram o desmonte da esquerda latino-americana com o financiamento de institutos sociais democráticos e organizações não governamentais. Era um plano. O conceito de luta de classes foi esmagado pela oposição Estado/Sociedade Civil. As reivindicações sociais tornaram-se bandeiras dos movimentos e não das instituições políticas, rompendo o elo que fazia de cada luta particular parte da luta geral dos trabalhadores. Agustín Cueva já alertava que tal “sociedade civil” dentro do capitalismo é ilusória porque não toca as estruturas do sistema. A ideia de tirar o Estado do poder vale apenas para movimentos e organizações sociais, a burguesia ainda está em seu lugar, ainda está lá, governando e decidindo e até financiando a ilusão.

Com essa ideia de “empoderamento” dos movimentos, a luta de classes desaparece. Nos anos 1970/1980, o argumento para fortalecer os grupos de lutas particulares era que as organizações políticas -partidos- não se preocupavam com as subjetividades, mas apenas se dedicavam a fazer política. Frantz Fanon já apontava, em seu relato sobre a revolução argelina, que a luta política leva ao confronto de questões particulares e subjetivas e que a sociedade muda –mesmo no que diz respeito aos costumes e à cultura–, quando experimenta uma revolução. No entanto, apesar do fato de Fanon ser geralmente lido pela esquerda, parece que ele não é compreendido.

Agustín Cueva é categórico, em seu livro “ Restricted Democracies in Latin America ”, quando diz que o que faz com que os países do sul do mundo não tenham democracia não é uma suposta vocação autoritária de seus governantes, mas o fato de serem países dependentes. Isso significa que, por mais democrático que seja um país latino-americano, ele não terá uma verdadeira democracia participativa enquanto for dependente. E se eles são dependentes do império, como vamos pedir ajuda ao império para fortalecer nossa democracia?

Nosso alerta a todos esses movimentos agora organizados no Washington Brazil Office (WBO) é que leiam Álvaro Vieira Pinto. Ele também acerta quando diz que nossa primeira tarefa é entender por que vivemos em um “vale de lágrimas”. Esse vale de lágrimas é a criação do capitalismo e só chegará ao fim quando a estrutura que o torna possível for destruída. Os problemas que vivenciamos não são individuais ou particulares, mas têm muito a ver com as relações sociais estabelecidas neste modo de vida. E Álvaro Vieira Pinto também defendia que as lutas de grupos específicos apenas mascaram a sociedade de classes. Os pequenos avanços na luta desses grupos dão a impressão de que há mobilidade no sistema, que pode haver mudança, mas não passa de uma ilusão. O centro do capital nunca permitirá avançar para uma mudança no sistema, a sociedade de classes permanecerá intacta mesmo que haja “mais” direitos para mulheres, negros, indígenas e membros do coletivo LGBTQI+. São lutas importantes, que devem estar intimamente ligadas à destruição do sistema. Mas, isso parece ser uma batalha perdida, pelo menos no momento. Qualquer discussão sobre o assunto garante imediatamente uma chuva de insultos a quem ousar criticar esses movimentos. Lembro que quando começaram os Fóruns Sociais Mundiais, no início dos anos 2000, essa era uma questão central do debate: capitalismo humanitário ou socialismo? Já naquele momento se percebia o risco de ceder a esses cantos de sereia. Finalmente, a proposta de humanização do capitalismo trouxe enormes recursos para as instituições que aceitaram essa lógica. Foi uma armadilha bem arquitetada e é agora que começa a mostrar seus resultados.

Ver os mais importantes movimentos de luta brasileiros indo aos Estados Unidos para pedir seu reconhecimento para as eleições brasileiras pode ser o fim da picada, mas temo que seja apenas o começo de uma trágica picada rumo ao desastre.

Rebelión publicou este artigo com a permissão do autor e do tradutor através de uma licença Creative Commons , respeitando sua liberdade de publicá-lo em outras fontes.

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