quinta-feira, 6 de julho de 2023

As alucinações de um golpe frustrado

Fontes: Rebelião/Socialismo e Democracia [Imagem: Mauro César Barbosa Cid na companhia do então presidente Jair Bolsonaro. Créditos: Alan Santos/PR]

Por Fernando de la Cuadra
https://rebelion.org/

Neste artigo, o autor analisa a tentativa de golpe promovida pela comitiva do ex-presidente Bolsonaro em um contexto de fascistização da sociedade brasileira que teria impedido o acesso ao governo do presidente Lula da Silva.

O fascismo é um vírus mutante. Ele nunca morreu. Nós nunca o matamos. E agora ele está de volta, transformado.

Andrea Camilleri

Com o passar dos dias, como em uma caixa de Pandora, mais e mais detalhes são conhecidos sobre a fracassada tentativa de golpe planejada pela comitiva mais próxima do ex-presidente Bolsonaro. Com as informações obtidas nos arquivos do celular apreendidos de seu ex-assistente da ordem, tenente-coronel Mauro Cid, os detalhes mais escabrosos e bizarros de uma conspiração em várias etapas que culminaria em 8 de janeiro com a instalação de um Conselho Militar visando restaurar "ordem e tranquilidade" em Brasília e nas principais cidades do país.

Com o sugestivo título de "As Forças Armadas como poder moderador", um desses documentos expõe os caminhos a seguir e as medidas que seriam tomadas pelos golpistas após a derrota de Bolsonaro nas urnas, com o objetivo de traçar uma folha de caminho que lhes permitisse implementar e consolidar sua investida contra o Estado Democrático de Direito e a Constituição.

Em alguns trechos das mensagens enviadas do celular de Mauro Cid, percebe-se que há um conjunto de instruções organizadas "passo a passo" para dar andamento à execução desse Golpe, entre as quais a recomendação de que Bolsonaro encaminhe a suposta inconstitucionalidade atos praticados pelo Judiciário contra os Comandantes das Forças Armadas, para que estes designassem um auditor investido de poderes absolutos.

Ou seja, conforme roteiro encontrado no celular, diante de fraude eleitoral e consequente mobilização popular contra o resultado da votação, as Forças Armadas interviriam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e demitiriam todos os seus integrantes , especialmente ao seu presidente, ministro Alexandre de Morais, ministra Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, para citar dois dos novos ministros indicados por Bolsonaro durante sua gestão.

Dessa forma, seriam convocados os ministros Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli (indicados em mandato anterior de Lula), para substituir os citados anteriormente. Em outra de suas recomendações, o documento afirma que “sendo reconhecida a ação em desacordo com a Constituição da Justiça Eleitoral, o controlador deverá fixar prazo para a realização de novas eleições, que serão coordenadas pelo TSE em sua nova composição”. Ou seja, no plano delirante traçado pelos conspiradores, os novos ministros dariam seu aval para anular as eleições e organizar o novo pleito eleitoral, impedindo assim que o candidato vencedor, Lula da Silva, assumisse a Presidência.

O golpe fracassado não se concretizou devido à incompetência de seus instigadores. No entanto, isso não oferece mitigação às responsabilidades de seus mentores e possíveis executores. Ou seja, independentemente da incapacidade e estupidez dos golpistas em levar a bom termo seus objetivos, é impressionante e também motivo de alerta que muitos dos envolvidos nesta grotesca trama correspondem a integrantes das Forças Armadas em plena atividade.

Desde a vitória de Lula no segundo turno, no final de outubro do ano passado, importantes círculos militares aguardam para consumar uma elaborada rebelião nas fileiras militares, somando-se às demandas forjadas por associações e partidos de extrema direita, produtores rurais e pecuaristas , madeireiros, ocupantes de terras indígenas ( grileiros ), mineradoras e grupos extrativistas ( garimpeiros ), pescadores ilegais, pastores pentecostais, organizações criminosas, clubes de caça e tiro, etc.

Las revelaciones que se han ido recopilando recientemente, confirman el hecho de que existían movimientos concretos por parte de muchos miembros de las Fuerzas Armadas tanto a nivel de Comando como entre los puestos medios para impedir que Lula asumiera la presidencia del país el 1 de enero de este ano. Existia uma coordenação entre oficiais encarregados de tropas em várias unidades do país que, por ordem do ex-presidente, mobilizariam imediatamente seus contingentes para intervir e ocupar as principais instalações governamentais e institucionais do país, a começar pelo quartel-general do Três Poderes em Brasília: Palácio do Planalto , Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.

Sabe-se, inclusive, pelas informações vazadas do celular de Mauro Cid, que o também tenente-coronel Marcelino Haddad teria enviado ao assessor de ordem de Bolsonaro três documentos que serviram para elaborar o plano que anularia as eleições, destituiria os ministros do TSE e decretaria acompanhar o Estado de Sítio em toda a Nação. Em resumo, as evidências da colaboração de militares da ativa e da reserva são cada vez mais contundentes e os agentes da Polícia Federal têm apontado que as provas coletadas até agora são apenas uma parte de todo o arsenal de informações que foi trocado entre os líderes golpistas.

Que faltou tão pouco para que essa escalada golpista se consumasse faz parte de uma especulação que pode se estender por muito tempo. Agora se sabe que o ex-capitão se recusou a dar a ordem de ativação do golpe de estado por desconfiar do apoio que teria do Alto Comando do Exército. O que não se sabe ao certo é a correlação de forças que existe atualmente dentro da estrutura de comando do Exército Brasileiro, pois as intrigas e lutas dentro das Forças Armadas são uma verdadeira “caixa preta” e é muito difícil, mesmo neste momento, determinar exatamente quantos oficiais estão no campo legalista e quantos oficiais fazem parte da ala golpista.

Por outro lado, como já é de conhecimento público, se esta primeira proposta de intervenção militar falhou, a ideia dos golpistas consistia em impedir posteriormente que o presidente Lula, já em exercício, continuasse com seu governo. Para isso, foram planejadas as mobilizações e invasões de 8 de janeiro, que instalariam uma situação de caos e ingovernabilidade que permitiria às Forças Armadas fazer uso do artigo 142 da Constituição que as autorizaria como "Poder Moderador" a intervir na o caso de uma situação de "desordem social" e risco para as instituições da República.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal pode determinar a inelegibilidade de Bolsonaro pelos próximos oito anos, por um entre muitos outros crimes cometidos durante sua gestão. Neste caso, a acusação que está a ser julgada é por questionar a transparência e legalidade do sufrágio eletrónico numa reunião oficial convocada pelo governante, perante dezenas de embaixadores e a comunidade internacional. Segundo o Ministério Público, na ocasião o ex-presidente teria cometido abuso de poder político, desvio de finalidade e uso indevido da mídia.

Embora essa condenação seja uma resposta esperada e desejável para todos os democratas brasileiros, os riscos de uma nova aventura golpista incentivada pela extrema direita e diversas organizações de inspiração fascista continuarão pairando como uma sombra sinistra sobre a sociedade. Por isso, é urgente redobrar esforços para punir efetivamente seus instigadores e acabar com esse vírus mutante que vem assolando o povo brasileiro e destruindo a convivência pacífica, pluralista e tolerante entre seus cidadãos.

Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo y Democracia e autor do livro De Dilma a Bolsonaro: itinerário da tragédia sociopolítica brasileira (editorial RIL, 2021).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12