sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

A lição sobre lucro na aula do professor Beto Sicupira

Carlos Alberto Sicupira (Foto: Divulgação/Expert/XP | Reuters/Ueslei Marcelino)

"O temido dono da Americanas defendia resultados como bem coletivo do capitalismo, enquanto sua empresa fraudava balanços", escreve o colunista Moisés Mendes


A fraude contábil na Americanas volta a ser assunto por causa da exposição de novas desavenças entre os ex-CEOS Miguel Gutierrez e Sergio Rial e o controlador Carlos Alberto Sicupira.

As manipulações de balanço descobertas no ano passado lançaram dúvidas sobre o histórico da empresa, e não só sobre os últimos resultados fraudados.

Auditores têm repetido que ninguém sabe se a Americanas dava lucro. Ninguém? Nem Beto Sicupira, o mais impositivo, mais competitivo e mais temido dos três controladores?

Se não sabia que a Americanas vivia de prejuízos, Beto Sicupira deveria refazer uma palestra que fez na Serra gaúcha, há mais de 10 anos, para poder corrigir conselhos e pedir desculpas.

Sicupira disse na palestra a uma turma de executivos de um grande grupo do Sul que uma empresa deve perseguir lucros. O resto acontece ao natural. Resultados fazem bem aos acionistas, aos empregados, ao país e aos mais pobres.

Por que aos pobres? Porque Sicupira havia sido convidado a falar, na convenção da empresa sulina, sobre os compromissos sociais das empresas. Os balanços sociais estavam na moda.

Até o final dos anos 90, grandes grupos gaúchos mantinham uma relação histórica com pessoas e instituições engajadas a projetos sociais, principalmente na área da educação.

E Sicupira, a celebridade do encontro, o cara a ser imitado, chutou os paus das barracas, as barracas e quem estava dentro das barracas.

Não era nada disso. Executivos não tinham que se envolver com demandas que eram da responsabilidade das políticas públicas, no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Executivos precisavam trabalhar para os acionistas, sem devaneios e dispersões.

Que as pessoas se virassem como pudessem, pondo à prova as virtudes da meritocracia, e que os governos se encarregassem de ajudar os que ficavam para trás. Essa não seria uma tarefa do capitalismo.

As empresas, proclamou Sicupira, cumprem função social tendo bons resultados, e não com envolvimento complementar a projetos sociais. O lucro produzia benefícios coletivos. Que esquecessem atividades fora da missão de uma empresa.

Foi uma frustração geral. Os ouvintes achavam que Sicupira poderia reproduzir na palestra as ideias consagradas por Paulo Lemann, seu sócio militante de projetos sociais, dedicado à formação de lideranças liberais e a pretensas inovações na educação.

A convenção foi um fracasso. Seria um evento inspirador do que iriam fazer no ano, mas todos voltaram de ressaca para casa. O resumo do recado de Beto Sicupira era este: é o lucro, estúpido.

Executivos que se dedicavam com afinco e sinceridade a ações cidadãs, por mais controversas que possam ser, haviam ouvido um sujeito que sabotava o que eles faziam.

Foi como se hoje um grupo envolvido com saúde pública e vacinação convidasse Bolsonaro para uma palestra. Sicupira esculhambou com o evento.

Mas, apesar do clima criado, não havia como contestá-lo como capitalista de exceção, um empresário modelo, multiplicador de lucros e impulsionador de negócios nas mais variadas áreas.

Os que o ouviram naquele evento ficaram sabendo no ano passado que Sicupira desfrutava de dividendos que a sua rede de varejo não produzia. A maior lição da sua palestra, a aula sobre lucros, era uma farsa.

A Americanas produzia lucros imaginários para ele, Paulo Lemann e Marcel Telles. Uma carrocinha de algodão doce da pracinha de Barbacena gerava mais lucros do que a Americanas de Beto Sicupira.

A Americanas produzia prejuízos e fraudes que cada um dimensiona hoje como quer, em R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões, porque os números do rombo são como os ponteiros de um relógio descontrolado.

O duelo de ressentimentos entre o CEO que saiu, Miguel Gutierrez, e o CEO que entrou e também saiu logo depois, Sergio Rial, mexe só com a superfície do que estava escondido.

Beto Sicupira sabia ou ficou sabendo que o que Gutierrez fez não envolvia lucros, mas mentiras para que os controladores ficassem ainda mais bilionários e não saíssem da vitrine de exemplos de fazedores de dinheiro.

Os capitalistas anticomunistas e antilulistas da Americanas desmoralizaram o lucro. Gutierrez fingia que produzia resultados para Sicupira, e Sicupira fingia que acreditava em Gutierrez.

Sicupira era beneficiado pela visão particular de ação social de um CEO que fabricava lucros apenas contábeis para agradar o patrão.

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