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Quanto mais tempo o Estado corporativo corrói os laços sociais que fornecem um senso de propósito e significado, mais inevitável se torna um Estado autoritário e um fascismo cristianizado.
A paralisia política apaga o que resta da nossa anémica democracia. É a paralisia de nada fazer enquanto os oligarcas no poder, aumentaram a sua riqueza em quase um terço desde o início da pandemia e em quase 90% na última década. Orquestram boicotes fiscais virtuais enquanto milhões de americanos entram em falência para pagar contas médicas, hipotecas, dívidas de cartão de crédito, dívidas estudantis, empréstimos para carros e contas crescentes de serviços públicos, exigidas por um sistema que privatizou quase todos os aspetos da vida nos Estados Unidos.
É a paralisia de não fazer nada para aumentar o salário mínimo, apesar da inflação, de cerca de 600 mil americanos sem-abrigo e 33,8 milhões de pessoas vivendo em famílias com insegurança alimentar, incluindo 9,3 milhões de crianças. É a paralisia de ignorar a crise climática, a maior ameaça existencial que enfrentamos, para expandir a extração de combustíveis fósseis [NT]. É a paralisia de despejar centenas de milhares de milhões de dólares na economia de guerra permanente em vez de reparar infraestruturas como estradas, caminhos de ferro, pontes, escolas, rede elétrica e de abastecimento de água em colapso do país.
É a paralisia de se recusar a instituir cuidados de saúde universais e regular as indústrias de seguros e farmacêuticas com fins lucrativos para consertar o pior sistema de saúde de qualquer nação altamente industrializada, em que a expectativa de vida está caindo e mais americanos morrem de causas evitáveis do que em nações industrializadas. Mais de 80% das mortes maternas só nos EUA são evitáveis, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
É a paralisia de não estar disposto a conter a violência policial, desmantelar o maior sistema prisional do mundo, acabar com a vigilância governamental sobre o público e reformar um sistema judicial disfuncional onde quase todos, a menos que possam pagar advogados caros, são coagidos a aceitar acordos onerosos de delação premiada.
É a paralisia de ficar passivamente ao lado do público, armado com arsenais de armas de assalto, massacrando-se uns aos outros por atravessarem para o seu quintal, utilizarem a sua garagem, tocarem a campainha, irritá-los no trabalho ou na escola, ou são tão alienados e amargurados por serem deixados para trás, que atiram contra grupos de pessoas inocentes em atos de autoimolação assassina.
Caçadores da democracia
As democracias não são mortas por bufões reacionários como o ex-presidente Donald Trump, que foi rotineiramente processado por não pagar trabalhadores e empreiteiros e cuja personalidade fictícia da televisão foi vendida a um eleitorado crédulo, ou por políticos superficiais como o presidente Joe Biden, cuja carreira política tem sido dedicada a servir doadores corporativos . Esses políticos fornecem um falso conforto individualizando as crises, como se remover uma figura pública ou censurar um grupo nos salvasse.
As democracias são mortas quando uma pequena cabala, no nosso caso corporativa, toma o controle da economia, da cultura e do sistema político e os distorce para servir exclusivamente os seus próprios interesses. As instituições que deveriam fornecer apoio ao público tornam-se paródias de si mesmas, atrofiam e morrem. Como explicar órgãos legislativos que só podem unir-se para aprovar programas de austeridade, cortes de impostos para a classe bilionária, orçamentos policiais e militares dilatados e reduzir gastos sociais? Como explicar tribunais que retiram aos trabalhadores e cidadãos os seus direitos mais básicos? De que outra forma explicar um sistema de educação pública em que os pobres são, na melhor das hipóteses, alfabetizados de forma básica e os ricos enviam seus filhos para escolas e universidades privadas com doações na casa dos milhares de milhões de dólares?
As democracias são mortas com falsas promessas e vulgaridades ocas. Biden disse como candidato que aumentaria o salário mínimo para 15 dólares [por hora] e distribuiria cheques de estímulo de 2 000 dólares. Ele disse que seu Plano de Empregos Americano criaria "milhões de bons empregos". Ele disse que fortaleceria a negociação coletiva e garantiria a pré-escola universal, licença familiar e médica remunerada universal e faculdades comunitárias gratuitas. Ele prometeu uma opção de financiamento público para a saúde. Ele prometeu não perfurar terras federais e promover uma "revolução da energia verde e justiça ambiental". Nada disto aconteceu.
Mas, a maioria das pessoas já descobriu o jogo. Por que não votar em Trump e em suas promessas grandiosas e fantasiosas? São menos reais do que as defendidas por Biden e pelos democratas? Por que homenagear um sistema político que é sobre traição? Por que não se separar do mundo racional que só trouxe miséria? Por que fidelizar velhas verdades que se tornaram banalidades hipócritas? Por que não rebentar tudo isto?
Como ressaltam as pesquisas dos professores Martin Gilens e Benjamin Page, nosso sistema político transformou o consentimento dos governados numa piada cruel: "O ponto central que emerge de nossa pesquisa é que as elites económicas e grupos organizados que representam interesses empresariais têm impactos independentes substanciais na política do governo dos EUA, enquanto grupos de interesse baseados na massa dos cidadãos comuns têm pouca ou nenhuma influência independente".
O sociólogo francês Emile Durkheim, no seu livro Sobre o suicídio, chamou o nosso estado de desesperança, desespero, anomia, definindo-o como "falta de governança". A falta de regra significa que as regras que regem uma sociedade e criam um senso de solidariedade orgânica não funcionam mais. Significa que as regras que nos são ensinadas – trabalho árduo e honestidade nos garantirão um lugar na sociedade; que vivemos numa meritocracia, somos livres, nossas opiniões e votos importam, nosso governo protege nossos interesses – são mentiras. É claro que, se você é pobre ou uma pessoa de cor, essas regras sempre foram um mito, mas a maioria do público americano já foi capaz de encontrar um lugar seguro na sociedade, que é o baluarte de qualquer democracia, como apontam inúmeros teóricos políticos que remontam a Aristóteles.
Dezenas de milhões de americanos, lançados à deriva pela desindustrialização, entendem que suas vidas não vão melhorar, nem a vida de seus filhos. A sociedade, como escreve Durkheim, já não está "suficientemente presente" para eles. Os deixados de lado só podem participar da sociedade, escreve, por meio da tristeza.
O único caminho que resta para se afirmar, quando todas as outras avenidas estão fechadas, é destruir. A destruição, alimentada por uma grotesca hiper-masculinidade, transmite uma pressa e prazer, juntamente com sentimentos de omnipotência, que é sexualizada e sádica. Tem uma atração mórbida. Essa ânsia de destruir, o que Sigmund Freud chamou de pulsão de morte, atinge todas as formas de vida, inclusive a nossa.
Estas patologias da morte, doenças do desespero, manifestam-se nas pragas que estão varrendo o país – dependência de opioides, obesidade mórbida, jogo, suicídio, sadismo sexual, grupos de ódio e tiroteios em massa. Meu livro, America: The Farewell Tour, é uma exploração dos demónios que dominam a psique americana.
Uma teia de laços sociais e políticos – amizades e laços familiares, rituais cívicos e religiosos, trabalho significativo que transmite um senso de lugar, dignidade e esperança no futuro – permite que as pessoas se envolvam num projeto maior do que o seu eu. Esses vínculos fornecem proteção psicológica contra a mortalidade iminente e o trauma da rejeição, isolamento e solidão. Somos animais sociais. Precisamos uns dos outros. Tirem esses laços e as sociedades descem ao fratricídio.
Forças predatórias
O capitalismo é contrário à criação e sustentação de laços sociais. Seus atributos centrais – relações transacionais e temporárias, priorizando o avanço pessoal por meio da manipulação e exploração dos outros e da insaciável ânsia pelo lucro – eliminam o espaço democrático. A obliteração de todas as restrições ao capitalismo, do trabalho organizado, da supervisão e regulação governamentais, deixou-nos à mercê de forças predatórias que, por natureza, exploram os seres humanos e o mundo natural até a exaustão ou colapso.
Trump, desprovido de empatia e incapaz de remorso, é a personificação da nossa sociedade doente. Ele é o que aqueles que foram lançados à deriva são ensinados pela cultura corporativa, é aquilo que eles devem esforçar-se por se tornar. Ele expressa, muitas vezes com vulgaridade, a raiva incómoda daqueles que ficaram para trás, é uma propaganda ambulante para o culto do eu. Trump não é um produto do roubo dos emails de Podesta, dos vazamentos do DNC ou de James Comey. Ele não é um produto do presidente russo, Vladimir Putin, ou de robôs russos. Ele é um produto, de aspirantes a doppelgängers (sósias robotizados) como Ron DeSantis, Tom Cotton e Margorie Taylor Greene, de anomia e decadência social.
Os indivíduos estão "envolvidos demais na vida da sociedade para que ela fique doente sem serem afetados", escreve Durkheim. "Seu sofrimento se torna o deles inevitavelmente".
Esses charlatães e demagogos, que rejeitam as restrições costumeiras do decoro político e cívico, ridicularizam as elites "educadas" que nos venderam. Não oferecem uma solução viável para as crises que assolam o país. Eles dinamitam a velha ordem social, que já está podre, e clamam por vingança contra inimigos reais e fantasmas como se esses atos ressuscitassem magicamente uma era de ouro mítica. Quanto mais essa idade perdida permanece indefinida, mais cruel ela se torna.
"Uma vez que a burguesia afirmava ser a guardiã das tradições ocidentais, confundindo todas as questões morais ao exibir publicamente virtudes que não só não possuía na vida privada e empresarial, mas na verdade desprezava, parecia revolucionário admitir a crueldade, o desrespeito aos valores humanos e a amoralidade geral, porque isso pelo menos destruía a duplicidade sobre a qual a sociedade existente parecia repousar".
Hannah Arendt escreve em As origens do totalitarismo acerca daqueles que abraçaram a retórica cheia de ódio do fascismo na República de Weimar. "Que tentação de ostentar atitudes extremas no crepúsculo hipócrita dos dois pesos e duas medidas morais, de usar publicamente a máscara da crueldade, fazendo desfilar a maldade num mundo de maldade!"
A sociedade norte-americana está profundamente doente. Os americanos devem curar essas doenças sociais, mitigar essa anomia, restaurar os laços sociais cortados e integrar os desprovidos de volta à sociedade. Se esses laços sociais permanecerem rompidos, isso garantirá um neofascismo assustador. Há forças muito sombrias circulando dentro dos EUA. Mais cedo do que muitos esperam, eles podem ter os americanos sob o seu controlo.
24/Abril/2023Nota do autor aos leitores: Agora não há mais como continuar a escrever uma coluna semanal para o ScheerPost e produzir o meu programa de televisão semanal sem a sua ajuda. Os muros estão a fechar-se, com rapidez surpreendente, sobre o jornalismo independente, com as elites, incluindo as do Partido Democrata, a clamarem por cada vez mais censura. Bob Scheer, que dirige o ScheerPost com um orçamento apertado, e eu, não renunciaremos ao nosso compromisso com o jornalismo independente e honesto, e nunca colocaremos o ScheerPost atrás de um paywall, nem cobraremos uma assinatura por isso, nem venderemos os seus dados ou aceitaremos publicidade. Por favor, se puder, inscreva-se no chrishedges.substack.com para que eu possa continuar a postar minha coluna de segunda-feira no ScheerPost e produzir meu programa de televisão semanal, "The Chris Hedges Report". Clique aqui para se inscrever nos alertas por email.[NT] Com toda a consideração por Chris Hedges, ele não é um cientista em climatologia. A tese das alterações climáticas de origem antropomórfica é no mínimo controversa e mais ainda a questão do "diabolismo" do CO2 (um gás não poluente e até indispensável à vida) ou dos combustíveis fósseis. Resistir.info tem, reiteradamente, alertado para tais questões. Ver por exemplo A impostura climática,
[*] Jornalista, Prêmio Pulitzer.
O original encontra-se em consortiumnews.com/2023/04/24/chris-hedges-the-united-states-of-paralysis/Este artigo encontra-se em resistir.info
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