Imagem: Alex Azabache
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O PT Vai acompanhar a liderança de Lula, que tem muito mais prestígio do que o seu partido, ou vai permanecer fiel aos valores de seu programa histórico?
A extrema direita avança no Brasil e em quase todo o mundo. Nos EUA, o governo de Joe Biden passou de dominador à posição de vítima de sua dominação em relação ao governo de Israel que hoje pauta o governo norte-americano. Os protestos e manifestações contra o genocídio em Gaza nas principais Universidades norte-americanas, bem como as manifestações em toda a Europa, são um sinal forte da perda de apoio eleitoral de Joe Biden. O apoio militar e político ao massacre dos palestinos por Israel tende a favorecer Donald Trump, no plano interno, e Vladimir Putin, no plano internacional. Donald Trump apoia a extrema direita em toda a parte, e Vladimir Putin apoia a extrema direita na Europa.
No Brasil, para garantir a governabilidade, o governo Lula fez concessões à direita. O atual governo reúne a centro esquerda, sem poder, e a centro direita e a direita, com poder. É um governo fraco, conseguiu algumas poucas vitórias a preço de fortes concessões ao mercado, aos militares e aos parlamentares de direita do baixo clero, o chamado “Centrão”.
Como afirmou Frei Betto em seu excelente artigo de maio de 2023 “Políticas sociais mudam a cabeça do povo?”, a resposta a essa pergunta é não. Os avanços alcançados com uma política social progressista não se traduzem necessariamente em votos. Em seu artigo, ele lembra que ”o Brasil conheceu 13 anos de governos do PT que asseguraram à população de baixa renda vários benefícios: Bolsa Família; salário mínimo corrigido anualmente acima da inflação; Luz para Todos; Minha casa, Minha vida; FIES; cota nas universidades; redução drástica da miséria, da pobreza e do desemprego; aumento da escolaridade etc. No entanto, Dilma Rousseff foi derrubada sem que o povo fosse às ruas defender o governo. E Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018. Em 2022, perdeu para Lula pela diferença de apenas dois milhões de votos, de um total de 156 milhões de eleitores”.
Depois desse artigo de Frei Betto, a novidade é que, como ocorre no governo Lula e no governo Biden, os avanços econômicos, assim como os sociais, também não se traduzem em votos. As variáveis macro econômicas – PIB, renda, emprego etc. – têm pouca ou nenhuma influência sobre o comportamento do eleitorado, mais influenciado pelo preço dos alimentos do que por qualquer outro fator econômico. E principalmente influenciado pela rejeição ao mundo político institucional, pela crítica ao “sistema”, típica do discurso reducionista da extrema direita. E Lula, agora, é o “sistema”.
Assim, os benefícios econômicos e sociais trazidos pelo atual governo, em troca de concessões aos empresários, militares e parlamentares de direita, não geram necessariamente apoio eleitoral. Na eleição de 2022, Lula teve uma vitória eleitoral, mas não uma vitória política. O governo Lula implementa uma política econômica conservadora e uma política social progressista, embora reprimindo algumas reivindicações populares.
Respeitando os dogmas do neoliberalismo, como déficit zero e austeridade fiscal, o ministro Fernando Haddad, com seu perfil de PSDB clássico, cumpre hoje um papel igual ao dos ministros conservadores do passado. Fernando Haddad defende principalmente os interesses do mercado financeiro e do agronegócio, e nega aumento de salário para funcionários públicos e diversas categorias como, por exemplo, os professores. E o PT segue atrás, em nome do combate à extrema direita.
Nesse quadro que vem se consolidando, o PT tende a se transformar naquele PSDB do passado que se dizia social democrata, mas apoiava o neoliberalismo? Saberemos provavelmente depois das próximas eleições municipais com a previsível superioridade eleitoral da direita em todo o país. Isso vai pressionar o governo Lula mais à direita, em busca de apoio.
Assustados com o avanço da extrema direita, tende a se fortalecer na esquerda a posição de apoio incondicional ao governo Lula contra a ameaça da extrema direita, já que a direita tradicional foi engolida pelo bolsonarismo. Nas eleições presidenciais de 2026, a tendência é a polarização entre uma candidatura liberal de centro, representada por Lula ou Fernando Haddad, com apoio da centro esquerda e centro direita, e uma candidatura fascista, com apoio da direita e da extrema direita, representada por Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado ou quem vier.
Uma contratendência importante é o que ocorre na eleição municipal de São Paulo, onde o PT apoia Guilherme Boulos, candidato do PSol. Esse é o grande dilema do PT daqui para a frente: fazer aliança com a esquerda ou acompanhar Lula em sua busca de ganhar a direita liberal?
Diante disso, a esquerda não vai desaparecer, mas vai se enfraquecer, dividida em duas posições principais que já são visíveis no horizonte: (a) o apoio crítico ao Governo Lula com medo da extrema direita, mesmo com críticas às vezes maiores do que o apoio, e (b) a coerência com sua agenda tradicional, ensaiando os primeiros passos para uma alternativa de esquerda que, pelo menos no princípio, seria mais ideológica do que política.
O caminho para a esquerda superar esse impasse já foi apontado inúmeras vezes por muitos analistas: a esquerda em geral, principalmente os partidos, os movimentos sociais, os sindicatos e associações profissionais devem sair de suas respectivas bolhas e ir para a base, conversar e politizar suas tradicionais áreas de apoio, com frequência abandonadas. O mesmo vale para a base das igrejas evangélicas, onde estão pobres e oprimidos, vítimas fáceis dos pastores de direita.
Eis o dilema: Decifra-me ou te devoro! O que fará o PT? Vai acompanhar a liderança de Lula, que tem muito mais prestígio do que o seu partido, ou vai permanecer fiel aos valores de seu programa histórico? O PT vai se transformar num partido social democrata com políticas liberais repressivas no econômico e progressistas no social ou, coerente com sua história política, vai se afastar da caminhada de Lula para o centro e centro direita?
O presente texto não tem a intenção de ser afirmativo, muito menos de esgotar o assunto. O objetivo foi analisar algumas contradições e explorar tendências. Alguns traços importantes da conjuntura política já apontam em certas direções. Mas nada é pré-determinado, tudo depende da ação política e do confronto dos atores políticos em defesa de seus interesses. No caso do PT, há vozes discordantes no partido. A polifonia é benvinda.
*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]Veja neste link todos artigos de
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