segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A metamorfose do Brasil

Fontes: The Gadfly Economist

Por Alejandro Marco del Pont
https://rebelion.org/

Quem nunca abandonou o povo, o povo nunca o abandona (Lula da Silva)

O semanário britânico The Economist resume o Brasil em três capas diferentes sobre variações do Cristo Redentor. A primeira, publicada em 2009, mostra a estátua de Cristo transformada em foguete, lançando-se aos céus, sob o título “O Brasil decola”, na segunda, de 2013, a estátua do foguete está em pirueta, fora de controle, e a revista se pergunta: o Brasil estragou tudo? Por fim, na terceira capa, que surgiu em junho de 2021 e é a que selecionamos para o artigo, uma estátua imóvel, possivelmente em coma, com máscara ligada a um tanque de oxigênio, em referência direta à gestão desastrosa do país, da pandemia de COVID-19, dá um diagnóstico inequívoco: "A década fatal do Brasil" como bem descreve o artigo A volta de Lula a um Brasil de joelhos.

Lula realizou o sonho do progressismo e da direita capitalista: austeridade, crescimento econômico, aumento dos gastos sociais, investimento público, pagamento das dívidas do país com o Fundo Monetário Internacional, os juros mais altos do mundo, para celebrar o sistema financeiro, acumulação de reservas internacionais. Com um sistema neoextrativista, dado o boom das matérias-primas, conseguiu distribuir parte dos lucros. A exploração da Petrobras permitiu a descoberta de enormes jazidas de petróleo em águas profundas, fonte de energia e futuro de financiamento para o Brasil, motivo do golpe de Estado subsequente.

Enquanto os benefícios se expandiam, o investimento social aumentava com um programa de renome mundial, o Programa Bolsa Família . Transferências monetárias condicionadas à vacinação, escolaridade etc., cujo objetivo era apoiar famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, bem como ampliar o acesso à educação e aos serviços de saúde, que tiraram 40 milhões de brasileiros da extrema pobreza.

O aumento do salário mínimo pelo governo transformou dezenas de milhões em consumidores de classe média baixa, dinamizando o mercado interno e, consequentemente, atraindo investimentos internacionais, o “Brasil que decola” da primeira das capas do Economista . Uma política externa sedutora, talvez a mais inovadora com estratégia de autonomia pela diversificação, além de entrada nos BRICs .

Nenhuma reforma real das estruturas de poder do país foi promovida. O sistema tributário continuou regressivo, generoso com bilionários e empresas, egoísta com a classe média e os mais pobres, que pagam altos impostos diretos e indiretos. A reforma política ficou na gaveta do esquecimento, com sua infeliz consequência, o golpe de estado . Não foram tomadas medidas para reduzir a influência dos grandes grupos de mídia privada – liderados pela rede de televisão Red Globo – que detêm o monopólio virtual das audiências.

Vale destacar, por ser realmente desconhecida no mundo, as cotas raciais: a mudança no perfil e a utilização da marca para ingresso nas universidades federais por meio da criação do ProUni (Programa Universidade para Todos ), o acesso de jovens negros ao ensino superior, proporcionando às pessoas com esse perfil a oportunidade de ingressar em universidades públicas e privadas. Essa ideia, quase inimaginável para os negros no século 21, marca a sociedade brasileira, apenas 5,5% dos jovens desse grupo racial, com idade entre 18 e 24 anos, estavam na faculdade em 2005.

Como apontou Barack Obama, em 2009, Lula era o político mais popular do mundo . Em 2010, com popularidade acima de 80% e crescimento do PIB de 7,5%, o ex-metalúrgico conseguiu escolher a dedo sua sucessora, a economista Dilma Rousseff. Com o fim da onda de matérias-primas, começou a debacle, promovendo políticas econômicas neoliberais. Fim do consumo popular, investimento público, desaceleração econômica, manifestações, demanda por um Estado mais eficiente, capaz de oferecer aos seus cidadãos educação, saúde e transporte de qualidade. "Queremos serviços no nível da FIFA." Todos sabemos como terminou.

O que se poderia criticar no claro-escuro de Lula, que permitiu a uma classe política degradada, sem reforma, em cumplicidade com a mídia e a justiça, dar um golpe, empalidece diante da procissão de gorilas invisíveis como no experimento psicológico que ninguém vê ou detecta seu barbaridades, com o consentimento de um direito que prefere tudo menos o PT.

Graças aos governos do ex-presidente Michel Temer e do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil é o segundo pior país do mundo para aposentados, segundo a empresa norte-americana Natixis Investment Managers. Michel Temer, pai da Reforma Trabalhista de 2017, que encerrou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas, foi "aprimorado" pelo presidente Jair Bolsonaro, que encaminhou a proposta de reforma da Previdência em 2019. Os únicos Setores que se beneficiaram das duas reformas eram os setores empresarial, militar e financeiro.

Os desastres econômicos e a mutação de Bolsonaro, de militarista para centrista, são marcantes à medida que o Brasil mudava, de forma constante e persistente, tanto as ideias de uma terceira via eleitoral quanto a eliminação de vídeos e mentiras nas redes sociais que possibilitou a vitória de Bolsonaro e que, agora, correm para uma eleição perdida.

Primeiro, a ideia do “ni”, descontentamento com o ex-presidente Lula, principalmente devido aos escândalos de corrupção que levaram à sua prisão. E no caso de Bolsonaro, as principais críticas se referem ao confronto com a pandemia do COVID-19. O Brasil é o segundo com maior número de mortes causadas pela doença no mundo, com mais de 670 mil. A ideia de uma terceira via nunca pegou nem apareceu tal alternativa.

Segundo a matéria O “mito” Bolsonaro, a volta de Lula e as guerras virtuais no Brasil , da pesquisa Novelo Data, desde janeiro de 2022 já são mais de 10 mil vídeos carregados e depois apagados por medo de represálias judiciais ou econômicas. Entre janeiro de 2019 e agosto de 2021, onze canais pró-Bolsonaro no YouTube, que divulgam informações falsas sobre urnas eletrônicas, arrecadaram mais de 10 milhões de reais, segundo a Folha de São Paulo; Hoje há uma corrida dos bolsonaristas para esconder vídeos no YouTube .

Mas a decisão de Lula de nomear o conservador Geraldo Alckmin como seu candidato à vice-presidência constitui, segundo Breno Altman , uma estratégia que visa substituir o debate esquerda/direita pelo debate democracia/neofascismo, o mesmo que ocorre na Europa e, certamente acontecerá na Argentina, onde a dúvida está do lado da democracia. Embora eleitoralmente conveniente, a incerteza sobre a possibilidade de reverter as políticas neoliberais talvez seja o maior ponto de interrogação.

Uma das dificuldades em caracterizar o governo do presidente Jair Bolsonaro é que não há um projeto político claro para nortear as ações, tudo acontece na base do improviso, dada a necessidade de manutenção do poder. Em princípio, baseou-se essencialmente nas Forças Armadas, e formou um governo com grande número de soldados, ainda maior que o dos presidentes gerais da história. Esse modelo esquizofrênico não durou muito. A pandemia foi responsável por derrotar a hegemonia militar no governo.

O impacto da pandemia na economia, pela necessidade de distanciamento social e redução da atividade econômica, levou também ao fracasso do poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes, cujo projeto neoliberal foi para o espaço, com o país mergulhado em desemprego, inflação e fome. Veio então a metamorfose da transformação de um governo bonapartista em um governo reacionário, com viés populista. Bolsonaro entregou o controle político do governo e o orçamento do Sindicato Centrão.

Talvez o tema mais inovador para a corrupção no Brasil tenha sido o “orçamento secreto”, que surgiu com a Lei Orçamentária de 2020, para permitir o uso de bilhões do orçamento federal por deputados e senadores de forma discricionária em despesas como obras, compra de equipamentos, etc., com pouca transparência. O mensalão , que era um esquema de compra de votos para parlamentares, não tem muita diferença com o orçamento secreto, bastará saber se é julgado ou não.

O que Bolsonaro deixa? Pois bem, a Fundação Getulio Vargas realizou um estudo sobre Desigualdade e Bem-Estar durante a Pandemia no Brasil , que descreve a fotografia que Lula enfrentará se for vitorioso nas eleições.

Desigualdade: a pandemia soma mais três centésimos ao índice de Gini baseado no trabalho, levando-o para 0,674, no primeiro trimestre de 2021, recorde histórico desde 2012. Prosperidade: renda média atinge seu ponto mais alto da série em R$ 1.122, e em menos de um ano cai 11,3%, atingindo o ponto mais baixo da série histórica em R$ 995. Previdência social: a previdência trabalhista no 1T20 esteve em empate técnico com o início da série histórica em 2012, que ou seja, não houve progresso social líquido nesta década. No ano seguinte à pandemia, o bem-estar caiu 19,4%, novo mínimo da série. Os pobres perderam mais: a renda média individual do trabalho, incluindo trabalhadores informais e desempregados, caiu 10,89% entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021. A queda da renda da metade mais pobre foi de 20,81%, quase o dobro da média global.

Nas relações exteriores, procurar-se-á recuperar o prestígio e a liderança internacional do Brasil por meio da diplomacia, além de enfatizar a importância do fortalecimento dos laços com os vizinhos da América do Sul e do desenvolvimento conjunto e integrado da região. O Brasil adotou uma política universalista e de diversificação de parceiros, especialmente dos países do Sul Global, chamados pelo ex-chanceler Celso Amorim de uma política externa orgulhosa e ativa. A diplomacia serviu para aproximar-se das potências regionais, promover a construção de uma ordem multipolar e defender o multilateralismo, além de ser fonte de desenvolvimento econômico interno.

Enfatizar a América Latina, os países africanos e os BRICS, Unasul, Mercosul e CELAC, bem como enfatizar a importância da integração como forma de inserção internacional. Trabalhar pela construção de uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que considere as necessidades e interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes de comércio exterior, integração comercial e alianças internacionais , seria central para a América do Sul.

O Brasil de Lula deixou de existir, sua metamorfose sempre foi para pior. Devolvê-lo à normalidade não é tarefa fácil, ainda mais com a cisão entre o Ocidente e a Eurásia, equilíbrio que um dos mais importantes membros do BRIC terá que manter diante da loucura americana e do órfão sul-americano de iniciativas de desenvolvimento em oposição ao progressismo identidade pós-moderna.

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