terça-feira, 6 de junho de 2023

A abertura da economia e os contratos offset, por Luís Nassif



É preciso estratégia na abertura, onde os trunfos do hospedeiro são seu mercado interno e, no Brasil, os diferenciais da transição energética.

Luis Nassif
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jornalggn@gmail.com


É curiosa a maneira como economistas liberais tratam a questão da abertura da economia. Tratam-na como pré-condição essencial para a volta do crescimento. E tratam “abertura” como palavra mágica, como se fosse um conceito único. Quando a abertura é positiva? 

1. Quando permite ao empresário adquirir insumos de melhor qualidade e aprimorar a produção interna.

2. Quando é negativa? Quando o produto externo é mais competitivo e liquida com o concorrente interno.

Se simplesmente abrir a economia, o que ocorrerá? Evidentemente a destruição dos competidores brasileiros.

Por isso mesmo, toda abertura tem que ser parte de uma estratégia negociada, onde os trunfos do país hospedeiro são seu mercado interno e, no caso do Brasil, os diferenciais da transição energética.

Desde o início da abertura, nos anos 90, que sempre defendi o offset – a contrapartida que o país recebe quando faz grandes compras do exterior.

Lembro-me do início da Internet, quando o consumidor ensaiava a compra de pequenos produtos de fabricantes de outros países. Surgiam as primeiras grandes transportadoras internacionais, como a Fedex. Os Correios iam fechar um acordo com a Fedex para transportar encomendas para outros países.

Na época, a apreciação do Real produziu uma catástrofe nas exportações. Cheguei a montar um projeto, o Exporta Brasil, visando induzir pequenas empresas a exportarem. Mania minha, de supor que a imprensa poderia produzir políticas públicas através da indução.

Procurei o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga – que tinha substituído Sérgio Motta – e sugeri a ele que, nas negociações com a FedEx, incluísse como offset a base de clientes deles, em outros países, e os produtos que consumiam. Foi como se falasse javanês. Aliás, em minha longa carreira jornalística, nunca encontrei pessoa pública mais desinteressada da coisa pública que Pimenta da Veiga.

Mas o grande offset é a transferência de tecnologia. Insisti no tema na licitação FX (dos caças da FAB), em coluna do dia 4 de julho de 2022.

Independentemente de quem seja o vencedor, há que atentar para os seguintes pontos. Quem fiscaliza e absorve tecnologia é o comprador -no caso o governo brasileiro. Por mais que essa transferência vá beneficiar a indústria aeronáutica brasileira, é fundamental que se deixe claro o papel dos órgãos militares no processo de avaliação e absorção da tecnologia. Por isso mesmo, seria tranquilizador para o país se a Embraer e o CTA (Centro Tecnológico de Aeronáutica) superassem antigas divergências e explicitassem um acordo transparente de cooperação.

O segundo ponto é que a busca de contrapartidas deve se concentrar basicamente no campo tecnológico. Além do software e hardware envolvido no processo, essa licitação poderá se constituir em um marco de política industrial do país. Por que não negociar com o vencedor a promoção de iniciativas visando ampliar o escopo da colaboração tecnológica?

A licitação tem um significado de diplomacia comercial e tecnológica muito mais abrangente do que a mera venda de aviões. Poderá ser a ponte entre as comunidades tecnológicas dos países envolvidos. Os vencedores poderão ajudar a estabelecer parcerias entre empresas, institutos de pesquisa, universidades e até regiões.

Repeti em 17.12.2003, na coluna “A licitação da FAB e o offset”.

Nesse momento, os russos ofereceram contrapartidas comerciais de US$ 10 bilhões em produtos brasileiros a serem adquiridos. De seu lado, a anglo-sueca Gripen ofereceu investimentos das empresas dos respectivos países-sócios. Finalmente se está pensando na hipótese de a Embraer ser a fabricante do avião, independentemente de qual seja a companhia vitoriosa.

É importante não embaralhar muito as coisas. O ponto central da parte offset deve ser o da transferência de tecnologia. Não se podem sacrificar questões estratégicas para o país devido a necessidades de curto prazo da balança comercial. Além disso, há que se separar investimentos já planejados de concessões propriamente ditas.

A questão tecnológica é essencial, mesmo porque a tecnologia desenvolvida na área militar é indispensável para o avanço na área comercial.

Este deverá ser o ponto central na estratégia de abertura da economia, na era da transição energética. Repetir o programa pioneiro da Fiocruz, na criação e implementação do Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que trocou compra de medicamentos pelo SUS, por transferência tecnológica.

Não será necessário reinventar a roda. É o mesmo que JK fez com o Plano de Metas e a atração da indústria automobilística no país – condicionando a entrada à criação de uma indústria de autopeças brasileira. Ou o que a China fez, para se transformar na maior economia do mundo.

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