"Sendo a liderança natural da América do Sul, presença do Brasil no Brics será sempre um problema para os EUA, diz professor de Relações Internacionais
Sputnik - Em seu discurso de posse, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, falou em fortalecimento do BRICS e reconstrução de mecanismos de integração latino-americana. Para especialista ouvido pela Sputnik Brasil, o BRICS sempre vai ser um problema para os Estados Unidos e o Ocidente deve se mobilizar para tentar afastar o Brasil do grupo.
Ao comentar a reconstrução da inserção internacional do Brasil, Lula falou em seu discurso sobre a retomada de processos de integração regionais na América do Sul e na América Latina e destacou a importância de fortalecer o BRICS.
Já em seu primeiro mês de governo, Lula viajará à Argentina para participar da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e, na sequência, fará uma escala no Uruguai. Em uma de suas primeiras medidas, o novo governo retomou a participação do Brasil na CELAC, demonstrando que há uma real intenção na reconstrução dos mecanismos regionais.
"Nosso protagonismo [internacional] se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul [União de Nações Sul-Americanas] e demais instâncias de articulação soberana da região. Sobre esta base poderemos reconstruir o diálogo altivo e ativo com os Estados Unidos, a comunidade europeia, a China, os países do Oriente e outros atores globais, fortalecendo o BRICS, a cooperação com os países da África e rompendo o isolamento a que o país foi relegado", disse Lula em seu discurso de posse.
Para Pedro Costa Júnior, professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), a integração entre os países da América Latina não é vista com bons olhos pelos Estados Unidos, mas o principal "problema" para o Ocidente é a promessa de fortalecimento do BRICS.
"O grande inimigo externo dos EUA hoje é a China. E não só do governo Biden, essa é uma questão do Departamento de Estado, do Estado profundo, dos democratas e dos republicanos. Por isso o BRICS se torna um problema direto, mais do que a integração latino-americana, por conta da China — o grande inimigo — e da Rússia — por questões estratégicas e pela parceria firmada com a China. O desafio dos EUA hoje é o desafio chinês", afirma o especialista.
"O Brasil, sendo a liderança natural da América do Sul, estar no BRICS sempre vai ser um problema para os EUA. Os EUA sempre vão tentar dinamitar essa relação", apontou.
A contenção da China, segundo o professor, é a política número um de Estado dos EUA hoje. É uma questão do Estado profundo. Onde a China avança, os EUA entram para conter, derrubar. Tudo que os EUA puderem e não puderem fazer para conter o BRICS, eles vão fazer".
"Para os EUA, o BRICS é um problema central. É um problema de Estado. [...] A entrada da Rússia e da China no continente vai ser sempre combatida. A primeira coisa que os EUA olham hoje é para o BRICS, e por isso eles não podem deixar que o Brasil fique no BRICS."
Quanto à integração latino-americana, o professor destaca que a conjuntura de hoje é bem diferente da primeira onda que sacudiu a região. O cenário de polarização e crescimento da extrema-direita deixa os governos progressistas mais fragilizados e faz com que, para o analista, esse movimento de união não incomode tanto os EUA.
"A América Latina está rachada. Tem vitórias de esquerda, mas são vitórias apertadas. Além do Brasil, [foi assim] no Peru, no Chile e na Argentina. A polarização selvagem está pegando também por aqui. Para os EUA não interessa uma América Latina unida, mas o outro lado, da extrema-direita, também não. A extrema-direita está fora de controle, e isso se reflete em toda a América Latina. A integração sempre vai ser um problema, mas agora é um problema menor."
"Se não for Lula, Gabriel Boric [presidente do Chile], Alberto Fernández [presidente da Argentina], vai ser a extrema-direita no poder", completou.
Para Costa Júnior, o Brasil deve buscar a independência no cenário internacional, sem aderir a nenhum dos lados da disputa entre EUA e China, apesar de buscar o fortalecimento do BRICS. O especialista destaca que a conjuntura mundial de 2023 é muito distinta da de 2003.
"O cenário de hoje é muito diferente do de 2003. Em 2003 [o sistema-mundo] estava muito engessado. Tinha uma China que não tinha se mostrado para o mundo ainda e uma Rússia que estava sendo reconstruída pelo [presidente Vladimir] Putin. Em 2003 havia muito pouca flexibilidade no mundo. Hoje há um sistema que tem possibilidades. O Brasil deve saber pendular, não deve se voltar nem para um lado nem para o outro para buscar favorecer os interesses nacionais. Tem espaço para isso."
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