As portas abertas do Palácio por quem deveria protegê-lo (Foto: Adriano Machado / Reuters, Exército Brasileiro)
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País pode, enfim, refundar a república, com a efetiva soberania, sem a tutela da monarquia ou dos generais, seus sucessores
Duas cenas no domingo mostram que os militares estavam comprometidos com a ação terrorista que visava ao golpe do Estado. Uma delas mostra o coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), sendo contido por PMs. ‘Está doido, está doido? Você está louco?”, grita um policial enquanto empurra o comandante do BGP, com as mãos em seus ombros. O coronel diz algumas palavras incompreensíveis. Mas dá para ouvi-lo afirmar: “O pessoal está descendo”. O policial grita: “Todos presos”. E repete: “Coronel, todos presos. Ninguém vai descer, não”. O coronel balança a cabeça afirmativamente.
A outra cena ocorre algumas horas depois, quando a tropa de choque da PM , já sob intervenção do governo federal, se dirige ao acampamento na área do quartel general do Exército, em Brasília. O objetivo é efetuar prisões em flagrante, já que os terroristas haviam fugido para lá. Blindados e uma barreira de militares do Exército impedem a entrada da tropa de choque. Era início da madrugada de segunda-feira. Pela manhã, o Exército permite a ação da Polícia, que tinha o respaldo do Supremo Tribunal Federal, através de decisão de Alexandre de Moraes.
Uma mulher levada de ônibus para a prisão resume assim o episódio: “Uma pena, uma pena. O Exército, que jurou que iria nos defender e que iria ficar do lado do povo, nos entregou aos lobos. Exército nunca mais.” A mulher, se participou da invasão das sedes dos três poderes, é uma criminosa e deve responder pelo seus atos, com base na lei antiterrorismo. Mas ela não deixa de ter razão quando manifestou que se sente traída.
Pelos fatos que estão sendo revelados, muitos deles em grupos bolsonaristas, é possível concluir que os brasileiros que ficaram concentrados perto de instalações militares foram massa de manobra. O objetivo — não declarado, mas agora evidente — sempre foi usá-los para impedir a posse de Lula ou derrubá-lo, como se tentou fazer no domingo. A presença dessa massa perto dos quartéis possibilitava a narrativa de que havia “clamor popular”.
A minuta do decreto de estado de defesa encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é mais uma peça do jogo pesado que colocou em risco a jovem democracia brasileira, em benefício dos militares e de seu principal ator político, Jair Bolsonaro. E por que não deu certo? Pelo que dizem líderes bolsonaristas, existia divisão no Exército.
O ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, tem sido atacado nos grupos bolsonaristas porque não teria concordado com a decretação do estado de defesa. Um dos primeiros a criticar o general foi Bismarck Fugazza, criador do canal Hipócritas e muito ligado a Bolsonaro. Ele fugiu do Brasil depois que Alexandre de Moraes decretou sua prisão.
Do exílio, comentou que Freire Gomes discordou de Bolsonaro quanto ao decreto. Não havia clareza ainda de que o que se tentou foi o estado de defesa — falava-se na invocação do artigo 142 da Constituição, que os golpistas dizem autorizar as Forças Armadas a atuarem como poder moderador.
Depois que a minuta do decreto foi encontrada, Bismarck voltou a dizer que Freire Gomes “deu para trás”, e disse que a reunião para discutir sua edição ocorreu no dia 16 ou 17 de dezembro. É precipitado assegurar que o general abortou a aventura golpista de Bolsonaro por princípio democrático. Por enquanto, o mais prudente é afirmar que ele pensou na própria carreira, o que não deixa de ser um ato de lucidez.
Freire Gomes teria dito a Bolsonaro que não trocaria 20 dias de glória, com a decretação de estado de emergência, por 20 anos anos de dor de cabeça. Está correto. O decreto de Bolsonaro teria vida curta, como a própria tentativa de golpe no domingo. E a razão é simples: o Brasil não quer, à exceção daqueles que foram usados como massa de manobra na frente dos quartéis.
Diferentemente de outros golpes, como em 1964 e 2016, não existe apoio de empresário ou banqueiro relevante, seus porta-vozes, entre os quais a imprensa corporativa, já disseram que não admitem nova ruptura democrática. Os políticos também não querem se colocar outra vez como vassalos dos militares, e isso inclui governadores. A comunidade internacional também rejeita golpe no Brasil.
E o STF, com esse respaldo, tem demonstrado uma coragem incomum para seus padrões históricos, graças, em grande parte, ao ministro Alexandre de Moraes.
O Brasil venceu os algozes da democracia, e daqui a alguns meses talvez se vejam os atos terroristas de domingo como a oportunidade histórica de superar seu maior mal: a tutela dos militares. Desde que deram um golpe e se sentaram na cadeira de Dom Pedro II, em 1889, eles acreditam ter herdado uma anomalia de então, o poder moderador.
Talvez estejamos diante da refundação da república, em que a soberania será sempre do povo, nunca dividida com o imperador ou os militares.
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