domingo, 9 de junho de 2024

Judeus e Comunismo na cultura brasileira

© Foto: Domínio público

Bruna Frascolla
strategic-culture.su/

Embora os judeus tenham uma propensão a manter certa unidade cultural na diáspora, o Brasil lhes dá a liberdade de serem apenas uma pessoa individual, reduzindo a pressão do grupo sobre um judeu.

Mesmo com todo o romantismo em torno do Holocausto, e uma presença intensa da esquerda na vida cultural, as questões do antissemitismo e do sionismo tiveram que esperar pela ofensiva do Hamas em 7 de outubro do ano passado, para chamarem realmente a atenção no Brasil. Durante este curto período de tempo, um gentio brasileiro atento terá percebido que a politização do Judaísmo é particularmente intensa nos EUA, e que, onde quer que haja um ativista anti-sionista barulhento, é provavelmente um judeu Ashkenazi de esquerda – e não, digamos, um árabe. Há uma presença árabe enorme no Brasil, mas não é muito relevante para pressionar a Palestina. Por outro lado, nos EUA há uma enorme presença judaica Ashkenazi, e é nesse país que os estudantes podem atrair pessoas para acampar pela Palestina.

A explicação é simples: nem todo país árabe é inimigo de Israel, e o povo brasileiro de ascendência árabe não é reivindicado por estados nacionais do outro lado do globo. Os Judeus Brasileiros, no entanto – especialmente os Judeus Ashkenazi, que inventaram o movimento Sionista – têm do outro lado do globo um Estado nacional que baseia a sua legitimidade em afirmar ser o único espaço seguro neste mundo cheio de anti-semitismo. Então toda barbárie perpetrada por Israel é feita por causa deles, especialmente se eles tiverem vítimas do Holocausto na história familiar. Se um gentio fica horrorizado com as barbáries de Israel, um judeu Ashkenazi de esquerda também fica pessoalmente ofendido e indignado. (Embora o sionismo tenha sido um movimento leigo de esquerda durante uma parte da sua história, agora é principalmente um movimento religioso e de direita.)

Outra coisa que vale a pena notar é a propaganda da direita americanófila (especialmente se for evangélica e liberal econômica), que tenta fazer os brasileiros acreditarem que todo judeu é direitista, e apresenta a esquerda como intrinsecamente antissemita. O nazismo era coletivista e não economicamente liberal, portanto o nazismo era esquerdista, portanto o furioso Ashkenazi que clama pelo fim de Israel é praticamente Hitler. Mas as pessoas que fazem estas denúncias deixarão deliberadamente de mencionar que tal “antissemita” é na verdade um judeu cujos familiares estiveram nos campos de concentração.

Assim, um gentio atento, que observa a bagunça como um estranho, concluirá que é mais fácil pensar em uma parcela de judeus Ashkenazi como tendo mudado de profeta (nos séculos XIX e XX ) , substituindo Karl Marx por Moisés, de modo que o a comunidade deles está hoje dividida em duas partes que se odeiam. Como os Ashkenazi estão por todo o Ocidente, e mantêm as suas comunidades em contacto, e até fundaram um estado nacional no Médio Oriente que é financiado pelos EUA, a sua luta interna está em todo o lado, incluindo o Brasil. Mas só viemos ver isso agora. Por que?

Nossas elites políticas e intelectuais são muito pouco judias

Ao contrário dos EUA (e da nossa vizinha Argentina), o Brasil tem uma comunidade judaica relativamente pequena, sem grande importância na política partidária, nem mesmo como intelectual. Se pensarmos nos políticos judeus de importância nacional, devemos procurá-los nos quadros comunistas. Veremos então que eles geralmente se mantinham na parte intelectual, como Jacob Gorender. Contudo, vale destacar personagens como Jaques Wagner (indicado para o governo da Bahia pelo PT) e David Alcolumbre (membro da importante comunidade sefardita da Amazônia, que veio para o Brasil durante o ciclo da borracha), além de juristas judeus indicados pelo PT ao Supremo (pelo menos Barroso, Fux e Lewandowski).

De qualquer forma, embora os judeus tendam a se destacar nas atividades intelectuais, a intelectualidade brasileira é muito pouco judaica. O típico literato brasileiro vem de família católica, tem inúmeras gerações no Brasil e ganhou notoriedade com o consentimento das oligarquias tradicionais – ou pelo menos era comum antes do início da Nova República (1988), que deu às ONGs mais espaço para exercendo suas intromissões. Seja conservador como Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, ou marxista como Caio Prado Jr. e Moniz Bandeira, a formação cultural de um intelectual brasileiro é esta.

É claro que isso não significa que os judeus tenham pouca influência econômica no Brasil. Há, no entanto, uma diferença realmente grande, para a percepção do público, entre um jornal que tem anunciantes judeus e um jornal que apresenta um importante intelectual judeu. Somente quando os anunciantes Judeus fizerem pressão para uma cobertura pró-Israel, o público (ou na verdade a pequena parte do público que está de facto interessada no assunto) passará a ver os empresários Judeus como um grupo político coerente.

Além disso, devemos notar que os brasileiros são mais propensos a julgar as pessoas individualmente do que a ter preconceitos étnicos ou raciais. Assim como Pelé é Pelé antes de ser negro, Sílvio Santos é Sílvio Santos antes de ser judeu – com a diferença que todo torcedor de Pelé vê que ele é negro, mas nem todo torcedor de Sílvio Santos sabe que ele é judeu. Ser um pioneiro na venda de crédito e ter “Quem quer dinheiro?” como bordão (repetido enquanto ele joga dinheiro para seu público feminino) poderia torná-lo uma perfeita caricatura antissemita de um judeu materialista, mas no Brasil todo mundo adora Sílvio Santos (menos as feministas, que não gostam de ninguém, nem mesmo de Pelé) .

As elites brasileiras são ambíguas em relação ao comunismo

Como Finkelstein conta em The Holocaust Industry , a correlação entre ser um imigrante judeu e ser um comunista era grande o suficiente para incomodar as antigas elites judaicas nos EUA. As tensões entre esta elite e os imigrantes comunistas resultaram tanto no apoio entusiástico ao macarthismo por parte da elite judaica como na luta polarizada dentro da comunidade judaica americana.

No Brasil, as coisas eram muito diferentes. Em primeiro lugar, porque não existiam velhas elites judaicas (o nosso país foi fundado pela Contra-Reforma) e poucos imigrantes Ashkenazi vieram para cá. Então, mesmo que tivéssemos muitos imigrantes comunistas Ashkenazi, as pessoas que chamaram mais atenção para o comunismo no Brasil foram do Exército Brasileiro, com a “Intentona” comunista de 1935 (uma tentativa realmente mal planejada de fazer uma Revolução Comunista com um poucos quartéis militares). Se um brasileiro, durante o ápice do anticomunismo (ou seja, durante o Estado Novo, 1937 – 1945), formasse uma imagem estereotipada de comunista, isso seria a de um soldado de baixa patente. Este poderia ser o caso até 1964, quando os militares fizeram um expurgo dentro do Exército.

Vale a pena notar também que os comunistas e os integralistas (os fascistas brasileiros) mudaram de lugar social. Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas perseguiu integralistas e comunistas. Se os comunistas estavam no Exército, os integralistas estavam na Igreja Católica, nos sindicatos estudantis e nos círculos intelectuais. Durante o período militar (1964 – 1985), porém, o Exército, após uma limpeza anticomunista, procurou perseguir os comunistas, que então estavam na Igreja Católica, nos sindicatos estudantis e nos círculos intelectuais. No final das contas, as elites brasileiras são ambíguas em relação ao comunismo, então não haveria motivos para estigmatizar o judeu como comunista de forma profunda ou por muito tempo. Outro símbolo desta ambiguidade é o próprio Getúlio Vargas, que, de algoz dos comunistas durante a sua ditadura, tornou-se um aliado dos comunistas na democracia, partilhando uma plataforma com Luiz Carlos Prestes.

Embora os judeus tenham uma propensão a manter certa unidade cultural na diáspora, o Brasil lhes dá a liberdade de serem apenas uma pessoa individual, reduzindo a pressão do grupo sobre um judeu. Além disso, os clichês macarthistas que deram origem a tanta politização dentro das comunidades judaicas nos EUA não poderiam aderir aos judeus no Brasil, tanto porque temos muitos gentios comunistas como porque o anticomunismo não tem todo esse poder aqui.





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