Deus, um delírio
Tradução Fernanda Ravagnani
COMPANHIA DAS LETRAS
4. Por que quase com certeza Deus não existe
Os padres de várias seitas religiosas [...] temem o avanço da ciência como as bruxas temem a chegada da luz do sol, e franzem o cenho para o arauto fatal anunciando as subdivisões dos ludíbrios que defendem.
Thomas Jefferson
O BOEING 747 DEFINITIVO
O argumento da improbabilidade é o grande argumento. Em sua
forma tradicional, o argumento do design é certamente o mais popular da
atualidade a favor da existência de Deus e é encarado, por um número
incrivelmente grande de teístas, como completa e absolutamente
convincente. Ele é realmente um argumento fortíssimo e desconfio que
irrespondível — mas exata-mente na direção contrária da intenção dos
teístas. O argumento da improbabilidade, empregado de forma adequada,
chega perto de provar que Deus não existe. O nome que dei à demonstração
estatística de que Deus quase com certeza não existe é a tática do Boeing 747
Definitivo.
O nome vem da interessante imagem do Boeing 747 e do ferro-velho,
de Fred Hoyle. Não estou certo de que Hoyle a tenha colocado no papel, mas
ela foi atribuída a ele por sua colega Chandra Wickramasinghe e presume-se
que seja autêntica.58 Hoyle disse que a probabilidade de a vida ter surgido na
Terra não é maior que a chance de um furacão, ao passar por um ferro-velho,
ter a sorte de construir um Boeing 747. Outras pessoas tomaram a metáfora
emprestada para se referir à evolução dos seres mais complexos, onde ela tem
uma plausibilidade espúria. A chance de se montar um cavalo, um besouro ou
um avestruz plenamente funcionais misturando aleatoriamente suas partes
pertence ao mesmo terreno do 747. Esse, em termos muito resumidos, é o argumento favorito dos criacionistas — um argumento que só poderia ter sido
pensado por uma pessoa que não entende o essencial da seleção natural:
alguém que acha que a seleção natural é uma teoria do acaso, quando — no
sentido relevante de acaso — se trata do contrário.
A apropriação equivocada do argumento da improbabilidade pelos
criacionistas sempre assume o mesmo formato básico, e não faz nenhuma
diferença se o criacionista prefere disfarçá-lo na vestimenta politicamente mais
atraente de "design inteligente".* Algum fenómeno — com frequência uma
criatura viva ou um de seus órgãos mais complexos, mas pode ser qualquer
coisa desde uma molécula até o próprio universo — é corretamente enaltecido
como estatisticamente improvável. Às vezes é usada a terminologia da teoria da
informação: o darwiniano é desafiado a explicar a fonte de toda a informação
da matéria viva, no sentido técnico de conteúdo de informação como medida
de improbabi-lidade ou "valor surpresa". Ou o argumento pode invocar o lema
banal dos economistas: não existe almoço grátis — e o darwinis-mo é acusado
de tentar tirar alguma coisa do nada. Na realidade, como mostrarei neste
capítulo, a seleção natural darwiniana é a única solução conhecida para o
enigma insolúvel sobre a origem da informação. É a Hipótese de que Deus
Existe que tenta tirar alguma coisa do nada. Deus tenta comer seu almoço
grátis e também ser o almoço. Por mais estatisticamente improvável que for a
entidade que se queira explicar através da invocação de um designer, o próprio
designer tem de ser no mínimo tão improvável quanto ela. Deus é o Boeing 747
Definitivo.
O argumento da improbabilidade afirma que coisas complexas não
podem ter surgido por acaso. Mas muitas pessoas definem "surgir por acaso"
como sinônimo de "surgir na ausência de um design deliberado". Não
surpreende, portanto, que elas achem que a improbabilidade seja uma
evidência do design. A seleção natural darwiniana mostra quanto isso está
errado a respeito da improbabilidade biológica. E, embora o darwinismo possa
* O design inteligente já foi descrito, com bastante deselegância, como o criacionismo num smoking
vagabundo.
não ser diretamente relevante para o mundo inanimado — a cosmologia, por exemplo —, ele nos conscientiza a pensar sobre áreas externas ao território original da biologia.
O entendimento profundo do darwinismo nos ensina a desconfiar da afirmação fácil de que o design é a única alternativa para o acaso, e nos ensina a buscar rampas gradativas de uma complexidade que aumente lentamente. Antes de Darwin, filósofos como Hume compreenderam que a improbabilidade da vida não significa que ela necessariamente tenha sido projetada, mas não conseguiram imaginar qual seria a alternativa. Depois de Darwin, todos nós deveríamos desconfiar, no fundo dos ossos, da simples idéia do design. A ilusão do design é uma armadilha que já nos pegou no passado, e Darwin devia nos ter imunizado, conscientizando-nos. Quem dera ele tivesse sido bem-sucedido com todos nós.
A SELEÇÃO NATURAL COMO CONSCIENTIZADORA
Numa nave espacial da ficção científica, os astronautas estavam
nostálgicos: "Só imagine que lá na Terra é primavera!". Você pode não enxergar
imediatamente o que há de errado, tão impregnado é o chauvinismo
inconsciente do hemisfério norte naqueles que moram lá, e até em algumas
pessoas que não moram. "Inconsciente" é precisamente correto. E aí que entra
a conscientização. Há um motivo mais profundo que apenas um artifício
engraçadinho para o fato de que na Austrália e na Nova Zelândia é possível
comprar mapas do mundo com o pólo Sul no alto. Que conscientizadores
esplêndidos seriam esses mapas, pendurados nas paredes de nossas salas de
aula do hemisfério norte! A cada dia, as crianças seriam lembradas de que o
"norte" é uma polaridade arbitrária que não detém o monopólio do "alto". O
mapa as intrigaria e as conscientizaria. Elas iriam para casa e contariam para os
pais — e, aliás, entregar às crianças algo com que elas possam surpreender os
pais é um dos maiores presentes que um professor pode dar.
Foram as feministas que me conscientizaram para o poder da
conscientização. O termo "herstory" é obviamente ridículo, no mínimo porque
o his de "history" não tem nenhuma ligação etimológica com o pronome masculino his ["dele" — N. T.]. É tão etimologicamente bobo quanto a
deposição, em 1999, de uma autoridade de Washington, cujo emprego da
palavra niggardly ["de forma mesquinha" — N. T.] foi considerado ofensa
racial. Mas até mesmo exemplos idiotas como "niggardly" e "herstory"
conseguiram promover a conscientização. Quando passa nosso calafrio
filológico e paramos de dar risada, "herstory" nos mostra a história a partir de
um ponto de vista diferente. Os pronomes de gênero estão notoriamente na
linha de frente desse tipo de conscientização. Ele ou ela deve perguntar a si
mesmo ou a si mesma se o senso de estilo dele ou dela vai um dia permitir
que ele ou ela escrevam desse jeito. Mas, se conseguirmos deixar de lado a
infelicidade imposta à língua, isso nos conscientiza para os sentimentos de
metade da raça humana. Homem, humanidade [mankind], os Direitos do
Homem, todos os homens foram criados iguais, um homem, um voto — o inglês
parece excluir as mulheres com frequência demais.* Quando jovem, nunca me
ocorreu que as mulheres pudessem se sentir desprezadas por um termo
como "o futuro do homem". Nas décadas que se seguiram, todos nós fomos
conscientizados. Mesmo aqueles que ainda usam "homem" em vez de "ser
humano" o fazem com um ar de desculpa consciente — ou de truculência, em
defesa da linguagem tradicional, até de forma deliberada para irritar as
feministas. Todos os participantes do Zeitgeist foram conscientizados, até
aqueles que preferiram responder negativamente firmando posição e
redobrando a ofensa.
O feminismo mostra-nos o poder da conscientização, e quero tomar a
técnica emprestada para a seleção natural. A seleção natural não só explica a
vida toda; ela também nos conscientiza para o poder que a ciência tem para
explicar como a complexidade organizada pode surgir de princípios simplórios,
sem nenhuma orientação deliberada. A plena compreensão da seleção natural
incentiva-nos a avançar corajosamente por outras áreas.
* O latim e o grego clássicos eram mais bem equipados. Homo, do latim (an-thropo - em grego),
significa humano, enquanto vir (andro-) significa homem e femina (gyne-) significa mulher. Assim a
antropologia pertence a toda a humanidade, enquanto a andrologia e a ginecologia são ramos da
medicina sexualmente excludentes.
Ela suscita nossa desconfiança, nessas outras áreas, na espécie de
alternativas falsas que um dia, no tempo pré-darwiniano, iludiu a biologia. Quem,
antes de Darwin, poderia ter imaginado que algo tão aparentemente projetado
quanto a asa de uma libélula ou o olho de uma águia é na verdade o resultado de
uma longa sequência de causas não aleatórias, mas puramente naturais?
O relato emocionante e engraçado de Douglas Adams sobre sua
conversão ao ateísmo radical — ele insistiu no "radical" para que ninguém o
confundisse com um agnóstico — é um testemunho do poder de conscientização
do darwinismo. Espero ser perdoado pela auto-indulgência que vai ficar evidente
na citação a seguir. Minha desculpa é que a conversão de Douglas por meus
livros anteriores — que não saíram para converter ninguém — inspirou-me a
dedicar à sua memória este livro — que saiu, sim, para converter! Numa
entrevista, reimpressa postumamente em The salmon ofdoubt [O salmão da
dúvida], um jornalista perguntou-lhe como ele virou ateu. Ele começou a resposta explicando como virara agnóstico, e continuou:
E pensei, pensei, pensei. Mas simplesmente não tinha com o que continuar, então não cheguei a uma resolução. Tinha dúvidas enormes quanto à ideia de um deus, mas não sabia o bastante sobre nada para ter um bom modelo de qualquer outra explicação, para, bem, a vida, o universo, e tudo o mais que pudesse colocar em seu lugar. Mas insisti, e continuei lendo e continuei pensando. Em algum ponto por volta dos trinta e poucos anos, tropecei na biologia evolutiva, especialmente na forma dos livros O gene egoísta e depois O relojoeiro cego, de Richard Dawkins, e de repente (acho que na segunda leitura de O gene egoísta) tudo se encaixou. Era um conceito de uma simplicidade impressionante, mas ele fez surgir, naturalmente, toda a infinita e desconcertante complexidade da vida. O maravilhamento que ele me inspirou fez o maravilhamento da experiência religiosa, de que as pessoas tanto falam, parecer francamente tolo. Não hesitaria um segundo em trocar o maravilhamento da ignorância pelo maravilhamento da compreensão.59
O conceito de impressionante simplicidade de que ele estava falando não
tinha, é claro, nada a ver comigo. Era a teoria da evolução pela seleção natural de
Darwin — a conscientizadora definitiva. Que saudade, Douglas. Você é meu
convertido mais inteligente, mais engraçado, mais cabeça aberta, mais sagaz,
mais alto e talvez o único. Minha esperança é que este livro seja do tipo capaz
de fazer você rir — embora não tanto quanto você me fez.
O filósofo Daniel Dennett, dono de sabedoria científica, afirmou que a
evolução contraria uma das nossas idéias mais antigas: "a ideia de que é
necessária uma coisa superinteligente para fazer uma coisa menor. Chamaria
isso de teoria gota a gota da criação. Você nunca vai ver uma lança fazendo um
fabricador de lança. Nunca verá uma ferradura fazendo um ferreiro. Nunca
verá um vaso fazendo um ceramista".60 A descoberta, por Darwin, de um processo
viável que faz uma coisa tão contrária à nossa intuição é o que torna sua
contribuição ao pensamento humano tão revolucionária, e tão armada com o
poder de conscientizar.
É surpreendente quão necessário é esse tipo de conscientização, mesmo na mente de cientistas excelentes em outras áreas que não a biologia. Fred Hoyle foi um físico e cosmólogo brilhante, mas sua compreensão equivocada na teoria do Boeing 747 e outros erros biológicos como sua tentativa de chamar de farsa o fóssil Archaeopteryx sugere que ele precisava ter sido conscientizado por uma boa dose de exposição ao mundo da seleção natural. No nível intelectual, suponho que ele compreendesse a seleção natural. Mas talvez seja necessário ser impregnado de seleção natural, imerso nela, nadar nela, para que se possa realmente apreciar seu poder.
Outros cientistas nos conscientizam de formas diferentes. A própria
ciência da astronomia de Fred Hoyle nos coloca em nosso devido lugar,
metafórica e literalmente falando, encolhendo nossa vaidade para que ela
caiba no minúsculo palco onde representamos nossa vida — nosso pedacinho
de detrito de explosão cósmica. A geologia nos faz lembrar da brevidade de
nossa existência, tanto como indivíduos quanto como espécie. Ela conscientizou
John Ruskin e provocou seu memorável clamor em 1851: "Se pelo menos os
geólogos me deixassem em paz, eu ficaria muito bem, mas aqueles terríveis
martelos! Ouço o martelar deles ao fim de cada cadência dos versos da Bíblia".
A evolução faz a mesma coisa com nosso senso temporal — coisa nada
surpreendente, já que ela funciona com base na escala temporal geológica. Mas
a evolução darwiniana, especificamente a seleção natural, faz mais que isso. Ela
destrói a ilusão do design dentro do domínio da biologia, e nos incita a
desconfiar de qualquer hipótese de design também na física e na cosmologia.
Acho que o físico Leo-nard Susskind tinha isso em mente quando escreveu:
"Não sou historiador, mas vou me arriscar a dar uma opinião: a cosmologia
moderna começou de verdade com Darwin e Wallace. Como ninguém antes,
eles deram explicações para nossa existência que rejeitaram completamente os
agentes sobrenaturais [...] Darwin e Wallace estabeleceram um padrão não
apenas para as ciências da vida, mas também para a cosmologia".61 Outros
cientistas da área da física que estão bem longe de precisar de tal conscientização são Victor Stenger, cujo livro Hás science found God? [A ciência encontrou
Deus?] (a resposta é não) recomendo vivamente,* e Peter Atkins, cujo Creation
revisited é minha obra favorita de poesia científica em prosa.
Fico permanentemente espantado com aqueles teístas que, longe de ser
conscientizados do modo como proponho, parecem louvar a seleção natural
como "a maneira como Deus realizou a criação". Eles dizem que a evolução pela
seleção natural seria um modo facílimo e divertido de obter um mundo cheio
de vida. Deus não precisaria nem fazer nada! Peter Atkins, no livro que acabei
de mencionar, leva essa linha de pensamento a uma conclusão sensatamente
ateia quando postula um Deus hipoteticamente preguiçoso que tenta fazer o
menos possível para criar um universo que contenha a vida. O Deus
preguiçoso de Atkins é ainda mais preguiçoso que o Deus deísta do Iluminismo
do século xvio: deus otiosus — literalmente Deus ocioso, desocupado,
desempregado, supérfluo, inútil. Passo a passo, Atkins consegue reduzir a
quantidade de trabalho que o Deus preguiçoso tem de fazer, até que ele
finalmente fica sem nada: ele pode nem se dar ao trabalho de existir. Minha
memória chega a ouvir o resmungo sagaz de Woody Allen: "Se descobrirmos
que Deus existe, não acho que ele seja mau. Mas a pior coisa que se pode dizer
dele é que, basicamente, ele é um desperdício de potencial".
* Veja também seu livro God, the failed hypothesis: How science shows that God does not exist [Deus,
a hipótese falsa: como a ciência mostra que Deus não existe], de 2007.
COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL
É impossível exagerar a magnitude do problema que Darwin e Wallace
solucionaram. Eu poderia mencionar a anatomia, a estrutura celular, a
bioquímica e o comportamento de literalmente todo organismo vivo como
exemplo. Mas os feitos mais impressionantes de evidente design são aqueles
escolhidos a dedo — por motivos óbvios — pelos autores criacionistas, e é
com uma ironia sutil que extraio meu exemplo de um livro criacionista. Life —
How did it get here? [Vida: como chegou aqui], sem autor definido, mas
publicado pela Watchtower Bible and Tract Society* em dezesseis idiomas e
com 11 milhões de exemplares, é obviamente um dos grandes favoritos, porque
nada menos que seis dos 11 milhões de exemplares me foram enviados na
forma de presentes não solicitados por simpatizantes do mundo inteiro.
Abrindo uma página aleatória dessa obra anónima e tão difundida,
encontramos a esponja conhecida como cesto-de-vê-nus (Euplectella),
acompanhada por uma citação de ninguém menos que sir David Attenborough:
"Quando se observa um esqueleto complexo de uma esponja como o feito de
espículas de sílica conhecido como cesto-de-vênus, a imaginação fica desnorteada. Como podem células microscópicas quase independentes colaborar
entre si para secretar 1 milhão de agulhas de vidro e construir uma estrutura
tão bela e intricada? Não sabemos". Os autores da Torre da Vigia não
perderam tempo e acrescentaram: "Mas de uma coisa nós sabemos: o acaso
não deve ter sido o autor". Não mesmo, o acaso não deve ter sido o autor. Isso
é algo com que todos concordamos. A improbabilidade estatística de
fenômenos como o esqueleto da Euplectella é o problema central que qualquer
teoria da vida tem de solucionar. Quanto maior a improbabilidade estatística,
menos plausível é o acaso como solução: é isso que improvável significa. Mas as
soluções-candidatas para o enigma da improbabilidade não são, como se
implica erroneamente, o design e o acaso. Elas são o design e a seleção natural.
* Sociedade da Torre da Vigia, das Testemunhas de Jeová. A tradução do livro citado não consta da
lista de publicações disponíveis no Brasil. (N. T.)
O acaso não é uma solução, considerando os níveis elevadíssimos de
improbabilidade que encontramos nos organismos vivos, e nenhum biólogo são
jamais sugeriu que ele fosse. O design também não é uma solução real, como
veremos mais tarde; mas por enquanto quero continuar demonstrando o
problema que qualquer teoria da vida tem de solucionar: o problema de como
escapar do acaso.
Virando a página da publicação da Torre da Vigia, encontramos a
maravilhosa planta conhecida como angélico (Aristolochia trilobata), com todas
aquelas partes que parecem ter sido elegantemente projetadas para capturar
insetos, cobri-los de pólen e enviá-los para outro angélico. A intricada elegância
da flor faz a Torre da Vigia perguntar: "Tudo isso aconteceu por acaso? Ou
aconteceu pelo design inteligente?". Outra vez, é claro que não aconteceu por
acaso. Outra vez, o design inteligente não é a alternativa adequada para o
acaso. A seleção natural não é apenas uma solução parcimoniosa, plausível e
elegante; é a única alternativa viável ao acaso a ter sido sugerida. O design
inteligente padece exatamente das mesmas objeções que o acaso. Simplesmente não é uma solução plausível para o enigma da improba-bilidade
estatística. E, quanto maior a improbabilidade, mais im-plausível fica o design
inteligente. Para o observador atento, o design inteligente revela-se uma
duplicação do problema. Mais uma vez, isso acontece porque o/a próprio/a
designer já suscita imediatamente o problema maior de sua própria origem.
Qualquer entidade capaz de projetar de forma inteligente uma coisa tão
improvável quanto o angélico (ou o universo) teria de ser ainda mais improvável
que um angélico. Longe de pôr fim à regressão viciosa, Deus a exacerba
furiosamente.
Vire outra página da Torre da Vigia para um relato eloquente sobre a
sequoia-gigante (Sequoiadendron giganteum), uma árvore pela qual tenho uma
afeição especial porque tenho uma em meu quintal — um mero bebezinho,
com pouco mais de um século, mas ainda assim a árvore mais alta da vizinhança.
"Um homem diminuto de pé na base da sequoia só pode olhar para cima num
silencioso assombro com sua grandiosidade. Faz sentido acreditar que a
definição da forma desse gigante majestoso e da minúscula semente que acontém não tenha ocorrido pelo design?" Ainda outra vez, se você acha que a
única alternativa ao design é o acaso, então não, não faz sentido. Mas novamente
os autores omitem qualquer menção à alternativa real, a seleção natural, seja
porque genuinamente não a entendem ou porque não querem entendê-la.
O processo através do qual as plantas, seja primulazinhas minúsculas ou
sequoias gigantescas, obtêm energia para crescer é a fotossíntese. De novo a Torre
da Vigia: '"Existem cerca de setenta reações químicas diferentes envolvidas na
fotossíntese', disse um biólogo. 'É um fato realmente milagroso.' As plantas verdes
já foram chamadas de as 'fábricas' da natureza — belas, silenciosas, não
poluentes, produzindo oxigénio, reciclando a água e alimentando o mundo. Elas
simplesmente apareceram por acaso? Pode-se acreditar mesmo nisso?". Não, não se
pode; mas a repetição de um exemplo atrás do outro não nos leva a lugar nenhum. A "lógica" criacionista é sempre a mesma. O design é a única alternativa que
os autores conseguem imaginar para o acaso. Portanto um projetista deve ser o
autor. E a resposta da ciência para essa lógica defeituosa também é sempre a
mesma. O design não é a única alternativa ao acaso. A seleção natural é uma alternativa melhor. Na verdade, o design não é nem mesmo uma alternativa de
verdade, porque suscita um problema maior do que o que solucionou: quem
projetou o projetista? Tanto o acaso como o design fracassam como soluções para
o problema da improbabilidade estatística, porque um deles é o problema, e o
outro retorna a ele. A seleção natural é a solução verdadeira. É a única solução
viável já sugerida. E não é apenas uma solução viável, é uma solução de incrível
poder e elegância.
O que é que faz a seleção natural ser bem-sucedida como solução para o
problema da improbabilidade, para o qual o acaso e o design fracassam já de saída?
A resposta é que a seleção natural é um processo cumulativo, que divide o
problema da improbabilidade em partículas pequenas. Cada uma das
partículas é ligeiramente improvável, mas não definitivamente. Quando
grandes números desses fatos ligeiramente improváveis são reunidos em série,
o resultado final do acúmulo é mesmo improbabilíssimo, improvável o
bastante para estar muito além do alcance do acaso. São esses produtos finais
que dão forma aos objetos do argumento cansativamente reciclado pelos criacionistas. O criacionista não enxerga o cerne da questão, porque ele (pelo
menos uma vez, as mulheres não deviam se importar por serem excluídas pelo
pronome) insiste em tratar a gênese da improbabilidade estatística como um
evento único e isolado. Ele não entende o poder do acúmulo.
Em A escalada do monte Improvável, manifestei essa questão na forma de
uma parábola. Um lado da montanha é um despenhadeiro, impossível de
escalar, mas o outro lado é uma encosta de subida amena até o topo. No topo
está um dispositivo complexo, como um olho ou um flagelo bacteriano. A idéia
absurda de que tamanha complexidade possa se montar sozinha, espontaneamente, é simbolizada por um pulo só, do pé do penhasco até o cume. A
evolução, pelo contrário, vai por trás da montanha e pega a subida amena até
o topo: fácil! O princípio da comparação entre escalar a encosta amena e pular
pelo lado do precipício é tão simples que ficamos tentados a nos espantarmos
com o fato de ter demorado tanto para um Darwin aparecer e descobri-lo.
Quando ele fez isso, quase dois séculos haviam se passado desde o annus
mirabilis de Newton, embora sua realização pareça, pensando bem, ter sido mais
difícil que a de Darwin.
Outra metáfora popular para a improbabilidade extrema é o segredo
de um cofre de banco. Teoricamente, um ladrão de banco pode ter sorte e
conseguir acertar a combinação dos números por acaso. Na prática, o segredo
do cofre é projetado com um tanto de improbabilidade suficiente para aproximar
essa hipótese do impossível — quase tão improvável quanto o Boeing 747 de Fred
Hoyle. Mas imagine uma tranca de segredo mal projetada, que fosse dando
pequenas dicas de forma progressiva — o equivalente ao "está quente" da
brincadeira das crianças. Imagine que, quando cada um dos discos se aproximasse
da posição correta, a porta do cofre abrisse um pouquinho, e deixasse sair um
pouco de dinheiro. O ladrão ia pegar a bolada rapidinho.
Os criacionistas que tentam usar o argumento da improbabilidade a seu
favor sempre assumem que a adaptação biológica é uma questão de tudo —
acertar na loteria — ou nada. Outro nome para essa falácia é "complexidade
irredutível". O olho vê ou não vê. A asa voa ou não voa. Assume-se que não existem
intermediários úteis. Mas isso está simplesmente errado. Intermediários assim abundam na prática — exatamente o que deveríamos esperar na teoria. O
segredo do cofre da vida é um mecanismo de "está quente, está frio". A vida real
busca as encostas de subida amena por trás do monte Improvável, enquanto os
criacionistas enxergam apenas o assustador precipício da frente.
Darwin dedicou um capítulo inteiro de A origem das espécies às "Objeções
apresentadas contra a teoria da descendência com modificações", e é razoável
dizer que esse curto capítulo previu e descartou cada uma das supostas objeções
propostas desde então até os dias atuais. As objeções mais formidáveis são os
"órgãos de extrema perfeição e complexidade" de Darwin, que às vezes são
erroneamente descritos como "de complexidade irredutível". Darwin destacou
o olho como um problema especialmente desafiador: "Supor que o olho, com
todos os seus inimitáveis artifícios para ajustar o foco a várias distâncias, para
admitir várias quantidades de luz e para corrigir aberrações esféricas e cromáticas,
tenha sido formado pela seleção natural parece, confesso abertamente, o grau
mais elevado de absurdo". Os criacionistas citam essa frase alegremente, sem
parar. Nem é necessário dizer que eles nunca citam sua sequência. A confissão
exageradamente aberta de Darwin revela-se um artifício de retórica. Ele estava
atraindo seus oponentes para que o golpe, quando viesse, os atingisse em cheio.
O golpe, é claro, é a explicação simples de Darwin sobre como de fato o olho
evoluiu gradativamente. Darwin pode não ter usado o termo "complexidade
irredutível", ou a "gradação suave para subir o monte Improvável", mas de certo
compreendia o princípio de ambos.
"Para que serve meio olho?" e "Para que serve meia asa?" são exemplos do
argumento da "complexidade irredutível". Diz-se que uma unidade é
irredutivelmente complexa se a remoção de uma de suas partes provocar a
interrupção do funcionamento do todo. Assumiu-se que se trata de uma
verdade óbvia tanto para olhos quanto para asas. Mas, assim que pensamos um
pouco nessas suposições, enxergamos imediatamente a falácia. Um paciente de
catarata que tenha tido o cristalino removido cirurgicamente não consegue ver
imagens claras sem óculos, mas vê o suficiente para não trombar com uma
árvore ou cair num precipício. Meia asa de fato não é tão eficiente quanto uma
asa inteira, mas certamente é melhor que asa nenhuma. Meia asa pode salvar sua vida amenizando a queda de cima de uma árvore de determinada altura. E
51% de uma asa pode salvá-lo se você cair de uma árvore um pouquinho mais
alta. Seja qual for a fração de asa que você tiver, há uma queda da qual ela o
salvaria, e uma asa menor não salvaria. O experimento mental das árvores de
diferentes alturas, da qual alguém pode cair, é apenas um modo de enxergar,
na teoria, que é preciso haver uma gradação suave de vantagem desde o 1%
de asa até o 100%. As florestas estão cheias de animais que planam ou fazem
pára-quedismo, ilustrando, na prática, cada passo da subida daquele lado do
monte Improvável.
Por analogia com as árvores de diferentes alturas, é fácil imaginar
situações em que metade de um olho salvaria a vida de um animal, e 49% de
um olho não salvaria. Os múltiplos gradientes são proporcionados por variações
nas condições de iluminação, variações na distância da qual se consegue avistar
sua presa — ou seus predadores. E, assim como as asas e as superfícies de voo,
intermediários plausíveis não são só fáceis de imaginar: eles abundam em todo o
reino animal. Um platelminto tem um olho que, por qualquer medida racional, é
menos de metade de um olho humano. O Nautilus (e talvez seus primos extintos,
os amonites, que dominaram os mares no Paleozoico e no Mesozoico) tem um olho
que é intermediário em qualidade entre o do platelminto e o do ser humano.
Diferentemente do olho do platelminto, que é capaz de detectar luz e sombra, mas
não vê imagens, o olho de "câmera escura" do Nautilus cria uma imagem real;
mas é uma imagem borrada e indistinta se comparada com a nossa. Seria de uma
precisão espúria dar números aos avanços, mas ninguém pode negar
conscientemente que esses olhos de invertebrados, e muitos outros, são bem
melhores do que não ter olho nenhum, e todos estão numa subida amena e contínua no monte Improvável, como nossos olhos perto de um pico — não o pico
mais elevado, mas um pico elevado. Em A escalada do monte Improvável, dediquei
um capítulo inteiro ao olho e outro à asa, demonstrando como foi fácil para eles
evoluir através de gradações lentas (ou até, talvez, não tão lentas assim), e vou
encerrar o assunto aqui.
Vimos portanto que olhos e asas certamente não são irredutivelmente
complexos; mas mais interessantes que esses exemplos específicos é a lição genérica que podemos tirar deles. O fato de que tanta gente esteja tão
redondamente enganada a respeito desses casos tão óbvios devia servir para nos
alertar para outros exemplos menos óbvios, como as teses celulares e
bioquímicas que vêm sendo defendidas por criacionistas que se abrigam sob o
eufemismo político de "teóricos do design inteligente".
É uma história que deve servir de exemplo, e ela nos diz o seguinte: não
declare que as coisas são irredutivelmente complexas; é bem provável que
você não tenha observado os detalhes com o cuidado necessário, ou pensado
com o cuidado necessário sobre eles. Por outro lado, nós, do lado da ciência,
não devemos ser confiantes e dogmáticos demais. Talvez haja alguma coisa na
natureza que realmente objete, por uma complexidade irredutível genuína, o
gradiente ameno do monte Improvável. Os criacionistas têm razão em dizer
que, se a complexidade irredutível puder ser adequadamente demonstrada,
isso arruinará a teoria de Darwin. O próprio Darwin disse isso: "Se fosse
demonstrado que qualquer órgão complexo existisse e que ele não pudesse ter
sido formado por numerosas, sucessivas e pequenas modificações, minha teoria
absolutamente ruiria. Mas não consigo encontrar nenhum caso assim". Darwin
não conseguiu encontrar nenhum caso assim, nem ninguém desde os tempos
de Darwin, apesar dos esforços extenuantes, desesperados mesmo. Muitos
candidatos a esse santo graal do criacionismo já foram sugeridos. Nenhum resistiu à análise.
De qualquer maneira, embora a complexidade irredutível arruinasse a
teoria de Darwin se um dia fosse encontrada, por que ela não arruinaria
também a teoria do design inteligente? Na verdade, ela já arruinou a teoria do
design inteligente, pois, como continuo repetindo e repetirei de novo,
embora saibamos pouquíssimo sobre Deus, a única coisa de que podemos ter
certeza é que ele teria de ser complexíssimo, e de complexidade supostamente
irredutível!
A ADORAÇÃO DAS LACUNAS
Procurar exemplos específicos de complexidade irredutível é um
procedimento fundamentalmente acientífico: um caso especial de argumentação a partir da ignorância atual. É um apelo à mesma lógica defeituosa
da estratégia do "Deus das Lacunas", condenada pelo teólogo Dietrich
Bonhoeffer. Os criacionistas procuram avidamente uma lacuna no conhecimento
ou na compreensão atuais. Se uma aparente lacuna é encontrada, assume-se que
Deus, por padrão, deve preenchê-la. O que preocupa teólogos conscientes como
Bonhoeffer é que as lacunas diminuem conforme a ciência avança, e Deus fica
ameaçado de acabar sem nada para fazer, e sem ter onde se esconder. O que
preocupa os cientistas é outra coisa. É uma parte essencial do empreendimento
científico admitir a ignorância, até mesmo exultar na ignorância, já que ela é um
desafio para conquistas futuras. Como escreveu meu amigo Matt Ridley, "a maioria
dos cientistas fica entediada com o que já descobriu. É a ignorância que os
impele". Os místicos exultam com o mistério e querem que ele continue
misterioso. Os cientistas exultam com o mistério por um motivo diferente: ele
lhes dá o que fazer. Em termos mais gerais, como repetirei no capítulo 8, um dos
efeitos verdadeiramente negativos da religião é que ela nos ensina que é uma
virtude satisfazer-se com o não-entendimento.
Admissões de ignorância e a mistificação temporária são vitais para a boa
ciência. É portanto infeliz, para dizer o mínimo, o fato de a principal estratégia dos
propagandistas da criação ser a tática negativa de procurar lacunas no
conhecimento científico e querer preenchê-las automaticamente com o "design
inteligente". O exemplo a seguir é hipotético, mas totalmente típico. Um
criacionista diz: "A articulação do cotovelo do sapo-doninha malhado é
irredutivelmente complexa. Nenhuma parte dele servia para nada enquanto o
conjunto não estivesse montado. Aposto que você não consegue pensar num
modo de o cotovelo do sapo-doninha ter evoluído por gradações lentas". Se o
cientista não der uma resposta imediata e compreensível, o criacionista tira a
conclusão default: "Então, a teoria alternativa, o 'design inteligente', ganha por
eliminação". Repare na lógica tendenciosa: se a teoria A falha em algum
particular, a teoria B tem de estar certa. Não é preciso nem dizer que o
argumento não funciona no sentido inverso. Somos estimulados a pular para a
teoria-padrão sem nem mesmo prestar atenção para ver se ela não falha
exatamente no mesmo ponto que a teoria que ela substitui. O design inteligente ganha um passe livre incondicional, uma imunidade encantada às
exigências rigorosas feitas à evolução.
Mas o ponto que defendo agora é que a trama criacionista questiona
o regozijo natural do cientista — necessário mesmo — com a incerteza
(temporária). Por motivos puramente políticos, o cientista de hoje em dia
pode hesitar antes de dizer: "Hum, interessante essa tese. Fico imaginando
como aconteceu realmente a evolução da articulação do cotovelo nos ancestrais
do sapo-doninha. Não sou especialista em sapos-doninha, terei de ir até a
biblioteca da universidade para dar uma olhada. Talvez dê um projeto
interessante para um aluno de pós-graduação". No minuto em que um
cientista disser alguma coisa parecida com isso — e muito antes que o aluno
comece a trabalhar no projeto —, a conclusão-padrão virara manchete de um
panfleto criacionista: "Sapo-doninha só pode ter sido projetado por Deus".
Existe, portanto, uma ligação infeliz entre a necessidade metodológica da
ciência de buscar áreas de ignorância para definir seus alvos de pesquisas e a
necessidade do design inteligente de buscar áreas de ignorância para reivindicar
a vitória por eliminação. É exatamente o fato de o design inteligente não
dispor de provas de si mesmo, mas florescer nas lacunas deixadas pelo conhecimento científico, que cria o desconforto na necessidade da ciência de
identificar e declarar as mesmíssimas lacunas como prelúdio para pesquisá-las.
Nesse aspecto, a ciência alia-se a teólogos sofisticados como Bonhoeffer,
unidos contra os inimigos da teologia ingênua e populista e da teologia das
lacunas, do design inteligente.
O caso de amor dos criacionistas com as "lacunas" dos registros fósseis
simboliza toda a teologia das lacunas. Uma vez abri um capítulo sobre a
chamada explosão cambriana com a frase: "É como se os fósseis tivessem
sido plantados lá sem nenhum histórico evolutivo". Mais uma vez, tratava-se
de uma abertura retórica, com a intenção de estimular o apetite do leitor
para a explicação completa que vinha em seguida. Retrospectivamente,
constato com tristeza como era previsível que minha explicação paciente seria
removida e minha abertura seria alegremente citada fora de contexto. Os
criacionistas adoram as "lacunas" dos registros fósseis, do mesmo modo como adoram lacunas em geral.
Muitas transições evolutivas estão elegantemente documentadas por
séries mais ou menos contínuas de fósseis intermediários com alterações
gradativas. Algumas não estão, e são essas as famosas "lacunas". Michael
Shermer apontou com perspicácia que, se uma nova descoberta de fóssil
aparece para ocupar o meio de uma "lacuna", os criacionistas declaram que agora
há o dobro de lacunas! De qualquer maneira, perceba de novo o uso do automatismo. Se não há fósseis para documentar uma transição evolutiva
postulada, a conclusão automática é que não há transição evolutiva, portanto
Deus tem de ter intervindo.
É totalmente ilógico exigir documentação completa de cada passo de
qualquer narrativa, seja na evolução, seja em qualquer outra ciência. Ê como
exigir, antes de condenar alguém por assassinato, um registro cinematográfico
completo de cada passo do assassino até o crime, sem nenhum quadro
faltando. Só uma fração minúscula dos corpos fossiliza-se, e temos sorte de ter
tantos fósseis intermediários. Seria bastante provável não termos fóssil
nenhum, e ainda assim as evidências da evolução provenientes de outras
fontes, como a genética molecular e a distribuição geográfica, seriam
incrivelmente contundentes. Por outro lado, a evolução professa que, se um
único fóssil aparecesse no estrato geológico errado, a teoria cairia por terra.
Quando desafiado por um popperiano zeloso a dizer como a evolução poderia
ser desmentida, J. B. S. Haldane retrucou: "Fósseis de coelho no Pré-cambriano".
Nenhum fóssil anacrônico como esse jamais foi encontrado, apesar das lendas
desacreditadas de criacionistas sobre crânios humanos do Carbonífero e
pegadas humanas entremeadas com as de dinossauros.
As lacunas, pelo padrão da cabeça dos criacionistas, são preenchidas
por Deus. A mesma coisa se aplica a todos os precipícios aparentes do maciço
do monte Improvável, onde a subida gradual não está imediatamente óbvia
ou então é ignorada. As áreas onde há escassez de dados, ou de
entendimento, são automaticamente atribuídas a Deus. O recurso apressado à
declaração dramática da "complexidade irredutível" demonstra um fracasso
imaginativo. Algum órgão biológico, quando não um olho, o flagelo bacteriano ou uma via bioquímica, é decretado, sem mais, irredutivelmente complexo.
Nenhuma tentativa se faz para demonstrar a complexidade irredutível. Apesar
das explicações sobre o olho, a asa e muitas outras coisas, cada novo candidato
ao duvidoso título é considerado de uma complexidade irredutível
transparente e óbvia, e seu status é declarado por decreto. Mas pense nisso.
Como a complexidade irredutível está sendo usada como argumento para o
design, ela não devia ser afirmada por decreto, como é o próprio design. É
como simplesmente afirmar que o sapo-doninha (besouro-bombardeiro etc.)
demonstra o design, sem nenhum outro argumento ou justificativa. Não é
assim que se faz ciência.
A lógica revela-se tão convincente quanto a seguinte afirmação: "Eu
[insira o nome] não consigo, pessoalmente, pensar em nenhuma maneira pela
qual [insira o fenômeno biológico] possa ter sido construído passo a passo.
Portanto ele é irredutivelmente complexo. Isso significa que ele foi
projetado". Basta dizer isso para ver que o argumento é vulnerável à
possibilidade de algum cientista aparecer e encontrar um intermediário; ou pelo
menos imaginar um intermediário plausível. Mesmo que nenhum cientista dê
uma explicação, é simplesmente uma lógica de má qualidade assumir que o
"design" se sairia melhor. O raciocínio que sustenta a teoria do "design
inteligente" é preguiçoso e derrotista — o clássico raciocínio do "Deus das
Lacunas". Já o apelidei, no passado, de Argumento da Incredulidade Pessoal.
Imagine que você esteja assistindo a um truque de mágica excelente. O
celebrado duo de ilusionistas Penn e Teller tem um número em que eles
parecem atirar um no outro, com pistolas, simultaneamente, e cada um deles
parece ter pegado a bala com os dentes. São tomadas precauções elaboradas
para fazer marcas de identificação nas balas antes de elas serem colocadas nas
armas, o procedimento inteiro é testemunhado de perto pelo público,
experiente em armas de fogo, e aparentemente todas as possibilidades de
truque são eliminadas. A bala marcada de Teller acaba aparecendo na boca de
Penn, e a bala marcada de Penn acaba aparecendo na de Teller. Eu [Richard
Dawkins] não consigo absolutamente pensar em nenhuma maneira pela qual
isso possa ser um truque. O Argumento da Incredulidade Pessoal berra das profundezas dos meus centros cerebrais pré-científicos e quase me compele a
dizer: "Tem de ser um milagre. Não há explicação científica. Tem de ser
sobrenatural". Mas a vozinha da educação científica diz outra coisa. Penn e
Teller são ilusionistas famosos no mundo todo. Há uma explicação totalmente
cabível. Mas sou ingênuo demais, ou pouco observador e pouco criativo demais
para pensar nela. Essa é a resposta normal para um truque. Também é a
resposta certa para um fenômeno biológico que pareça ser irredutivelmente
complexo. As pessoas que partem da estupefação pessoal com um fenômeno
natural direto para a invocação apressada do sobrenatural não são melhores
que os tolos que vêem um ilusionista dobrando uma colher e assumem que
se trata de um "paranormal".
Em seu livro Seven clues to the origin oflife [Sete pistas para a origem da
vida], o químico escocês A. G. Cairns-Smith dá outra explicação, usando a
analogia de um arco. Um arco de pedras soltas, sem argamassa, mas que fica
de pé, pode ser uma estrutura estável, mas é irredutivelmente complexo: ele
desaba se qualquer pedra for retirada. Como, então, ele foi construído? Uma
maneira é juntar uma pilha sólida de pedras e depois retirar com cuidado as
rochas, uma a uma. Em termos mais gerais, há muitas estruturas que são
irredutíveis no sentido de que não conseguem sobreviver à subtração de
qualquer uma de suas partes, mas que foram construídas com a ajuda de
andaimes que depois foram subtraídos e que já não são visíveis. Uma vez que a
estrutura tenha sido concluída, o andaime pode ser retirado com segurança e a
estrutura permanece de pé. Na evolução, também, o órgão ou estrutura que se
observa pode ter tido um andaime num ancestral, que depois foi removido.
A "complexidade irredutível" não é uma ideia nova, mas o termo em si
foi inventado pelo criacionista Michael Behe em 1996.62 Pertence a ele o
crédito (se é que crédito é a palavra) pela transferência do criacionismo para
uma nova área da biologia: a bioquímica e a biologia celular, que ele achou que
talvez fossem um terreno mais profícuo para lacunas que olhos ou asas. Sua
melhor abordagem para um bom exemplo (que ainda é ruim) foi o motor do
flagelo bacteriano.
O flagelo bacteriano é um prodígio da natureza. Ele é o único exemplo conhecido, externo à tecnologia humana, de um eixo de rotação livre. Rodas
para animais de grande porte seriam, suspeito eu, exemplos genuínos de
complexidade irredutível, e é provavelmente por isso que elas não existem.
Como os nervos e vasos sanguíneos passariam pela biela?* O flagelo é um propulsor
bem fino, com o qual a bactéria escava seu caminho através da água. Digo
"escava" e não "nada" porque, na escala bacteriana de existência, um líquido
como a água não seria percebido como nós percebemos um líquido. Seria mais
parecido com um melado, uma gelatina, ou até mesmo areia, e a bactéria pareceria
cavar ou rodar como um parafuso pela água, em vez de nadar. Diferentemente dos
chamados flagelos de organismos maiores como os protozoários, o flagelo
bacteriano não se mexe só como um chicote, ou como um remo. Ele possui um eixo
verdadeiro e rotativo, que gira continuamente dentro de uma biela, impulsionado
por um motor molecular incrivelmente pequeno. No nível molecular, o motor usa
basicamente o mesmo princípio que um músculo, mas em rotação livre, em vez
de em contração intermitente.** Ele vem sendo fagueiramente descrito como um
minúsculo motor externo (embora pelos padrões da engenharia — e de modo
incomum para um mecanismo biológico — seja um motor de uma ineficiência
espetacular).
Sem nenhuma palavra de justificativa, explicação ou amplificação, Behe
simplesmente proclama o motor flagelar bacteriano como irredutivelmente
complexo. Como ele não oferece nenhum argumento a favor de sua declaração,
podemos começar desconfiando de uma falha imaginativa. Ele alega que a
literatura biológica especializada ignorou o problema. A falsidade dessa alegação
* Há um exemplo na ficção. O autor de livros infantis Philip Pullman, em His dark materiais [Os
utensílios obscuros dele], imagina uma espécie de animal, a "mulefa", que coexiste com árvores que
produzem frutos perfeitamente redondos com um buraco no meio. Esses frutos a mulefa adota como
rodas. As rodas, como não são parte do corpo, não têm nervos nem vasos sanguíneos que fiquem
enrolados em torno do "eixo" (um pedaço sólido de chifre ou osso). Pullman ressalta, de forma
perspicaz, um outro ponto: o sistema só funciona porque o planeta é recoberto de faixas de basalto,
que servem de "estradas". Rodas não adiantam muito em terrenos acidentados.
** De maneira fascinante, o princípio do músculo é empregado ainda de uma terceira forma em
alguns insetos como as moscas, as abelhas e os besouros, em que o músculo do voo é intrinsecamente
oscilante, como um motor alternativo. Enquanto outros insetos, como os gafanhotos, enviam
instruções nervosas para cada batida de asa (como faz o pássaro), as abelhas enviam uma instrução
para ligar (ou desligar) o motor oscilante. As bactérias possuem um mecanismo que não é nem um
contrator simples (como o músculo do voo de um pássaro) nem um alternador (como o músculo de
voo da abelha), mas um verdadeiro rotor. nesse sentido, ele é como um motor elétrico, ou um motor
Wankel.
foi maciça e embaraçosamente (para Behe) documentada no tribunal do juiz
John E. Jones, na Pensilvânia, em 2005, onde Behe depôs como testemunha
especialista a favor de um grupo de criacionistas que tinha tentado impor o
"design inteligente" ao currículo de ciências de uma escola pública local — uma
medida de "estupidez de tirar o fôlego", para citar o juiz Jones (frase e
homem certamente destinados à fama duradoura). Essa não foi a única
vergonha a que Behe foi submetido na audiência, como veremos.
O essencial para comprovar a complexidade irredutível é demonstrar
que nenhuma das partes poderia ter sido útil de forma isolada. Todas elas
precisariam estar no lugar para que qualquer uma delas tivesse alguma
utilidade (a analogia favorita de Behe é uma ratoeira). Na verdade, os biólogos
moleculares não têm dificuldade de encontrar partes que funcionem fora do
todo, tanto para o flagelo bacteriano como para outros exemplos de Behe de
suposta complexidade irredutível. Esse ponto é bem explicado por Kenneth
Miller, da Universidade Brown, para mim a nême-se mais convincente do
"design inteligente", principalmente pelo fato de ele ser um cristão devoto.
Recomendo com frequência o livro de Miller, Finding Darwins Goa
[Encontrando o Deus de Darwin], a pessoas religiosas que me escrevem depois
de terem sido iludidas por Behe.
No caso do rotor bacteriano, Miller chama a nossa atenção para um
mecanismo chamado Sistema de Secreção Tipo Três (ssir).63 O SSTT não é usado
para o movimento rotativo. É um dos vários sistemas usados por bactérias
parasitas para emitir substâncias tóxicas através de suas paredes celulares para
envenenar o organismo hospedeiro. Em nossa escala humana, podemos pensar
em um líquido sendo derramado ou espirrado por um buraco; mas, mais uma
vez, na escala bacteriana as coisas têm um aspecto diferente. Cada molécula de
substância secretada é uma proteína grande com uma estrutura definida e
tridimensional, da mesma escala da própria estrutura do SSTT: mais como uma
escultura sólida que como um líquido. Cada molécula é lançada individualmente
através de um mecanismo meticulosamente moldado, como uma máquina de
venda automática que liberasse, por exemplo, brinquedos e garrafas, e não apenas
um simples buraco pelo qual a substância "fluiria". A máquina em si é feita de um número bem pequeno de moléculas de proteína, cada qual comparável, no tamanho e na complexidade, às moléculas que estão sendo secretadas por ela. O interessante é que essas máquinas de venda automática são muitas vezes semelhantes em bactérias que não têm relações próximas entre si. É provável que o genes para produzi-la tenham sido "copiados e colados" de outras bactérias: uma coisa que as bactérias fazem incrivelmente bem, e que é um tópico fascinante por si só, mas preciso seguir em frente.
As moléculas de proteína que formam a estrutura do SSTT são muito semelhantes aos componentes do rotor flagelado. Para um evolucionista, fica claro que componentes do SSTT foram convocados para uma nova — embora não totalmente independente — função quando o motor bacteriano evoluiu. Como o SSTT movimenta moléculas através de si mesmo, não surpreende que ele use uma versão rudimentar do princípio usado pelo motor bacteriano, que movimenta as moléculas do eixo para fazê-lasrodar. É evidente que componentes cruciais do motor do flagelo bacteriano já estavam no lugar e funcionando antes de o motor do flagelo ter evoluído. A convocação de mecanismos existentes é um caminho óbvio pelo qual uma peça de aparente complexidade irredutível pode escalar o monte Improvável.
Ainda há muito trabalho a fazer, é claro, e tenho certeza de que ele será
feito. Esse trabalho jamais seria feito se os cientistas ficassem satisfeitos com
um padrão preguiçoso como o estimulado pela "teoria do design inteligente".
Esta é a mensagem que um "teórico" imaginário do design inteligente poderia
transmitir aos cientistas: "Se vocês não entendem como uma coisa funciona, não
tem problema: simplesmente desistam e digam que Deus a criou. Vocês não
sabem como o impulso nervoso funciona? Tudo bem! Não entendem como as
lembranças são depositadas no cérebro? Excelente! A fotossíntese é um
processo desconcertante-mente complexo? Maravilha! Por favor não saiam
trabalhando em cima do problema, apenas desistam e apelem a Deus. Caro
cientista, não estude seus mistérios. Traga seus mistérios a nós, pois podemos usá-los. Não desperdice a ignorância preciosa pesquisando por aí. Precisamos
dessas gloriosas lacunas para o último refúgio de Deus". Santo Agostinho disse de
forma bem clara: "Existe outra forma de tentação, ainda mais cheia de perigo. É a doença da curiosidade. É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da
natureza, segredos que estão além de nossa compreensão, que nada nos podem
dar e que nenhum homem deveria querer descobrir" (citado em Freeman, 2002).
Outro dos exemplos favoritos de Behe de suposta "complexidade
irredutível" é o sistema imunológico. Que o próprio juiz Jones assuma a palavra:
De fato, ao ser interrogado pelo outro lado, o professor Behe foi questionado sobre sua alegação, feita em 1996, de que a ciência jamais encontraria uma explicação evolutiva para o sistema imune. Ele foi colocado diante de 58 publicações avaliadas por pares acadêmicos, nove livros e vários capítulos sobre imunologia de livros didáticos a respeito da evolução do sistema imunológico; no entanto ele simplesmente insistiu que isso ainda não era evidência suficiente da evolução, e que não era "bom o bastante".
Behe, ao ser interrogado por Eric Rothschild, advogado-chefe dos
querelantes, foi obrigado a admitir que não tinha lido a maioria daqueles 58
trabalhos acadêmicos. O que não surpreende, já que a imunologia é difícil.
Menos perdoável é o fato de Behe ter desqualificado essas pesquisas,
chamando-as de "estéreis". Elas certamente são estéreis se seu objetivo é fazer
propaganda para leigos ingênuos e políticos, em vez de descobrir verdades
importantes sobre o mundo real. Depois de ouvir Behe, Rothschild resumiu de
modo eloquente aquilo que qualquer pessoa honesta deve ter sentido naquele
tribunal:
Por sorte existem cientistas que pesquisam em busca de respostas para a pergunta sobre a origem do sistema imunológico [...] Ele é nossa defesa contra doenças debilitantes e fatais. Os cientistas que escreveram esses livros e artigos trabalham no escuro, sem direitos autorais nem palestras remuneradas. Seu empenho nos ajuda a combater e curar condições médicas graves. O professor Behe e todo o movimento do design inteligente, pelo contrário, não estão fazendo nada para obter avanços no conhecimento científico ou médico, e estão dizendo às gerações futuras de cientistas: não liguem para isso.64
Como disse o geneticista americano Jerry Coyne na resenha do livro de
Behe, "se a história da ciência nos mostra alguma coisa, é que não chegamos a
lugar nenhum ao chamar nossa ignorância de 'Deus'". Ou, nas palavras de um
blogger eloquente, que comentava um artigo sobre design inteligente escrito
por Coyne e por mim e publicado no The Guardian,
Por que Deus é considerado explicação para tudo? Ele não é — é a não-explicação, o dar de ombros, um "sei lá" enfeitado de espiritualidade e rituais. Se alguém atribui alguma coisa a Deus, geralmente isso quer dizer que ele não faz a menor ideia, por isso está atribuindo a coisa a uma fada celeste inalcançável e incognoscível. Peça uma explicação sobre de onde veio aquele cara, e são grandes as chances de você receber uma resposta vaga e pseudofílosófica dizendo que ele sempre existiu, ou que não pertence à natureza. O que, é claro, não explica nada.65
O darwinismo nos conscientiza de outras maneiras. Órgãos evoluídos,
quase sempre tão elegantes e eficientes, também demonstram falhas
reveladoras — exatamente como seria de esperar se eles tivessem um
histórico evolutivo, e exatamente como não seria de esperar se eles
tivessem sido projetados. Já discuti exemplos em outros livros: o recorrente
nervo laríngeo, que denuncia seu histórico evolutivo com um enorme e inútil
desvio até seu destino. Muitos de nossos males humanos, da dor lombar às
hérnias, de prolapsos de útero à nossa suscetibilidade a infecções
respiratórias, resultam diretamente do fato de que hoje caminhamos eretos,
com um corpo que foi moldado ao longo de centenas de milhões de anos
para caminhar sobre quatro patas. Também somos conscientizados pela
crueldade e pelo desperdício da seleção natural. Os predadores parecem ter
sido lindamente "projetados" para capturar suas presas, enquanto as presas
parecem tão lindamente "projetadas" quanto para escapar deles. De que
lado Deus está?66
O PRINCÍPIO ANTRÓPICO: VERSÃO PLANETÁRIA
Os teólogos lacunares que desistem de olhos e asas, flagelos bacterianos
e sistemas imunológicos freqüentemente depositam suas últimas esperanças
na origem da vida. A raiz da evolução na química não biológica parece, de
alguma forma, representar uma lacuna maior que qualquer outra transição
específica durante a evolução subseqüente. E, de certa maneira, realmente é
uma lacuna maior. Essa maneira é bastante específica, e não oferece nenhum
consolo aos apologistas da religião. A origem da vida só teve que acontecer
uma vez. Portanto podemos permitir que ela tenha sido um evento altamente
improvável, muitas ordens de magnitude mais improvável que a maioria das pessoas imagina, como mostrarei. Os passos evolutivos subsequentes foram
duplicados, de formas mais ou menos semelhantes, por milhões e milhões de
espécies de modo independente, contínua e repetidamente ao longo do tempo
geológico. Para explicar a evolução da vida complexa, portanto, não podemos
recorrer ao mesmo tipo de raciocínio estatístico que podemos aplicar na
origem da vida. Os eventos que constituem a evolução ordinária, distintos de
sua origem singular (e talvez alguns casos especiais), não podem ter sido muito
improváveis.
Essa distinção pode parecer confusa, e preciso explicá-la melhor, usando o
chamado princípio antrópico. O princípio antrópico foi balizado assim pelo
matemático Brandon Cárter em 1974 e ampliado pelos físicos John Barrow e
Frank Tipler em seu livro sobre o assunto.67 O argumento antrópico costuma ser
aplicado ao cosmos, e vou chegar a tal. Mas vou apresentar a ideia numa
escala menor, planetária. Existimos aqui, na Terra. Portanto a Terra tem de
ser o tipo de planeta que é capaz de nos gerar e nos sustentar, não importa
quão incomum seja esse tipo de planeta. Por exemplo, nosso tipo de vida não
consegue sobreviver sem a água em estado líquido. Os exobiólogos que
procuram evidências da vida extraterrestre estão vasculhando os céus, na
prática, em busca de sinais de água. Em torno de uma estrela típica como
nosso Sol, existe uma zona chamada de "Cachinhos Dourados"* — nem quente
demais nem fria demais, na temperatura certa — para os planetas com água
no estado líquido. Uma estreita faixa de órbitas fica entre aquelas que ficam
longe demais da estrela, onde a água congela, e as que ficam perto demais, onde
ela ferve.
Supõe-se, também, que uma órbita adequada à vida tenha de ser
próxima de circular. Uma órbita elíptica em excesso, como a do recém-descoberto planeta-anão conhecido informalmente como Xena, permitiria no
máximo uma passagem-relâmpago pela zona Cachinhos Dourados uma vez por
década ou por século (da Terra). Xena na verdade nem entra na zona Cachinhos
Dourados, mesmo no ponto mais próximo ao Sol de sua órbita, que ele atinge
* "Goldilocks". (N. T.)
uma vez a cada 560 anos da Terra. A temperatura do cometa Halley varia
entre cerca de 47 °C no periélio e 270 °C negativos no afélio. A órbita da Terra,
assim como a de todos os planetas, é tecnicamente uma elipse (está mais
perto do Sol em janeiro e mais distante em julho);** mas um círculo é um
caso especial de elipse, e a órbita da Terra é tão próxima de ser circular que ela
nunca se afasta da zona Cachinhos Dourados. A situação da Terra no sistema
solar é propícia também de outras formas que a destacaram para a evolução da
vida. O enorme aspirador gravitacional que é Júpiter está no lugar certo para
interceptar asteroides que poderiam nos ameaçar com uma colisão letal. A
Lua única e relativamente grande da Terra serve para estabilizar nosso eixo de
rotação,68 e ajuda a estimular a vida de várias outras maneiras. Nosso Sol é
incomum por não ser binário, preso numa órbita mútua com outra estrela. É
possível estrelas binárias terem planetas, mas suas órbitas tendem a ser
caóticas e variáveis demais para incentivar a evolução da vida.
Duas explicações principais foram sugeridas para a amistosidade
peculiar de nosso planeta à vida. A teoria do design diz que Deus criou o
mundo, colocou-o na zona Cachinhos Dourados e estabeleceu
deliberadamente todos os detalhes em nosso benefício. A abordagem
antrópica é bem diferente, e tem um leve ar darwiniano. A grande maioria
dos planetas do universo não está nas zonas Cachinhos Dourados de suas
respectivas estrelas, e não é adequada à vida. Em nenhum planeta dessa
maioria há vida. Por menor que seja a minoria de planetas com as condições
certas para a vida, necessariamente temos de estar em um que pertença a
essa minoria, porque estamos aqui pensando no problema.
É um fato estranho, aliás, o de que os apologistas da religião adorem o
princípio antrópico. Por algum motivo que não faz absolutamente nenhum
sentido, eles acham que isso sustenta a tese deles. A verdade é exatamente o
contrário. O princípio antrópico, assim como a seleção natural, é uma
alternativa à hipótese do design. Ele provê uma explicação racional, sem nada
de design, para o fato de nos encontrarmos numa situação propícia à nossa
** Se você fica surpreso com isso, pode estar sofrendo da síndrome do chauvinismo do hemisfério
norte, como descrito na página 157.
existência. Acho que a confusão aparece na cabeça dos religiosos porque o
princípio antrópico só é mencionado dentro do contexto do problema que ele
soluciona, isto é, o fato de que vivemos em um lugar adequado à vida. O que
a cabeça religiosa não percebe é que há duas candidatas a solução para o
problema. Deus é uma. O princípio antrópico é a outra. Elas são alternativas
entre si.
A água em estado líquido é uma condição necessária para a vida da
forma como a conhecemos, mas está longe de ser suficiente. A vida ainda tem
de se originar na água, e a origem da vida pode ter sido uma acontecimento
altamente improvável. A evolução darwiniana prossegue faceiramente depois
que a vida se origina. Mas como a vida começou? A origem da vida foi o
evento químico, ou a série de eventos, através dos quais as condições vitais
para a seleção natural surgiram pela primeira vez. O principal ingrediente foi a
hereditariedade, seja o DNA ou (mais provavelmente) alguma coisa que faz
cópias como o DNA, mas com menos precisão, talvez seu primo, o RNA. Uma vez
que o ingrediente vital — algum tipo de molécula genética — está no lugar certo,
a seleção natural darwiniana pode acontecer, e a vida complexa emerge como
conseqüência. Mas o surgimento espontâneo, por acaso, da primeira molécula
hereditária é considerado improvável por muita gente. Talvez seja —
improbabilíssimo, e tratarei disso, pois é um ponto central para esta parte do
livro.
A origem da vida é um objeto de pesquisa pródigo, embora especulativo.
A especialidade necessária para tal é a química, que não é a minha. Acompanho-a à distância com curiosidade, e não ficarei surpreso se, daqui a poucos anos, os
químicos anunciarem que conseguiram parir uma nova origem da vida em
laboratório. Mas isso ainda não aconteceu, e ainda é possível sustentar que a
probabilidade de que isso aconteça seja, como sempre foi, baixíssima — embora
tenha mesmo acontecido uma vez!
Assim como fizemos com as órbitas Cachinhos Dourados, podemos
afirmar que, por mais improvável que seja a origem da vida, sabemos que ela
aconteceu na Terra porque estamos aqui. Assim como com a temperatura, há
duas hipóteses para explicar o que aconteceu — a hipótese do design e a hipótese científica ou "antrópica". A abordagem que defende o design postula
um Deus que produziu um milagre deliberado, lançando o fogo divino sobre o
caldo prebiótico e lançando o DNA, ou alguma coisa equivalente, em sua
grandiosa carreira.
Novamente, assim como com Cachinhos Dourados, a alternativa antrópica à
hipótese do design é estatística. Os cientistas invocam a mágica dos números
enormes. Já se estimou que haja entre 1 bilhão e 30 bilhões de planetas em nossa
galáxia, e cerca de 100 bilhões de galáxias no universo. Eliminando alguns zeros por
mera prudência, 1 bilhão de bilhões é uma estimativa conservadora do número
de planetas disponíveis no universo. Suponha que a origem da vida, o surgimento
espontâneo de alguma coisa equivalente ao DNA, realmente seja um evento
incrivelmente improvável. Suponha que seja tão improvável que aconteça em
apenas um entre 1 bilhão de planetas. Uma instituição de financiamento de
pesquisas riria na cara de qualquer químico que admitisse que a chance de sua
pesquisa ser bem-sucedida fosse de uma em cem. Mas cá estamos nós, falando
de probabilidades de uma em 1 bilhão. Mesmo assim... mesmo com
probabilidades tão absurdamente escassas, a vida ainda teria surgido em 1 bilhão
de planetas — entre os quais está, é claro, a Terra.69
A conclusão é tão surpreendente que vou repeti-la. Se a probabilidade de a
vida surgir espontaneamente num planeta fosse de uma em um bilhão, mesmo
assim esse evento embasbacadoramente improvável teria acontecido em l bilhão
de planetas. A chance de encontrar qualquer um entre esse 1 bilhão de planetas
remete ao provérbio da agulha no palheiro. Mas não temos de sair por aí
procurando uma agulha porque (de volta ao princípio antrópico) qualquer ser
capaz de procurar precisa estar exatamente dentro de uma dessas prodigiosas
agulhas, mesmo antes de dar início à busca.
Qualquer afirmação de probabilidade é feita dentro do contexto de um
determinado nível de ignorância. Se não soubermos nada sobre um planeta,
podemos postular as chances de a vida surgir como, digamos, de uma em 1
bilhão. Mas se importarmos algumas hipóteses novas para nossa estimativa, as
coisas mudam.
Um planeta em particular pode ter algumas propriedades peculiares, talvez um perfil especial de abundância de elementos em suas rochas, que alterem as
chances em favor do surgimento da vida. Alguns planetas, em outras palavras,
são mais "terrestres" que outros. A própria Terra, é claro, é especialmente
"terrestre"! Isso deveria animar nossos químicos que tentam recriar o evento
no laboratório, pois reduziria as probabilidades adversas a seu sucesso. Mas meu
cálculo inicial demonstrou que até mesmo um modelo químico com chances de
sucesso tão baixas como de uma em 1 bilhão ainda assim prevê que a vida
surgiria em 1 bilhão de planetas no universo. E a beleza do princípio antrópico é
que ele nos diz, contrariando nossa intuição, que um modelo químico só precisa
prever que a vida vá surgir em um planeta entre 1 bilhão de bilhões para nos
dar uma boa e totalmente satisfatória explicação para a presença da vida aqui.
Nem por um momento acredito que a origem da vida tenha sido tão
improvável assim na prática. Acho que definitivamente vale a pena gastar
dinheiro tentando reproduzir o evento em laboratório e — na mesma moeda —
no programa SETI, porque acho provável que exista vida inteligente em outro
lugar.
Mesmo aceitando a estimativa mais pessimista para a probabilidade de
que a vida possa surgir espontaneamente, esse argumento estatístico demole
completamente qualquer sugestão de que devamos postular o design para
preencher a lacuna. De todas as lacunas visíveis na história evolutiva, a lacuna
da origem da vida pode parecer intransponível para cérebros calibrados para
avaliar probabilidade e risco na escala das coisas do dia-a-dia: a escala que as
instituições fomentadoras de pesquisa usam para avaliar os projetos
submetidos pelos químicos. Mesmo assim, até uma lacuna tão grande como
essa é facilmente preenchida pela ciência informada em termos de estatística,
enquanto as mesmíssimas regras estatísticas da ciência descartam um criador
divino no sentido do 747 Definitivo, que conhecemos previamente.
Mas voltemos agora à interessante questão que iniciou esta parte do
livro. Suponha que alguém tente explicar o fenômeno genérico da adaptação
biológica ao longo das mesmas linhas que acabamos de aplicar à origem da
vida: apelando a um número imenso de planetas disponíveis. O fato observado
é que toda espécie, assim como todo órgão que já tenha sido visto dentro de cada espécie, é boa no que faz. As asas de pássaros, abelhas e morcegos voam
bem. Os olhos enxergam bem. As folhas fazem fotossíntese bem. Vivemos num
planeta cercados por talvez 10 milhões de espécies, cada uma com uma ilusão
poderosa de um aparente design. Cada espécie encaixa-se bem em seu estilo
específico de vida. Não poderíamos nos safar com o argumento dos "números
imensos de planetas" para explicar todas essas ilusões diferentes de design?
Não, não poderíamos, repito, não. Nem pense nisso. Isso é importante, pois
toca no cerne de um dos equívocos mais graves na compreensão do
darwinismo.
Independentemente de com quantos planetas estejamos lidando, o
acaso jamais seria suficiente para explicar a luxuriante diversidade de
organismos complexos na Terra do mesmo modo que o utilizamos para explicar
a existência da vida aqui. A evolução da vida é um caso completamente
diferente do da origem da vida, porque, repetindo, a origem da vida foi (ou
pode ter sido) um evento singular, que teve que acontecer apenas uma vez. A
adaptação das espécies a seus diversos ambientes, por outro lado, ocorreu
milhões de vezes, e continua ocorrendo.
Está claro que aqui na Terra estamos lidando com um processo
generalizado para a otimização das espécies biológicas, um processo que
funciona em todo o planeta, em todos os continentes e ilhas, e em todos os
momentos históricos. Podemos prever com segurança que, se esperarmos
mais 10 milhões de anos, um conjunto totalmente novo de espécies estará tão
bem adaptado a seu estilo de vida quanto as espécies atuais são adaptadas ao
estilo delas. É um fenômeno recorrente, previsível e múltiplo, não um caso de
sorte estatística reconhecido retrospectivamente. E, graças a Darwin, sabemos
como ele aconteceu: pela seleção natural.
O princípio antrópico é impotente para explicar os detalhes tão variados
das criaturas vivas. Precisamos mesmo do poderoso guindaste de Darwin para
dar conta da diversidade da vida na Terra, e especialmente a ilusão persuasiva
de design. A origem da vida, pelo contrário, fica fora do alcance do guindaste,
porque a seleção natural não pode ocorrer sem ela. Nesse ponto o princípio
antrópico dá o máximo de si. Conseguimos tratar da origem singular da vida postulando um número muito grande de oportunidades planetárias. Uma vez
que aquele golpe inicial da sorte tenha sido assegurado — e o princípio
antrópico decisivamente o assegura para nós —, a seleção natural assume: e a
seleção natural não é — e o não é enfático — uma questão de sorte.
De qualquer maneira, é possível que a origem da vida não seja a única
grande lacuna da história evolutiva a ser superada pela pura sorte,
antropicamente justificada. Por exemplo, meu colega Mark Ridley, em
MendeFs demon (reintitulado The cooperative gene, de forma gratuita e que
causa confusão, pela editora americana), sugeriu que a origem da célula
eucarionte (nosso tipo de célula, com um núcleo e vários outros dispositivos
complicados como as mitocôndrias, que não estão presentes nas bactérias) foi
um passo ainda mais rápido, difícil e estatisticamente improvável que a
origem da vida. Eventos únicos como esse podem ser explicados pelo princípio
antrópico, ao longo da seguinte linha: existem bilhões de planetas que
desenvolveram a vida no nível das bactérias, mas apenas uma pequena
proporção dessas formas de vida conseguiu chegar a algo parecido com uma
célula eucarionte. E, entre esses, uma proporção ainda menor conseguiu
cruzar o Rubicão até a consciência. Se esses dois eventos forem únicos, não estamos
lidando com um processo onipresente e disseminado, como fazemos ao tratar da
adaptação biológica ordinária e tradicional. O princípio antrópico afirma que,
como estamos vivos e somos eucariontes e conscientes, nosso planeta tem de ser
um dos raríssimos planetas que superaram todas as três lacunas.
A seleção natural funciona porque ela é uma avenida de mão única,
cumulativa, para o aperfeiçoamento. Ela precisa de alguma sorte para ser
iniciada, e o princípio antrópico dos "bilhões de planetas" nos assegura tal sorte.
Talvez algumas lacunas posteriores na história evolutiva também precisem de
grandes doses de sorte, com a justificativa antrópica. Mas, não importa o que
mais possamos dizer, o design certamente não funciona como explicação para a
vida, porque o design não é cumulativo e portanto suscita mais perguntas do que
responde — ele nos leva diretamente para a regressão infinita na linha do 747
Definitivo.
Vivemos num planeta que é amistoso para nosso tipo de vida, e já vimos duas razões para isso. Uma é que a vida evoluiu de modo a florescer nas condições
proporcionadas pelo planeta. Isso se deve à seleção natural. A outra razão é a
antrópica. Existem bilhões de planetas no universo, e, por menor que seja a
minoria dos planetas propícios à evolução, nosso planeta necessariamente tem de
fazer parte dela. Chegou agora o momento de levar o princípio antrópico de
volta para um estágio anterior, da biologia para a cosmologia.
O PRINCÍPIO ANTRÓPICO: VERSÃO COSMOLÓGICA
Vivemos não apenas num planeta amistoso, mas também num universo
amistoso. Isso provém do fato inerente à nossa existência de que as leis da física
têm de ser amistosas o suficiente para permitir que a vida surja. Não é por
acaso que, quando olhamos à noite para o céu, vemos estrelas, pois estrelas
são um pré-requisito necessário para a existência da maioria dos elementos
químicos, e sem química não haveria vida. Os físicos calcularam que, se as leis e
constantes da física fossem ligeiramente diferentes, o universo teria se
desenvolvido de tal forma que a vida seria impossível. Físicos diferentes
disseram isso de formas diferentes, mas a conclusão é sempre quase a mesma.
Martin Rees, em Apenas seis números, lista seis constantes fundamentais, as
quais se acredita que se mantenham em todo o universo. Cada um desses seis
números é sintonizado no sentido de que, se fosse um pouquinho diferente, o
universo seria muito diferente e presumivelmente nada propício à vida.*
Um exemplo dos seis números de Rees é a magnitude da chamada
"força forte", a força que liga os componentes do núcleo do átomo: a força
nuclear que tem de ser superada quando se "divide" o átomo. Ela é medida
como E, a proporção da massa de um núcleo de hidrogênio que é convertida
em energia quando o hidrogênio se funde para formar o hélio. O valor desse
* Digo "presumivelmente" em parte porque não sabemos como podem ser as várias formas de vida
alienígena, e em parte porque é possível que estejamos enganados ao levar em conta apenas as
conseqüências de mudar uma constante por vez. Não poderia haver outra combinação de valores dos
seis números que resultasse propícia à vida, de maneiras que não conseguimos descobrir se
consideramos apenas um por vez? De qualquer maneira, procederei, em nome da simplicidade, como
se realmente tivéssemos um grande problema a ser explicado na aparente sintonia fina das constantes
fundamentais.
número em nosso universo é 0,007, e aparentemente era preciso que ele
fosse muito próximo a esse valor para que pudesse existir qualquer química
(que é um pré-requisito para a vida). A química, do modo como a conhecemos,
consiste na combinação e na recombinação de mais ou menos noventa
elementos de ocorrência natural da tabela periódica. O hidrogênio é o mais
simples e o mais comum dos elementos. Todos os outros elementos do
universo são feitos, em última instância, de hidrogênio, pela fusão nuclear. A
fusão nuclear é um processo complicado que ocorre nas condições
extremamente quentes do interior das estrelas (e nas bombas de hidrogênio).
Estrelas relativamente pequenas, como nosso Sol, são capazes de produzir
apenas elementos leves como o hélio, o segundo mais leve da tabela periódica,
depois do hidrogênio. São necessárias estrelas maiores e mais quentes para
gerar as altas temperaturas necessárias para forjar a maioria dos elementos
mais pesados, numa cascata de processos de fusão nuclear cujos detalhes
foram descritos por Fred Hoyle e dois colegas (uma realização pela qual,
misteriosamente, Hoyle não teve direito à parcela do prêmio Nobel recebido
pelos outros). Essas grandes estrelas podem explodir na forma de super-novas,
espalhando seus materiais, inclusive os elementos da tabela periódica, em
nuvens de poeira. As nuvens de poeira acabam se condensando e formando
novas estrelas e planetas, como o nosso. É por isso que a Terra é rica em
elementos que vão além do onipresente hidrogênio: elementos sem os quais a
química — e a vida — seria impossível.
O ponto relevante aqui é que o valor da força forte determina de forma
crucial quão longe na tabela periódica vai a cascata de fusão nuclear. Se a força
fosse pequena demais, de 0,006 em vez de 0,007, por exemplo, o universo não
teria nada além de hidrogênio, e daí nenhuma química interessante poderia
resultar. Se ela fosse grande demais, de 0,008, por exemplo, todo o hidrogênio
teria se fundido e criado elementos mais pesados. Uma química sem
hidrogênio não teria sido capaz de gerar a vida como a conhecemos. Em
primeiro lugar, não haveria água. O valor Gadanhos Dourados — 0,007 — é o
ideal para produzir a riqueza de elementos de que precisamos para que haja
uma química interessante e capaz de sustentar a vida.
Não vou examinar o restante dos seis números de Rees. O ponto
principal de cada um deles é o mesmo. O número real fica numa faixa
Cachinhos Dourados de valores fora da qual a vida não teria sido possível.
Como deveríamos responder a isso? Mais uma vez, temos a resposta teísta de
um lado e a resposta antró-pica do outro. A teísta diz que Deus, quando criou
o universo, sintonizou as constantes fundamentais do universo para que cada
uma delas ficasse em sua zona Cachinhos Dourados para a produção da vida. É
como se Deus tivesse seis botões que pudesse ajustar, e tivesse girado
cuidadosamente cada um deles até o seu valor Cachinhos Dourados. Como
sempre, a resposta teísta é profundamente insatisfatória, porque deixa
inexplicada a existência de Deus. Um Deus capaz de calcular os valores
Cachinhos Dourados para os seis números teria de ser no mínimo tão improvável quanto a própria combinação afinada dos números, e isso é mesmo
muito improvável — esta, na verdade, é a premissa de toda a discussão que
estamos mantendo. Assim, a resposta teísta não consegue obter nenhum
avanço para solucionar o problema de que estamos tratando. Não vejo
alternativa senão desqualificá-la, estupefato ao mesmo tempo com o número
de pessoas que não conseguem enxergar o problema e parecem genuinamente
satisfeitas com o argumento do "Ajustador de Botões Divino".
Talvez a razão psicológica para essa incrível cegueira tenha a ver com o
fato de muita gente não ter sido conscientizada, como os biólogos, pela seleção
natural e seu poder de domar a impro-babilidade. J. Anderson Thomson, de sua
perspectiva de psiquiatra evolucionário, aponta uma outra razão, a tendência
psicológica que todos nós temos para personificar objetos inanimados e
enxergá-los como agentes. Como diz Thomson, somos mais inclinados a
confundir uma sombra com um ladrão que um ladrão com uma sombra. Um
falso positivo pode ser uma perda de tempo. Um falso negativo pode ser fatal.
Numa carta para mim, ele sugeriu que, em nosso passado ancestral, nosso
maior desafio em nosso ambiente eram os outros. "O legado disso é a
suposição automática, muitas vezes com medo, da intenção humana. Temos
grande dificuldade de enxergar outra coisa que não a causa-ação humana."
Naturalmente generalizamos isso para a intenção divina. Retornarei à sedução dos "agentes" no capítulo 5.
Os biólogos, conscientizados para o poder da seleção natural como
explicação das coisas improváveis, dificilmente ficarão satisfeitos com qualquer
teoria que fuja do problema da improbabilidade. E a resposta teísta para o
problema da improbabilidade é uma fuga de proporções estupendas. É mais
que a reformulação do mesmo problema, é uma amplificação grotesca dele.
Voltemo-nos, então, para a alternativa antrópica. A resposta an-trópica, em
sua forma mais genérica, é que só poderíamos estar discutindo a questão num
universo que fosse capaz de nos produzir. Nossa existência, portanto,
determina que as constantes fundamentais da física tinham de estar em suas
respectivas zonas Cachinhos Dourados. Físicos diferentes adotam tipos
diferentes de solução antrópica para o problema de nossa existência.
Físicos pragmáticos dizem que os seis ajustes na verdade nunca
tiveram a liberdade de variar. Quando finalmente chegarmos à almejada Teoria
de Tudo, veremos que os seis números-chave dependem um dos outros, ou
de alguma coisa que ainda não se sabe qual é, de maneiras que hoje não
conseguimos imaginar. É possível que os seis números se revelem impedidos
de variar, assim como a proporção da circunferência de um círculo para seu
diâmetro. Ficará evidente que só há um modo como o universo pode existir.
Longe de um Deus que precise girar seis botões de ajuste, não há botões a
serem ajustados.
Outros físicos (o próprio Martin Rees é um exemplo) consideram essa
explicação pouco satisfatória, e acho que concordo com eles. É perfeitamente
plausível que só haja uma maneira como o universo possa existir. Mas por que
ela teve de ser tão adequada à nossa evolução? Por que ela teve de ser o tipo de
universo que quase parece que, nas palavras do físico teórico Freeman Dyson,
"sabia que estávamos chegando"? O filósofo John Leslie usa a analogia de um
homem condenado à morte pelo pelotão de fuzilamento. Há uma
possibilidade mínima de que todos os dez homens do pelotão de fuzilamento
errem o alvo. Em retrospecto, o sobrevivente que se veja na posição de refletir a
respeito de sua sorte pode dizer, contente: "Bem, obviamente todos erraram,
ou eu não estaria aqui pensando nisso". Mas ele ainda poderia, compreensivelmente, especular por que todos erraram, e flertar com a hipótese de
que eles tenham sido subornados, ou então estivessem bêbados.
Essa objeção pode ser respondida pela sugestão, sustentada pelo próprio
Martin Rees, de que existem muitos universos, coexistindo como bolhas de
espuma, num "multiverso" (ou "mega-verso", como Leonard Susskind prefere
chamá-lo).* As leis e constantes de qualquer universo, como nosso universo
observável, são leis locais. O multiverso como um todo tem uma pletora de conjuntos alternativos de leis locais. O princípio antrópico aparece para explicar
que temos de estar em um desses universos (presumivelmente uma minoria)
cujas leis locais por acaso foram propícias à nossa evolução, e daí passar à
contemplação do problema.
Uma versão intrigante da teoria do multiverso provém das
considerações sobre o destino final de nosso universo. Dependendo dos
valores de números como as seis constantes de Martin Rees, nosso universo
pode estar destinado a se expandir indefinidamente, ou pode se estabilizar
num equilíbio, ou a expansão pode se reverter e virar contração, culminando
no chamado "big crunch". Alguns modelos de big crunch prevêem que o
universo voltaria a se expandir, e assim por diante, num ciclo de, digamos, 20
bilhões de anos. O modelo-padrão para o nosso universo diz que o tempo
começou no big bang, junto com o espaço, cerca de 13 bilhões de anos atrás.
O modelo da série de big crunchs corrigiria essa declaração: nosso tempo e
espaço realmente começaram no nosso big bang, mas foi apenas o mais
recente numa longa série de big bangs, cada um iniciado pelo big crunch que
encerrou o universo anterior da série. Ninguém entende o que acontece em
singularidades como o big bang, portanto é concebível que as leis e as
constantes sejam zeradas e tenham novos valores a cada vez. Se os ciclos de
* Susskind (2006) faz uma defesa esplêndida do princípio antrópico no mega-verso. Ele diz que a ideia
é abominada pela maioria dos físicos. Não entendo por quê. Acho que ela é linda — talvez por eu ter
sido conscientizado por Darwin.
bang-expansão-contração-crunch vêm acontecendo desde sempre, como
num acordeão cósmico, temos uma versão seriada, e não paralela, de
multiverso. Mais uma vez, o princípio antrópico exerce seu papel
explanatório. De todos os universos da série, apenas uma minoria tem o "dial"
acertado para condições biogênicas. E, é claro, o universo atual tem de estar
nessa minoria, porque estamos nele. Essa versão seriada de multiverso
precisa ser hoje considerada menos provável do que no passado, porque
evidências recentes estão começando a nos afastar do modelo do big crunch.
Parece, agora, que nosso universo está destinado a se expandir para sempre.
Outro físico teórico, Lee Smolin, desenvolveu uma variante darwiniana
tentadora para a teoria do multiverso, incluindo elementos seriados e
paralelos. A idéia de Smolin, exposta em A vida do cosmos, sustenta-se na
teoria de que universos-filhos nascem de universos-pais, não num big crunch
completo, mas de modo mais local, em buracos negros. Smolin acrescenta uma
forma de hereditariedade: as constantes fundamentais de um uni-verso-filho
são versões ligeiramente "mutadas" das constantes de seu progenitor. A
hereditariedade é o ingrediente essencial da seleção natural darwiniana, e o
restante da teoria de Smolin vem naturalmente. Os universos que têm o
necessário para "sobreviver" e "reproduzir-se" acabam predominando no
multiverso. O "necessário" inclui durar tempo suficiente para se "reproduzir".
Como o ato da reprodução acontece nos buracos negros, os universos bemsucedidos precisam ter o necessário para criar buracos negros. Essa capacidade
exige várias outras propriedades. Por exemplo, a tendência da matéria de se
condensar em nuvens e depois em estrelas é um pré-requisito para produzir
buracos negros. As estrelas, como já vimos, também são precursoras do desenvolvimento de uma química interessante, e portanto da vida. Assim, sugere
Smolin, houve uma seleção natural darwiniana de universos no multiverso,
favorecendo diretamente a evolução da fecundidade nos buracos negros e
indiretamente a produção da vida. Nem todos os físicos ficaram entusiasmados
com a ideia de Smolin, embora o físico e prêmio Nobel Murray Gell-Mann tenha
dito, segundo uma citação: "Smolin? Não é aquele jovem com aquelas idéias
malucas? Ele pode não estar enganado".70 Um biólogo sarcástico poderia se perguntar se alguns outros físicos não estão precisando de um pouco de
conscientização darwiniana.
É tentador pensar (e muitos sucumbiram) que postular uma pletora de
universos é um luxo exagerado que não deveria ser permitido. Se é para nos
permitir a extravagância de um multiverso, afirma o argumento, também
poderíamos chutar o balde logo de uma vez e permitir a existência de um Deus.
Não se trata de duas hipóteses igualmente excessivas ad hoc, e igualmente insatisfatórias? As pessoas que pensam assim não foram conscientizadas pela
seleção natural. A diferença principal entre a hipótese da existência de Deus
genuinamente extravagante e a hipótese aparentemente extravagante do
multiverso é de improbabilidade estatística. O multiverso, com toda a sua
extravagância, é simples. Deus, ou qualquer agente inteligente, capaz de tomar
decisões e de fazer cálculos, teria de ser altamente improvável, no mesmíssimo
sentido estatístico das entidades que se supõe que ele explique. O multiverso
pode parecer extravagante no mero número de universos. Mas, se cada um
desses universos for simples em suas leis fundamentais, não estamos
postulando nada de muito improvável. É preciso dizer exatamente o contrário
sobre qualquer tipo de inteligência.
Alguns físicos são conhecidos por sua religiosidade (Russell Stannard e o
reverendo John Polkinghorne são os dois exemplos britânicos que já
mencionei). Como era de imaginar, eles aproveitam a improbabilidade da
sintonia das constantes físicas em suas razoavelmente estreitas zonas
Cachinhos Dourados para sugerir que deve haver uma inteligência cósmica que
fez a sintonia deliberadamente. Já desqualifiquei todas essas sugestões porque
elas suscitam problemas maiores que os que solucionam. Mas que tentativas
os teístas fizeram de responder? Como eles lidam com o argumento de que
qualquer Deus capaz de projetar um universo, cuidadosa e sagazmente
sintonizado para levar à nossa evolução, precisa ser uma entidade de suprema
complexidade e improbabilidade, que exige uma explicação maior que aquela
que ele supostamente dá?
O teólogo Richard Swinburne, como já aprendemos a esperar, acha que
tem uma resposta para esse problema, e ele a expõe em seu livro Is there a God?. Ele começa mostrando que tem o coração no lugar certo,
demonstrando de modo convincente por que devemos sempre preferir a
hipótese mais simples a se encaixar nos fatos. A ciência explica coisas complexas
em termos da inte-ração de coisas mais simples, até o extremo da interação das
partículas fundamentais. Eu (e ouso dizer você) acho uma idéia de uma
simplicidade encantadora a de que todas as coisas são feitas de partículas
fundamentais que, embora numerosíssimas, provêm de um grupo pequeno e
limitado de tipos de partícula. Se somos céticos, é provável que seja porque
achemos a idéia simples demais. Mas para Swinburne ela não é nada simples,
pelo contrário.
Como o número de partículas de qualquer um dos tipos, elétrons, por
exemplo, é grande, Swinburne acha coincidência demais que tantas tenham as
mesmas propriedades. Um elétron ele engoliria. Mas bilhões e bilhões de
elétrons, todos com as mesmas propriedades, isso é o que realmente instiga
sua incredulidade. Para ele seria mais simples, mais natural, menos carecedor de
explicação, se todos os elétrons fossem diferentes entre si. Pior, nenhum elétron
deveria manter naturalmente suas propriedades por mais que um instante
por vez; cada um deles deveria mudar, caprichosa, aleatória e fugazmente a
cada momento. Essa é a visão de Swinburne para o estado simples, nativo das
coisas. Qualquer coisa mais uniforme (o que eu ou você chamaríamos de mais
simples) exige uma explicação especial. "É só porque os elétrons e pedacinhos de
cobre e todos os outros objetos materiais têm os mesmos poderes no século
XX do que tinham no século XIX que as coisas são como são agora."
Entra Deus. Deus vem ao resgate mantendo deliberada e continuamente
as propriedades de todos esses bilhões de elétrons e pedacinhos de cobre, e
neutralizando sua inclinação inata para a flutuação errática e tresloucada. É por
isso que, quando você vê um elétron, já viu todos; é por isso que pedacinhos de
cobre agem todos como pedacinhos de cobre, e é por isso que cada elétron e
cada pedacinho de cobre permanecem iguais a cada microssegundo e a cada
século. É porque Deus mantém permanentemente o dedo em cada uma das
partículas, contendo seus excessos e organizando-as junto com suas
companheiras, fazendo com que elas fiquem sempre iguais.
Mas como Swinburne pode sustentar que sua hipótese, a de que Deus
mantém 1 zilhão de dedos ao mesmo tempo em elé-trons rebeldes, é uma
hipótese simples! Ela é, claro, exatamente o contrário da simplicidade.
Swinborne se sai com uma peça de chutzpah intelectual de tirar o fôlego. Ele
afirma, sem justificar, que Deus é uma substância única. Que incrível economia
de causas explicativas, comparada com todos aqueles zilhões de elétrons
independentes que só por acaso são iguais!
O teísmo alega que todos os objetos que existem têm uma causa para existir e são mantidos na existência por apenas uma substância, Deus. E alega que todas as propriedades que cada substância tem devem-se ao fato de Deus tê-la causado ou ter permitido sua existência. A marca registrada das explicações simples é postular poucas causas. Não poderia haver, nesse sentido, explicação mais simples que aquela que postula apenas uma causa. O teísmo é mais simples que o politeísmo. E o teísmo postula para sua causa única uma pessoa [com] poder infinito (Deus pode fazer tudo que seja logicamente possível), conhecimento infinito (Deus sabe tudo que seja logicamente possível saber) e liberdade infinita.
Swinburne admite generosamente que Deus não é capaz de realizar
feitos que sejam logicamente impossíveis, e pode-se ficar grato por tal
contenção. Dito isso, não há limite para os fins explanatórios para os quais o
poder infinito de Deus é empregado. A ciência está tendo um pouco de
dificuldade para explicar X? Tudo bem. Deixe X para lá. O poder infinito de Deus é
convocado sem problemas para explicar X (junto com tudo o mais), e é sempre
uma explicação de uma simplicidade suprema, porque, afinal de contas, só
existe um Deus. O que poderia ser mais simples que isso?
Bem, na verdade, quase tudo. Um Deus capaz de monitorar e controlar
permanentemente o status individual de cada partícula do universo não pode
ser simples. Só sua existência já exigirá uma explicação do tamanho de um
mamute. Pior que isso (do ponto de vista da simplicidade), outros cantos da
consciência gigantesca de Deus estão ao mesmo tempo preocupados com os
atos e as emoções e as orações de cada ser humano — e de quaisquer
alienígenas inteligentes que possam existir nos outros planetas nesta e nos 100
bilhões de outras galáxias. Ele até, segundo Swinburne, tem de decidir
constantemente não intervir milagrosamente para nos salvar quando ficamos com câncer. Isso jamais poderia acontecer, porque, "se Deus atendesse à
maioria das orações para que um parente se recuperasse do câncer, o câncer
não seria mais um problema a ser solucionado pelos seres humanos". E aí o que
íamos fazer com todo o nosso tempo livre?
Nem todos os teólogos vão tão longe quanto Swinburne. Mesmo
assim, a notável sugestão de que a Hipótese de que Deus Existe é simples pode
ser encontrada em outros escritos teológicos modernos. Keith Ward, então
professor régio de divindade em Oxford, foi muito claro a respeito da questão
em seu livro God, chance and necessity, de 1996:
Na realidade, o teísta alega que Deus é uma explicação bastante elegante, econômica e pródiga para a existência do universo. É econômica porque atribui a existência e a natureza de absolutamente tudo no. universo a apenas um ser, a causa definitiva responsável pela razão da existência de tudo, inclusive de si mesmo. É elegante porque a partir de uma ideia central — a ideia do mais perfeito ser possível — é possível explicar de forma inteligível toda a natureza de Deus e a existência do universo.
Assim como Swinburne, Ward equivoca-se quanto ao que significa
explicar alguma coisa, e também parece não entender o que significa dizer que
alguma coisa é simples. Não tenho certeza se Ward realmente acha que Deus é
simples ou se o trecho anterior foi apenas um exercício temporário "pelo bem do
argumento". Sir John Polkinghorne, em Science and Christian belief [Ciência e fé
cristã], cita as críticas prévias de Ward ao pensamento de Tomás de Aquino: "Seu
erro básico é supor que Deus é simples em termos lógicos — simples não
apenas no sentido de ser indivisível, mas no sentido bem mais contundente de
que o que vale para qualquer parte de Deus vale para o todo. É bastante
coerente, porém, supor que Deus, embora indivisível, seja internamente
complexo". Ward capta bem a questão aqui. O biólogo Julian Huxley, em
1912, definiu complexidade como "heterogeneidade de partes", termo que
implicava uma espécie particular de indivisibilidade.71
De resto, Ward dá evidências da dificuldade que a mente teológica tem em
perceber de onde vem a complexidade da vida. Ele cita outro cientista-teólogo,
o bioquímico Arthur Peacocke (o terceiro integrante do meu trio de cientistas
religiosos britânicos), afirmando que ele postula a existência, na matéria viva,
de uma "propensão à complexidade cada vez maior". Ward caracteriza isso
como "uma tendência inerente da mudança evolucionária que favorece a
complexidade". Ele prossegue sugerindo que tal tendência "deve ter algum
peso no processo mutacional, para garantir que mutações mais complexas
ocorram". Ward é cético quanto a isso, como devia ser. O impulso evolutivo na
direção da complexidade não vem, nas linhagens em que ele aparece, de
nenhuma propensão inerente à complexidade, nem de mutações tendenciosas.
Ele vem da seleção natural: o processo que, até onde sabemos, é o único capaz
de gerar complexidade a partir da simplicidade. A teoria da seleção natural é
genuinamente simples. Assim como a origem de onde ela parte. Aquilo que ela
explica, por outro lado, é tão complexo que quase não dá para explicar: mais
complexo que qualquer coisa que possamos imaginar, tirando um Deus capaz
de projetá-la.
UM INTERLÚDIO EM CAMBRIDGE
Numa conferência recente em Cambridge sobre ciência e religião, onde
apresentei o argumento que aqui estou chamando de argumento do 747
Definitivo, encontrei o que, para dizer o mínimo, foi um fracasso cordial da
realização de uma reunião de cabeças pensantes em torno da questão da
simplicidade de Deus. A experiência foi reveladora, e gostaria de compartilhá-la.
Primeiro devo confessar (essa é provavelmente a palavra certa) que a
conferência foi patrocinada pela Fundação Templeton. O público era um
pequeno número de jornalistas científicos escolhidos a dedo, da Grã-Bretanha e
dos Estados Unidos. Eu era o pobre ateu em meio aos dezoito palestrantes
convidados. Um dos jornalistas, John Horgan, afirmou que cada um deles
recebeu a bela quantia de 15 mil dólares para participar da conferência, além
de todas as despesas pagas. Isso me surpreendeu. Minha longa experiência
em conferências acadêmicas não inclui nenhum caso em que a audiência (e não
os conferencistas) tenha sido paga para participar. Se eu tivesse sabido, minhas
suspeitas teriam imediatamente sido atiçadas. Estava a Templeton usando seu
dinheiro para subornar jornalistas da área da ciência e subverter sua integridade
científica? John Horgan depois questionou a mesma coisa e escreveu um artigo sobre a experiência.72 Nele, ele revelou, para meu desgosto, que a propaganda
sobre o meu envolvimento como conferencista tinha contribuído para que ele
e outras pessoas superassem suas dúvidas:
O biólogo britânico Richard Dawkins, cuja participação no encontro ajudou a me convencer e a outros companheiros de sua legitimidade, foi o único conferencista que denunciou que as crenças religiosas são incompatíveis com a ciência, irracionais e prejudiciais. Os outros conferencistas — três agnósticos, um judeu, um deísta e doze cristãos (um filósofo muçulmano cancelou sua participação em cima da hora) — ofereceram uma perspectiva claramente distorcida a favor da religião e do cristianismo.
O artigo de Horgan é, ele mesmo, de uma ambivalência cativante.
Apesar de suas reservas, houve aspectos da experiência que ele claramente
valorizou (assim como eu, como ficará claro a seguir). Horgan escreveu:
Minhas conversas com os fiéis aprofundaram minha avaliação dos motivos que levam pessoas inteligentes e cultas a abraçar a religião. Um repórter discutiu a experiência do dom de línguas, e outro descreveu o relacionamento íntimo que mantém com Jesus. Minhas convicções não mudaram, mas as de outros sim. Pelo menos um companheiro disse que sua fé estava balançada em conseqüência da dissecação da religião feita por Dawkins. E, se a Fundação Templeton pode ajudar a proporcionar um passo minúsculo na direção do meu ideal de um mundo sem religião, que mal poderia fazer?
O artigo de Horgan foi republicado pelo agente literário John Brockman
em seu site Edge (muitas vezes descrito como um salon científico on-line),
onde provocou respostas variadas, incluindo a do físico teórico Freeman
Dyson. Respondi a Dyson, citando o discurso que ele proferiu ao receber o
prêmio Templeton. Tenha gostado ou não, quando aceitou o prêmio
Templeton Dyson enviou um sinal poderoso para o mundo. Ele seria tomado
como o endosso da religião por um dos físicos mais destacados do mundo.
Estou satisfeito em fazer parte da multidão de cristãos que não ligam muito para a doutrina da Trindade ou para a verdade histórica dos evangelhos
Mas isso não é exatamente o que qualquer cientista ateu diria, se
quisesse soar cristão? Fiz mais citações do discurso de Dyson, entremeando-as de forma satírica com perguntas imaginárias (em itálico) para um
integrante da Templeton:
Ah, você quer também alguma coisa um pouco mais profunda? Que tal:"Não faço nenhuma distinção clara entre a mente e Deus. Deus é o que a mente se torna quando ultrapassa a escala de nossa compreensão".Já disse o suficiente? Posso voltar à física agora? Ah, ainda não? O.k., então, que tal isso:"Até mesmo na temerária história do século XX, vejo evidências de progresso na religião. Os dois indivíduos que tipificaram os demônios de nosso século, Adolf Hitler e Josef Stálin, eram ambos ateus".*Posso ir agora?
Dyson poderia facilmente refutar a implicação dessas citações de seu
discurso de aceitação do prêmio Templeton se explicasse claramente quais
são as evidências que encontra para acreditar em Deus, num sentido maior
que o sentido einsteniano que, como expliquei no capítulo 1, todos nós
podemos adotar sem ressalvas. Se eu entendo a tese de Horgan, ela é que o
dinheiro da Templeton corrompe a ciência. Tenho certeza de que Freeman
Dyson está muito acima de ser corrompido. Mas seu discurso de aceitação
ainda assim é infeliz, se parece estabelecer um exemplo para outras pessoas.
O prêmio Templeton é duas ordens de magnitude maior que os incentivos
oferecidos aos jornalistas em Cambridge, e foi explicitamente estabelecido
para ser maior que o prêmio Nobel. Numa veia fáustica, meu amigo, o
filósofo Daniel Dennett, uma vez brincou comigo: "Richard, se algum dia você
cair em tempos difíceis...".
Para o bem ou para o mal, participei de dois dias da conferência em
Cambridge, proferindo uma palestra e tomando parte na discussão em várias
outras. Desafiei os teólogos a responder ao problema de que um Deus capaz
de projetar um universo, ou qualquer outra coisa, teria de ser complexo e
estatisticamente improvável. A resposta mais contundente que ouvi foi que
eu estava forçando brutalmente uma epistemologia científica goela abaixo de
* Essa calúnia será discutida no capítulo 7. 206
uma teologia relutante.* Os teólogos sempre definiram Deus como algo
simples. Quem era eu, um cientista, para dizer aos teólogos que o Deus deles
tinha de ser complexo? Argumentos científicos, como os que eu estava
acostumado a empregar em minha área, eram inadequados, já que os
teólogos sempre sustentaram que Deus está fora do âmbito da ciência.
Não fiquei com a impressão de que os teólogos que montaram essa
defesa evasiva estivessem sendo desonestos de propósito. Acho que estavam
sendo sinceros. Mesmo assim, não consegui deixar de me lembrar do
comentário de Peter Medawar sobre O fenômeno humano, do padre Teilhard
de Chardin, ao longo daquela que provavelmente seja a resenha mais
negativa que um livro já recebeu em todos os tempos: "Seu autor só pode ser
eximido de desonestidade porque, antes de enganar os outros, fez de tudo
para enganar a si mesmo".73 Os teólogos de meu encontro em Cambridge
estavam se autodefinindo numa Zona de Segurança epistemológica onde
ficavam imunes aos argumentos racionais, porque haviam decretado que
assim era. Quem era eu para dizer que o argumento racional era o único tipo
admissível de argumento? Existem outros meios de conhecimento além do
científico, e é um desses outros meios de conhecimento que precisa ser
empregado para conhecer a Deus.
O mais importante entre esses outros meios de conhecimento revelou-se a experiência pessoal e subjetiva de Deus. Vários debatedores em
Cambridge alegaram que Deus havia falado com eles, dentro da cabeça deles,
de modo tão real e tão pessoal como qualquer outro ser humano teria falado.
Já tratei da ilusão e da alucinação no capítulo 3 ("O argumento da experiência
pessoal"), mas na conferência de Cambridge acrescentei mais dois pontos.
Em primeiro lugar, se Deus realmente se comunicasse com seres humanos,
esse fato não estaria, de jeito nenhum, fora do âmbito da ciência. Deus
aparece vindo de onde quer que fiquem seus domínios sobrenaturais e
aterrissa no nosso mundo, onde suas mensagens podem ser interceptadas
por cérebros humanos — e esse fenômeno não tem nada a ver com a
* Essa acusação remete ao mni, cujas alegações exageradas discuti no capítulo 2.
ciência? Em segundo lugar, um Deus que é capaz de enviar sinais inteligíveis a
milhões de pessoas simultaneamente, e de receber mensagens de todas elas
simultaneamente, não pode ser, de jeito nenhum, simples. Isso é que é
banda larga! Deus pode não ter um cérebro feito de neurônios, ou uma cpu
feita de silício, mas se possui os poderes que lhe são atribuídos deve ter
alguma coisa de construção bem mais elaborada — e nada aleatória — que o
maior cérebro ou o maior computador que conhecemos.
Continuamente meus amigos teólogos voltavam à questão de que
tinha de haver um motivo para alguma coisa existir, em vez de existir o nada.
É preciso haver uma causa inicial para tudo, e a ela podemos chamar Deus. Sim,
eu disse, mas ela precisa ter sido simples e portanto, seja qual for o modo como a
chamemos, Deus não é um nome adequado (a menos que neguemos de modo
explícito toda a bagagem que a palavra "Deus" carrega na cabeça dos crentes mais
religiosos). A causa primordial que buscamos tem de ter sido a base simples para
um guindaste auto-su-ficiente que acabou elevando o mundo, como nós o
conhecemos, a sua existência complexa atual. Sugerir que esse motor primário e
original era complicado o suficiente para se dar ao luxo de fazer o design
inteligente, sem falar do fato de ler os pensamentos de milhões de seres
humanos ao mesmo tempo, é o equivalente a dar a você mesmo uma mão
perfeita no bridge. Dê uma olhada em volta para o mundo cheio de vida, para a
floresta amazônica com seu rico entrelaçamento de lianas, bromélias, raízes e
arcos; seus exércitos de formigas e suas onças, suas antas e seus porcos-do-mato,
suas pererecas e seus papagaios. Você está olhando para o equivalente estatístico a
uma mão perfeita de baralho (pense em todos os outros modos como você poderia
trocar as partes, sendo que nenhuma funcionaria) — exceto pelo fato de que
sabemos como ela surgiu: pelo guindaste gradual da seleção natural. Não são só
os cientistas que se revoltam com a aceitação muda de que tamanha
improbabilidade tenha surgido espontaneamente; o bom senso também empaca.
Sugerir que a causa primeira, o grande desconhecido que é responsável por alguma
coisa existir, é um ser capaz de projetar o universo e de falar com l milhão de
pessoas simultaneamente é a abdicação completa da responsabilidade de
encontrar uma explicação. É uma manifestação temerosa de um "guinchismo celeste" indulgente e cego.
Não estou defendendo uma espécie de pensamento estritamente
científico. Mas o mínimo dos mínimos que qualquer investigação honesta da
verdade deve ter, ao tentar explicar tamanhas monstruosidades de
improbabilidade como uma floresta tropical, um recife de corais ou um universo,
é um guindaste, e não um guincho celeste. Esse guindaste não precisa ser a
seleção natural. É verdade que ninguém nunca pensou em alternativa
melhor. Mas pode haver outras ainda a ser descobertas. Talvez a "inflação" que
os físicos postulam ter ocupado uma fração do primeiro setilionésimo de
segundo da existência do universo revele-se, quando for entendida melhor, um
guindaste cosmológico que faça par com o biológico de Darwin. Ou talvez o
guindaste elusivo que os cosmólogos buscam seja uma versão da própria idéia
de Darwin: ou o modelo de Smolin ou alguma coisa parecida. Ou talvez seja o
multiverso mais o princípio antrópico encampado por Martin Rees e outros
pesquisadores. Pode até ser um designer sobre-humano — mas, se for esse o
caso, certamente não será um designer que simplesmente apareceu e
começou a existir, ou que sempre existiu. Se (coisa em que não acredito nem
por um instante) nosso universo foi projetado, e a fortiori se o projetista ler
nossos pensamentos e nossas ações com conselhos, perdão e redenção
oniscientes, esse projetista tem de ser o produto final de algum tipo de escada
cumulativa ou guindaste, quem sabe uma versão do darwinismo em outro
universo.
O último recurso da defesa daqueles que me criticavam em Cambridge
foi o ataque. Toda a minha visão de mundo foi condenada, considerada
"oitocentista". É um argumento tão ruim que quase o deixei de fora. Mas
infelizmente eu o encontro com bastante frequência. Nem é preciso dizer que
chamar um argumento de oitocentista não é a mesma coisa que explicar o que
há de errado com ele. Algumas idéias oitocentistas eram muito boas, como a
própria e perigosa idéia de Darwin. De todo modo, essa forma específica de
xingamento pareceu um tanto forte vindo, como veio, de um indivíduo (um
geólogo destacado de Cambridge, certamente já com um bom caminho
andado na faustiana rota para um futuro prêmio Templeton) que justificou sua própria crença cristã invocando o que ele chamou de a historicidade do Novo
Testamento. Foi exatamente no século XIX que teólogos, especialmente na
Alemanha, colocaram em séria dúvida essa suposta historicidade, usando
métodos baseados em evidências do estudo de história para fazê-lo. Isso foi, aliás,
mencionado apressadamente pelos teólogos na conferência de Cambridge.
De qualquer maneira, já conheço o sarcasmo "oitocentista" faz tempo. Ele
vem junto com o ataque do "ateu provinciano". Vem junto com o "ao contrário do
que você parece achar, ha-ha-ha, não acreditamos mais num velhinho de barbas
brancas e compridas, ha-ha-ha". Todas as três piadas são a senha para outra coisa,
assim como, quando morei nos Estados Unidos, no fim dos anos 1960, "lei e
ordem" era a senha para o preconceito contra os negros.* Qual, então, é o
significado oculto de "Você é tão oitocentista" no contexto de uma discussão
sobre religião? É a senha para: "Você é tão bruto, tão pouco sutil, como pode ser
tão insensível e mal-educado a ponto de me fazer uma pergunta dire-ta, à
queima-roupa, como 'Você acredita em milagres?' ou 'Você acredita que Jesus
nasceu de uma virgem?'. Você não sabe que entre pessoas educadas não se faz
esse tipo de pergunta? Esse tipo de pergunta acabou no século XIX". Mas reflita
por que é indelicado fazer perguntas tão diretas e factuais para as pessoas religiosas
hoje em dia. É porque dá vergonha! Só que é a resposta que dá vergonha, se ela
for sim.
A conexão com o século XIX agora está clara. O século XIX foi o último
momento em que foi possível para uma pessoa culta admitir acreditar em
milagres como a gravidez da virgem sem sentir vergonha. Quando pressionados,
muitos cristãos cultos hoje em dia são leais demais para negar a virgindade de
Maria e a ressurreição. Mas isso os faz sentir vergonha porque sua mente racional
sabe que é absurdo, portanto eles preferem não ser questionados sobre o
assunto. Assim, se alguém como eu insiste na pergunta, eu é que sou acusado de
ser "oitocentista". É na verdade uma coisa bem engraçada, se pensarmos bem.
* Na Grã-Bretanha, "centro velho" das cidades [inner cities] tinha o mesmo significado codificado, o
que fez Auberon Waugh mencionar, hilariamente, os "centros velhos de ambos os sexos".
Deixei a conferência animado e revigorado, e com minha convicção
reforçada de que o argumento da improbabilidade — a tática do 747 Definitivo —
é um argumento muito sério contra a existência de Deus, e para o qual ainda não
vi nenhum teólogo dar uma resposta convincente, apesar das várias
oportunidades e convites para fazê-lo. Dan Dennett descreve bem isso como
"uma refutação irrefutável, tão devastadora hoje como quando Filo a usou para
derrotar Cleantes nos Diálogos de Hume, dois séculos antes. Um guincho celeste
no máximo adiaria a solução para o problema, mas Hume não conseguiu pensar
em nenhum guindaste, por isso desabou".74 Darwin, é claro, forneceu o guindaste
vital. Como Hume o teria adorado!
Este capítulo abordou o argumento central do meu livro e, portanto, com o
risco de soar repetitivo, vou resumi-lo numa série de pontos numerados:
1 Um dos grandes desafios para o intelecto humano, ao longo dos séculos, vem
sendo explicar de onde vem a aparência complexa e improvável de design no
universo.
2 A tentação natural é atribuir a aparência de design a um design verdadeiro. No
caso de um artefato de fabricação humana, como um relógio, o projetista
realmente era um engenheiro inteligente. É tentador aplicar a mesma lógica a
um olho ou a uma asa, a uma aranha ou a uma pessoa.
3 A tentação é falsa, porque a hipótese de que haja um projetista suscita
imediatamente o problema maior sobre quem projetou o projetista. O
problema que tínhamos em nossas mãos quando começamos era o da
improbabilidade estatística. Obviamente não é solução postular uma coisa
ainda mais improvável. Precisamos de um "guindaste", não de um "guincho
celeste", pois apenas um guindaste é capaz de avançar de forma gradativa e
plausível da simplicidade para a complexidade, que de outra maneira seria
improvável.
4 O guindaste mais engenhoso e poderoso descoberto até agora é a evolução
darwiniana, pela seleção natural. Darwin e seus sucessores mostraram como as
criaturas vivas, com sua improbabilidade estatística espetacular e enorme
aparência de ter sido projetadas, evoluíram através de degraus gradativos, a partir de um início simples. Podemos dizer hoje com segurança que a ilusão do
design nas criaturas vivas não passa disso — uma ilusão.
5 Não temos ainda um guindaste equivalente para a física. Alguma teoria do tipo
da do multiverso pode em princípio fazer pela física o mesmo trabalho
explanatório que o darwinismo fez pela biologia. Esse tipo de explicação é, na
superfície, menos satisfatório que a versão biológica do darwinismo, porque faz
exigências maiores à sorte. Mas o princípio antrópico nos dá o direito de
postular uma dose de sorte bem maior que aquela com a qual nossa intuição
humana limitada consegue se sentir confortável.
6 Não devemos perder a esperança de que surja um guindaste melhor na física,
algo tão poderoso quanto o darwinismo é para a biologia. Mas, mesmo na
ausência de um guindaste altamente satisfatório equivalente ao biológico, os
guindastes relativamente fracos que temos hoje são, com a ajuda do princípio
antrópico, obviamente melhores que a hipótese contraproducente de um
guincho celeste, o projetista inteligente.
Se o argumento deste capítulo for aceito, a premissa factual da religião — a
Hipótese de que Deus Existe — fica indefensável. Deus, quase com certeza, não
existe. Essa é a principal conclusão do livro até agora. Várias perguntas vêm a
seguir. Mesmo que aceitemos que Deus não existe, a religião não serve para
muita coisa ainda assim? Ela não é reconfortante? Não incentiva as pessoas a
fazer o bem? Se não fosse pela religião, como saberíamos o que é o bem? Por
que, de qualquer maneira, ser tão hostil? Por que, se ela é falsa, todas as culturas
do mundo têm religião? Verdadeira ou falsa, a religião é onipresente, então qual
é a sua origem? É para esta última pergunta que nos voltaremos agora.
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