quarta-feira, 12 de abril de 2023

Bolsonarismo, violência e saúde mental no Brasil

Fontes: Rebelião/Socialismo e Democracia [Imagem: Bolsonaristas em Santa Catarina fazendo a saudação nazista após a derrota eleitoral de Bolsonaro. Créditos: RRSS, retirado de Socialismo e Democracia]


Neste artigo, o autor argumenta que Bolsonaro fortaleceu a ideia de que os conflitos podem ser resolvidos por meio da violência extrema, que por sua vez gerou um ambiente tóxico que deteriorou a saúde mental da população brasileira e a violência extrema nas ruas.

Nos últimos dias, a sociedade brasileira tem recebido com grande consternação as notícias sobre os diversos massacres e ataques ocorridos em escolas do país. Na última, um jovem de 25 anos agrediu com um machado meninos e meninas que frequentavam uma creche na cidade de Blumenau. Quatro deles morreram e outros cinco ficaram feridos pela ação insana desse indivíduo que, ao que se sabe, não tinha motivos claros para cometer esses assassinatos. Não foi um ataque premeditado contra um determinado grupo étnico, religioso ou político. Também não há referência ao fato de o agressor ter sofrido bullying anteriormente naquela escola ou de ser um ex-funcionário demitido por justa causa.

A pergunta mais frequente que especialistas e leigos se fazem nesse momento de perplexidade é que mecanismos tortuosos estão incubados na mente de uma pessoa que a leva a assassinar crianças inocentes em um jardim de infância ou quais são os efeitos propagandísticos que uma ação teria sobre isso tipo. Se você estava procurando algum tipo de publicidade com essa violência “monstruosa”, o executor não teve sucesso. A imprensa brasileira decidiu quase por unanimidade não dar mais cobertura ao assassino e aos eventuais motivos que ele teve para cometer esses crimes bárbaros.

A decisão da maioria dos meios de comunicação assenta em assumir as mais recentes recomendações de conceituados comunicadores, para quem divulgar e dar visibilidade aos autores destes massacres, às suas tácticas e bases ideológicas, pode servir de estímulo a novos ataques. Uma política de mídia responsável deve restringir ao máximo a informação sobre os ataques perpetrados, a fim de negar a notoriedade ou celebridade de seus autores, evitando assim que outros potenciais assassinos ou psicopatas se sintam estimulados -pelo chamado efeito de demonstração ou contágio- para imitar tais crimes e assim ganhar publicidade no futuro.

Infelizmente, os últimos assassinatos se somam a uma série de atos brutais que vêm ocorrendo em vários estados do país. No último mês já foram registados vários ataques com feridos e mortos, numa espiral que preocupa as autoridades, organizações de segurança cidadã e especialistas em saúde mental. De fato, o Brasil parece estar vivendo uma segunda pandemia entre seus habitantes. O impacto emocional que estes três anos de confinamento, as perdas familiares, a precariedade laboral e o medo significaram, provocaram um aumento exponencial do stress e do sofrimento psíquico por parte da população.

Segundo informações do Datasus, o número de episódios depressivos já previa crescimento na última década, mas esses casos cresceram rapidamente após a pandemia, com aumento das licenças médicas por transtornos ansiosos e depressivos, além do aumento alarmante do taxa de suicídio entre a população, especialmente entre os mais jovens e os mais velhos[1].

As causas dessa tragédia e a onda de crimes e agressões que assolam o país são certamente complexas e diversas, o que exigiria uma abordagem efetivamente transdisciplinar. No entanto, sem desconsiderar o caráter multidimensional do fenômeno, acreditamos que um eixo explicativo para tentar entender esses terríveis acontecimentos está ligado à onda de violência e ódio que se espalhou do governo anterior de extrema direita, que não apenas liberou e usou de armas de fogo, pois também se dedicou a criar um clima de confronto, preconceito e intolerância entre os brasileiros.

Pode-se também recuar na análise e buscar as raízes dessa violência exagerada em componentes da estrutura sociopolítica e cultural construída historicamente no país desde os tempos coloniais. Aqui se encontram as bases que permitem interpretar a emergência de um ódio latente, que teve oportunidade de se manifestar à luz do dia com a vitória eleitoral do projeto da extrema-direita.

Créditos: Nando Motta 2020

Reconhecendo esse cenário, podemos afirmar que o bolsonarismo aprofundou indiscutivelmente o surgimento do ódio e da intolerância entre uma parcela significativa da população brasileira, estimulando simultaneamente a aquisição de armas de todos os tipos para defesa pessoal, sob o falso slogan de que "um povo armado nunca ser escravizado". Pela mesma razão, desde a posse do anterior governo, os habitantes deste país tiveram todas as facilidades para obter armas de fogo. Esta situação preocupante é o que a atual administração está tentando desmantelar com muitas dificuldades e enfrentando as pressões das associações de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), bem como do forte lobby exercida pela própria indústria de armas, que tem muitos representantes e apoiadores no Congresso Nacional.

A rigor, o bolsonarismo conseguiu introduzir o ódio nas famílias, entre amigos e vizinhos, perverte todas as organizações e instituições por onde passou, espalhou o preconceito e o sectarismo na sociedade, liberou os impulsos mais nefastos e reacionários entre os cidadãos, abriu os esgotos das mais imaginário abjeto do povo brasileiro. Fez do desprezo à educação e do ódio à ciência sua bandeira por quatro anos, transformando políticas públicas em balcões de negócios para militares, pastores pentecostais, milicianos e diversos grupos criminosos. Ele reforçou a ideia de que os conflitos podem ser resolvidos com balas, golpes ou facões.

Em meio a esse ambiente tóxico e poluente, a saúde mental dos brasileiros começou a se deteriorar rapidamente, levando agora a essa série constante e chocante de episódios de violência e mortes sem motivo aparente.

Um estudo recente encomendado pelo Global Health Service Monitor e realizado pela empresa Ipsos, constatou que a preocupação dos brasileiros com a saúde mental quase triplicou nos últimos 4 anos. Em 2018, apenas 18% dos habitantes afirmaram que temas como depressão e ansiedade eram motivo de preocupação. No ano passado, esse número chegou a praticamente 50% dos entrevistados. Em parte, esse aumento pode ser atribuído aos efeitos da Covid-19 na população, embora uma porcentagem significativa dos participantes do estudo tenha atribuído seus sentimentos de angústia e depressão ao clima de ódio, polarização e violência política vivido durante o período de governo . do ex-capitão (2019-2022).

De fato, o corpo e a alma do Brasil estão comprometidos com esse ódio desenfreado que se apoderou das pessoas e se espalhou com capilaridade incomum por todos os cantos do país, afetando as relações interpessoais mesmo nos lugares mais remotos e pacíficos do território. Por isso, é urgente formular coletivamente políticas e programas de saúde mental para toda a população que apliquem tratamento consistente e disseminem campanhas permanentes de informação que permitam construir, no menor tempo possível, um ambiente de convivência saudável e plural que evite cidadãos tendo que enfrentar novamente as cenas diárias de horror insano que foram vividas nas últimas semanas.

nota do autor

[1] O número de mortes por esse motivo dobrou na última década, segundo estudos da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Segundo a mesma OPAS, o suicídio entre jovens e adolescentes entre 15 e 29 anos é a segunda causa de morte nessa faixa etária, superando inclusive as mortes causadas por acidentes de trânsito.

Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo y Democracia e autor do livro De Dilma a Bolsonaro: itinerário da tragédia sociopolítica brasileira (editorial RIL, 2021).

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