(Foto: Reuters)
"O que querem os americanos com esse comportamento? Com certeza a disputa pelo controle militar das águas do Pacífico", diz Raimundo Rodrigues Pereira
Raimundo Rodrigues Pereira
A tarefa principal do grande jornalismo político diário impresso – no caso do Brasil, destacadamente, a Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de S. Paulo - é apresentar com destaque os fatos mais relevantes do dia que passou. Não é uma tarefa fácil. Vejamos um exemplo bem recente. Os nossos três grandes jornais destacaram, a meu ver, corretamente, no dia de ontem, como o grande fato na política internacional, a rápida visita à ilha de Taiwan no dia anterior, de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, o equivalente à nossa Câmara dos Deputados.
Eles colocaram a notícia no lugar mais nobre, o alto da primeira página. E os três, também nesse espaço privilegiado, relatam a reação da China: 1 – O Globo disse que “Pequim iniciou manobras militares na região em torno da ilha”; 2 – a Folha disse que a visita abriu “a mais grave crise, em anos, com os EUA”; e 3) o Estado publicou foto de manifestantes chineses, em Taiwan contra a visita da parlamentar americana à ilha.
Mesmo em relação à causa imediata da visita, o leitor interessado encontra resposta nos jornalões: todos destacam as próximas eleições parlamentares americanas como a grande motivação da viagem de Pelosi. O Globo diz, em manchete de página interna, que “Política Doméstica alimenta crise diplomatica”. E a deputada, referindo-se à conjuntura mais ampla na qual sua visita ocorreu, disse - claramente referindo-se a guerra da Rússia contra a Ucrânia e ao endosso público de Xi Jinping a Putin na ocasião - que os EUA e seus aliados “nunca celebrarão os autocratas”.
Nenhum dos jornalões diz, no entanto, que os Estados Unidos estão, de fato, procurando pretextos para contornar sua própria política em relação à China.
Taiwan foi o refúgio das forças pro-americanas chinesas na revolução liderada por Mao Zedong que proclamou a República Popular da China em 1949.
Dessa data até 1971, graças ao enorme poder internacional dos EUA, os refugiados chineses de Taiwan, oito milhões de pessoas, eram quem escolhia o representante da China na ONU. Ou seja, a China continental, governada pelos comunistas, amplamente majoritária, então com 680 milhões de habitantes, era representada nas Nações Unidas pelas forças derrotadas na Guerra Civil.
A situação mudou com a grande derrota dos americanos no sudeste asiático. A partir de 1954 eles substituíram a França como potência colonial na Indochina. Desembarcaram tropas no Vietnã do Sul, um estado criado por um acordo de paz com os comunistas de Ho Xi Minh que ficaram com o norte. A derrota dos EUA começa em 1968 com as grandes manifestações do povo americano contra a guerra: elas empurram o país para a mesa de negociações.
Em 1971 os americanos desistiram de indicar seus prepostos de Taiwan como representantes da China na ONU. E admitem que a escolha passe a ser feita então pela China continental. A mudança abriu caminho para que muitos países dependentes dos americanos, como o Brasil, também mudassem de posição. O governo dos comunistas no continente passou então a indicar os representantes da China inclusive no órgão de cúpula da organização, o Conselho de Segurança, de 5 membros. Em 1973 o governo do presidente Nixon negociou a retirada de suas tropas do Vietnã. E em 30 de abril de 1975 os últimos agentes americanos deixaram o prédio da embaixada dos EUA em Saigon e o Vietnã foi reunificado sob comando dos comunistas.
A visita de Pelosi a Taiwan não muda a política de uma só China, diz o governo de Joe Biden, do mesmo partido de Pelosi e que, nos bastidores, teria tentado evitar a viagem, sem muito empenho, é claro, visto que a deputada viajou num avião da força aérea do governo que ele comanda.
O que querem os americanos com esse comportamento? Com certeza tem a ver com a disputa pelo controle militar das águas do Pacífico na região, no mar Amarelo, o mar do Leste da China e o mar do Sul da China. Taiwan é um terreno estratégico no meio de três mares chineses, o Mar Amarelo, mais ao norte, o Mar do Leste da China, que envolve Taiwan e o Mar do Sul da China, que se estende ao Vietnã e ainda à Indonésia e às Filipinas. Esses mares, do Oceano Pacífico, estão a cerca de 15 mil quilômetros da costa dos EUA. Se fôssemos ingênuos, era o caso de se perguntar: o que os americanos têm a fazer por ali?
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