quinta-feira, 3 de agosto de 2023

A economia brasileira e as teses para inglês ver, por Luís Nassif

O inglês - assim como o português ou qualquer outro idioma - aceita de tudo, de ciência verdadeira até discursos vazios e empolados.

Luis Nassifjornalggn@gmail.com
https://jornalggn.com.br/

Se uma das principais artes de Minas Gerais é dizer sem dizer, que o Ministro da Fazenda Fernando Haddad considere-se um mineiro honorário. Ontem, todos os jornais exaltaram o elogio que fez ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto:

— Eu tenho certeza que o presidente do BC votou com aquilo que ele conhece de economia, aquilo que ele domina de economia. É um voto técnico, calibrado, à luz de tudo que ele conhece da realidade do país.

Fantástico! É uma definição que cabe a qualquer ignorante. Ele não disse que Campos Neto “votou com aquilo que se conhece de economia”, mas apenas com “aquilo que ele conhece de economia”.

De qualquer forma, faz parte da estratégia de identificar os problemas e enfrentá-los com jeito, lenta e gradualmente até que o governo (espera-se) tenha condições políticas de avançar em teses mais ousadas.

A redução de meio ponto na Selic foi celebrada como uma vitória. Trata-se de um ritmo de queda que não resolve os problemas da economia nem os desafios para a recuperação do nível de atividade. Apenas é melhor que 0,25. Mesmo assim, mesmo com a deflação registrada no IPCA e no IGP-M, 4 dos 9 membros do Copom (Comitê de Política Monetária) votaram por uma redução de apenas 0,25.

Campos Neto garantiu o desempate, depois de submetido a uma enorme pressão, na qual estão envolvidos grandes bancos, seu guru André Esteves, do BTG, e todas as empresas da economia real.

A Selic tornou-se totalmente disfuncional para todos os setores. Os bancos não conseguem turbinar suas carteiras de crédito; o mercado não consegue lançar novas ações. Há um tsunami contratado, de grandes grupos prestes a solicitar recuperação judicial – um quase suicídio, com o atual nível dos juros.


O que sustenta a Selic são efetivamente os “cabeças de planilha”, aqueles que só conseguem enxergar a realidade econômica através das planilhas de metas inflacionárias.

Dia desses, o Twitter registrou uma daquelas discussões maçantes, sobre se as teses acadêmicas relevantes devem ou não ser escritas em inglês.

Na verdade, o grande problema do ensino de economia do país decorreu de uma orientação incorreta da Capes – o órgão que avalia os cursos de pós-graduação no país. Na discussão sobre os critérios de avaliação, decidiu-se tomar por base os critérios internacionais. Trata-se de uma medida ideal para as chamadas ciências duras – como física, química etc -, não para ciências humanas, como a economia.

Esse critério levou algumas boas faculdades – como a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – a substituir o estudo de saídas criativas para o país por uma ortodoxia das mais estéreis. Tudo isso para se enquadrar nos critérios da Capes.

A economia é controlada por instrumentos de política econômica – como as políticas monetária, fiscal e cambial. Só que há diferenças essenciais entre os organismos econômicos nacionais. Como aplicar a mesma regra a uma economia, como a americana, na qual as taxas de juros dificilmente tem dois dígitos, com a brasileira, na qual o crédito a uma empresa média não sai por menos de 40% ao ano – e as taxas de financiamento a pessoas físicas podem chegar a mil por cento?


Como aplicar a mesma regra monetária a países com regimes cambiais tão diversos – alguns com moedas conversíveis, outros dependendo de reservas cambiais? Ou com estruturas empresariais tão diversas, alguns exportadores, outros dependendo de importações. Tudo isso sem contar a psicologia dos empresários e trabalhadores, a maneira como reagem a estímulos monetários e fiscais.

Por tudo isso, o economista que tenta repetir, por aqui, as mesmas planilhas e teorias importadas, e saem a saracotear juros neutros (aquele nível que não mexe na inflação), PIB potencial e outras fórmulas estatísticas de economias avançadas, chuta, partindo do pressuposto que jamais será cobrado por seus erros.

Só o realismo fantástico latino-americano é capaz de explicar esse minueto, de uma teoria importada, sem adaptação ao organismo econômico brasileiro, tornando-se uma ciência com vida própria. O mercado inteiro saca de suas planilhas, não para acertar a projeção de inflação ou de câmbio, mas para acertar o erro do Banco Central.

Desenvolve-se uma falsa ciência, em cima de primados com pouca ou nenhuma aderência com a realidade nacional. E o sujeito ainda sai comemorando por aí o fato de escrever sua tese em inglês.

O inglês – assim como o português ou qualquer outro idioma – aceita de tudo, de ciência verdadeira até discursos vazios e empolados.

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