sábado, 16 de dezembro de 2023

Comunista


(Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Não se imagina que o gado bolsonarista venha um dia compreender as dicotomias remanescentes da Guerra Fria. Seu forte é guerra civil.

Paulo Henrique Arantes
www.brasil247.com/

A principal característica dos desprovidos de inteligência é a carência de senso de humor. Quem não entendeu a brincadeira de Lula ao referir-se a Flávio Dino como “comunista” certamente passa batido em piadas no dia a dia, nunca ri de si mesmo, leva metáforas ao pé da letra. Claro, no caso em tela há os que compreenderam o chiste do presidente, mas tentam descontextualizá-lo para tirar algum proveito.

Afora os burros, os mal-intencionados também estão na imprensa. Uma pesquisa de Real Time Big Data, disseminada pelo udenista Estadão, informa que 55% dos eleitores desaprovam Dino no STF e, desses, 64% admitem como motivo da rejeição seu “passado comunista”.

O fato de o comunismo não existir já há bastante tempo – exceto na Coreia do Norte, talvez – não pesou na pesquisa. Flávio Dino integrou os quadros do PCdoB, o Partido Comunista do Brasil, cuja denominação guarda certo romantismo. Espirituoso, Dino se disse, em 2015, “comunista, graças a Deus”, num primor de paradoxo com alto potencial de intrigar a direita descerebrada. Não há que se perder tempo a explicar o comunismo puro.

As décadas em que o mundo dividiu-se entre capitalistas e comunistas – a Guerra Fria – deixou raízes culturais profundas. De certa forma, essa divisão persiste, a despeito de ninguém mais desejar o Estado como único detentor dos meios de produção. Entre os lúcidos, também ninguém quer o Estado ausente da economia, a privatização de tudo e de todos.

Mas a velha e inevitável dicotomia esquerda x direita, cuja descrição moderna encontra sua melhor forma em Norberto Bobbio, sobrevive. Com a primeira estão aqueles que consideram a igualdade e a justiça social os nortes de uma sociedade ideal; com a segunda, fica a turma da meritocracia, para quem o brilho individual levará cada um à felicidade, desde que o Estado não atrapalhe, pouco importando se no lado de fora do seu condomínio amontoem-se multidões de famélicos.

Assim escreveu Bobbio, em “Direita e Esquerda: “(...) o status de uma desigualdade natural ou de uma desigualdade social derivada do nascimento em uma família e não em outra, em uma região do mundo e não em outra, é diferente do status de uma desigualdade que depende de capacidades diversas, da diversidade dos fins a serem alcançados, da diferença de empenho empreendido para alcançá-los”. Desigualdade social – a inimiga histórica dos “comunistas” – não pode ser confundida com diferenças individuais, é o que diz Bobbio.

Não se imagina que o gado bolsonarista venha um dia compreender as dicotomias remanescentes da Guerra Fria. Seu forte é guerra civil.

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