domingo, 11 de setembro de 2022

Não é a “polarização”; é a extrema-direita

(Foto: Alan Santos/PR | Ricardo Stuckert/PT)

"Não basta ganhar as eleições. Para enterrar o ódio e a violência, Lula precisará governar com uma oposição comprometida", diz o sociólogo Marcelo Zero

Por Marcelo Zero

A violência contra a esquerda se acentua. Na Argentina, tentaram assassinar Cristina Kirchner.

No Brasil, persiste a já tradicional caça aos militantes do campo progressista. Depois de Marielle Franco, Bruno Pereira, Marcelo Arruda etc., agora assassinaram, com 15 facadas, um simples trabalhador petista, Benedito Cardoso dos Santos, que teve a audácia de defender seu candidato.

Evidentemente, isso é só a ponta de imenso iceberg. Nos primeiros 5 meses deste ano, 19 lideranças sindicais do campo foram assassinadas, segundo a Pastoral da Terra. Gente anônima, que não aparece na mídia.

A verdade é que a violência política se tornou comum no Brasil e em outros países da América Latina.

Não se trata apenas de assassinatos. Agressões psicológicas, morais e físicas e um espesso e ubíquo discurso de ódio tornaram-se partes constituintes do mundo político do Brasil. Aquilo que antigamente era restrito a partes dos “grotões”, hoje tornou-se algo generalizado, afetando até mesmo a convivência familiar de milhões de brasileiros

Mas qual a origem dessa violência?

A mídia conservadora e os teóricos da “terceira via” têm uma resposta pronta. A violência vem da “polarização”.

O suposto conflito radical entre a esquerda (PT, PSOL, PC do B etc.) e a direita (Bolsonaro e seus seguidores) é que estaria na origem da violência. A salvação teria de vir do “centro”, gente racional e cordata que não divide o país entre “nós e eles”.

Essa cretinice tornou-se uma interpretação preponderante, mesmo sem ter nenhum amparo nos fatos.

Em primeiro lugar, a violência, seja ela moral, psicológica ou física vem exclusivamente, ou quase que exclusivamente, da extrema direita bolsonarista. Não se vê petistas, psolistas etc. matando ou agredindo pessoas que deles discordam.

O episódio da facada, até hoje indevidamente explorado, foi um ato absolutamente isolado de um indivíduo com seríssimos problemas mentais. Nada a ver com “polarização”.

Também não se vê indivíduos do campo da esquerda pedindo intervenção militar, questionando as urnas eletrônicas e ameaçando as instituições democráticas. Ou ainda defendendo racismo, misoginia e homofobia.

Em segundo, o que se chama equivocadamente de “polarização” é algo normal em democracias capitalistas.

As democracias não estão fundadas em sociedades consensuais e harmônicas. Ao contrário, as sociedades capitalistas são diversificadas e basicamente conflitivas. Há, nelas, interesses diversos e contraditórios que precisam ser arbitrados.

Essa arbitragem se dá pela democracia baseada em partidos, ou seja, as representações políticas de “partes” diferentes da sociedade.

É natural, portanto, que os diversos partidos se apresentem como os “melhores” (nós) e que critiquem as propostas dos “outros” partidos. Evidentemente, em períodos eleitorais ou de crise, essa clivagem tende a se acentuar bastante, com muitas acusações de ambos os lados. Isso faz parte do jogo democrático.

O que não faz parte do jogo democrático é a ideia de que o adversário é um inimigo a ser destruído e que, portanto, o conflito e a diversidade não podem existir. A ideia de que a sociedade tem de ser consensual, senão pelo convencimento, então pela repressão e pela força. É, no fundo, a ideia de que a “polarização” não pode existir e que a divergência é algo a ser abolido. Trata-se, é claro, de uma ideia profundamente antidemocrática.

O que vem acontecendo em tempos recentes no mundo capitalista é a tentativa, por parte de uma extrema-direita internacionalmente estruturada, de desconstruir a arbitragem democrática dos conflitos e de impor-se pela mentira, pela fraude e pela força.

Foi o que aconteceu, por exemplo, nos EUA, com Donald Trump.

No Brasil, essa tendência autoritária consolidou-se com Bolsonaro, mas surgiu antes dele.

Bolsonaro, um político absolutamente medíocre, não caiu do céu.

Aqui, a direita e a centro-direita tradicionais, os que hoje se incluem na “terceira via”, insuflaram o neofascismo bolsonarista.

Estimularam as forças mais retrógadas do Brasil para dar um golpe contra a presidenta honesta e colocar no poder a “turma da sangria”. Saíram às ruas junto com Bolsonaro, MBL e outros grupos protofascistas, que pediam intervenção militar e condenavam a democracia e a política de um modo geral. Chocaram o ovo da serpente que injetaria veneno mortal em nossas instituições democráticas.

Em sua obsessão irracional de tirar o PT do poder a qualquer custo, abriram a caixa de Pandora do nosso neofascismo tupiniquim, que floresceu e os engoliu. Em sua tentativa de limar a credibilidade do PT, destruíram a legitimidade de todo o sistema de representação política.

O ódio e a violência bolsonarista, que tanto ameaçam a nossa democracia, são descendentes diretos de um antipetismo e antiesquerdismo que foi cevado por anos, em grande parte pelos os que hoje pregam “união” contra os “polos radicais”, falsamente igualando uma força política profundamente democrática (PT e aliados) a um grupo político extremado que cultiva a admiração à ditadura e a torturadores.

Esse falseamento da história e do cenário político atual é tão prejudicial à democracia quanto o bolsonarismo.

A esta altura do campeonato, até os menores átomos do mundo mineral sabem perfeitamente que a candidatura Lula/ Alckmin é a única que reúne condições efetivas de derrotar as forças antidemocráticas aglutinadas no bolsonarismo. Contudo, tenta-se vender o sofisma de que Lula e Bolsonaro são polos antagônicos, faces diferentes, de um mesmo e violento “mal”. Enfim, ideias de uma leitura falseada e obtusa de Hannah Arendt.

A tentativa de forçar um segundo turno, embora muito provavelmente não deva modificar o resultado final do pleito (assim esperamos), dada à ampla rejeição atual de Bolsonaro, poderá propiciar as condições para uma aventura autoritária e deverá, no mínimo, consolidar o bolsonarismo como a grande e inconteste força de oposição ao futuro governo Lula. Dar-lhe-á grande ímpeto e o motivará.

Já uma derrota já no primeiro turno, além de afastar o perigo de uma tentativa de golpe, enfraqueceria Bolsonaro e abriria espaço para uma oposição democrática.

Porém, os “estrategistas” da “terceira via” e vastos setores da mídia conservadora e das oligarquias preferem não enxergar o óbvio. Como em 2018, dirão que se trata de uma “escolha difícil” e perderão a oportunidade de isolar e enfraquecer as forças violentas que tanto fragilizam a democracia brasileira. Com isso, voltarão a perder espaço político. Se converterão, provavelmente, em forças auxiliares do bolsonarismo.

Não bastará ganhar as eleições. Para enterrar o ódio, o autoritarismo e a violência, um futuro governo Lula precisará governar com uma oposição comprometida efetivamente com a democracia. Com uma forte hegemonia política do bolsonarismo como força de oposição, tal quadro será improvável.

Saliente-se que Bolsonaro prometeu, novamente, “extirpar” o PT e a esquerda da vida política Brasil. Enganam-se, porém, aqueles que acham que essa ameaça é restrita à esquerda. Ela se estende, na realidade, a todos aqueles que divirjam do “Mito”, como se viu recentemente.

A situação do Brasil é muito difícil e delicada. Não conseguimos sequer comemorar o Bicentenário da Independência, sequestrado por Bolsonaro.

Resta ver se conseguiremos, nos próximos anos, comemorar e viver a democracia em paz.

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