sexta-feira, 14 de junho de 2024

Moro, o presidente do TRF-4 e o juiz Danilo Pereira: uma história de rabo preso, vazamento e suspeita de chantagem


Danilo e, na foto ao lado, Marcelo Malucelli e Fernando Quadros caminhando pelas ruas de Curitiba (Foto: Divulgação)

Juiz que ajudou Moro a prender Tony Garcia estava na mira de Toffoli por obstruir investigação, mas não foi afastado por possível manobra do tribunal

Joaquim de Carvalho
brasil247.com/

Ao convocar o juiz Danilo Pereira Júnior para assessorá-lo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, Fernando Quadros, não apenas prestigiou o magistrado como pode ter evitado que ele fosse alvo de uma medida de afastamento do ministro Dias Toffoli, do STF.

Danilo Pereira Júnior passou a responder a um processo administrativo disciplinar aberto por decisão do Conselho Nacional de Justiça na sexta-feira da semana passada. Ele é acusado de descumprir decisão do STF, no caso de Rodrigo Tacla Duran.

Juntamente com os desembargadores Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, em abril do ano passado, Danilo atendeu a pedido do Ministério Público Federal e considerou o juiz Eduardo Appio suspeito e anulou todas as suas decisões relativas à Lava Jato.

Na prática, Danilo e os desembargadores protegeram Sergio Moro, com a revogação da decisão de Appio sobre Rodrigo Tacla Duran.

Appio, que era o titular da Vara que já teve Sergio Moro como responsável, havia suspendido os processos contra Tacla Duran e, consequentemente, o decreto de prisão expedido pelo antecessor.

A decisão de Appio atendeu a uma ordem de Ricardo Lewandowski, na época ministro do STF, que considerou imprestáveis as planilhas da Odebrecht, empresa à qual Tacla Duran havia prestado serviços.

Assim, tornaram-se nulas as provas contra o ex-prestador de serviços da Odebrecht. Tacla Duran ainda acusou Moro e os procuradores da república de parcialidade.

Tacla Duran também apresentou evidências de que foi alvo de extorsão por parte de Carlos Zucolotto Júnior, amigo de Moro e ex-sócio da esposa deste, Rosângela.

Ao responder a processo administrativo no CNJ, Danilo Pereira Júnior deverá ser confrontado com fatos que o ligam a Sergio Moro desde 2004 e que talvez expliquem por que ele protege o ex-juiz.

Tony Garcia foi preso em novembro de 2004, por conta de acusações em torno da intervenção do consórcio Garibaldi.

Na época, para deixar a prisão, aceitou colaborar com Sergio Moro, que era o titular da 2a. Vara Federal de Curitiba, mais tarde transformada em 13a, a Vara da Lava Jato.

A acusação contra Tony Garcia remetia a um caso de dez anos antes (1994, portanto), que Moro havia reativado mediante um expediente que se pode considerar fraudulento.

Moro obteve o depoimento de um ex-diretor do consórcio Garibaldi, Agostinho de Souza, prestado na condição de colaborador.

Agostinho disse que havia sido ameaçado de morte por Tony Garcia e Moro enviou, então, carta a um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para pedir rapidez no julgamento do habeas corpus que havia trancado o processo.

Pouco tempo depois, o STJ cassou a liminar desse habeas corpus, e Moro decretou a prisão de Tony Garcia.

O empresário conta que, primeiramente, Moro enviou supostos emissários para obrigá-lo a trocar de advogado e, alguns dias depois, a cumprir tarefas designadas por ele.

Eram 30 as missões impostas pelo então juiz, só uma delas relacionada ao consórcio Garibaldi. Tony foi obrigado a gravar e ajudar em investigações que envolviam autoridades com prerrogativa de foro, inclusive um desembargador do TRF-4, Edgard Lippmann.

Tony também indicou a Moro o possível endereço onde poderia ser encontrada a fita com a gravação em vídeo da chamada festa da cueca, que reuniu desembargadores e prostitutas no hotel Bourbon, em Curitiba, em novembro de 2003.

Danilo entra nessa história porque foi ele quem orientou o ex-diretor do consórcio Garibaldi Agostinho de Souza a colaborar com Moro.

O próprio Agostinho fez a revelação, no depoimento que prestou em maio de 2005, quando Tony Garcia já era agente infiltrado de Moro.

Na audiência presidida por Moro, o advogado de Tony pergunta a Agostinho, que havia falado a respeito de consultas que fez antes de se apresentar ao juiz:

“Quem foram os advogados consultados, o senhor pode nominar?”

Agostinho responde:

“Um dos que me deu orientação do que poderia acontecer comigo foi um ex-advogado, que hoje é Juiz Federal, Danilo Pereira Júnior, eu pedi orientação pra ele, em que pé que estava ou como é que eu poderia, qual era a minha saída de um processo que eu não sabia o que estava acontecendo.”

Na mesma audiência, o advogado de Tony Garcia pergunta ao ex-diretor do consórcio Garibaldi se ele conhecia Mauritânia Bogus.

Agostinho responde:

“Sim, senhor”

Advogado indaga:

“Ela trabalhava no Consórcio?”

Agostinho:

“Não, senhor”

Advogado:

“Quem que ela é?”

Advogado:

“Ela é esposa do Dr. Danilo… acho que é essa, né? Danilo Pereira Júnior, é isso?

Moro, que preside a audiência, confirma:

“Isso”.

Agostinho responde:

“Ela é esposa hoje do Doutor Danilo Pereira Júnior”.

Moro repete a pergunta advogado:

“Ela trabalhava em alguma empresa do grupo?”

Agostinho:

“Não, senhor”.

E acrescenta o que, na verdade, é a confissão de uma fraude:

“Ela tinha uma contemplação que foi feita em nome dela, como funcionário, e depois foi feito um acerto no final do mesmo esquema que foi feito com outros funcionários”.

Moro pergunta:

“O acerto em relação a quê?”

Agostinho explica. E sua explicação é o relato de uma fraude que envolvia Danilo Pereira Júnior:

“Ao período de trabalho do Doutor Danilo Pereira Júnior, que era… trabalhava na empresa”

O Banco Central descreveu a fraude no relato de intervenção no consórcio. É o item 14, referente a “Mauritânia Bogus (fls 1.626 a 1.637, do volume XI, dos anexos)”:Contrato de alienação fiduciária em branco;
Pagamento do crédito em espécie, conforme cheque número 000011 do Bradesco S.A., conta corrente 115100-2, no valor de Cr$ 2.592.237,15, nominal à consorciada.
Em 11/08/94, foi efetuada simulação de recebimento de parcelas e lance referentes aos lançamentos número 1 a 10 e 12, em percentual equivalente a 33,1393% do preço do bem.
Desvio dos recursos dos grupos em 11/08/94: R$ 4.798,80 (em valores atualizados, R$ 56.224,95).

Em depoimento, Danilo admitiu que foi funcionário do consórcio Garibaldi entre 1990 e 1994, mas não foi perguntado sobre fraude. Sua esposa nem sequer foi intimada, mas o relatório do Banco Central é claro: houve simulação de pagamento, ou seja, fraude.

Pergunta necessária: Danilo ajudou Moro a prender Tony Garcia porque estava sendo chantageado?

Procurei Danilo há alguns meses, mas ele optou por não responder.

Agostinho de Souza foi processado por Tony Garcia na Justiça Estadual do Paraná, por danos morais. Em audiência, ele admitiu que mentiu ao dizer que tinha sido ameaçado de morte.

Como prestou depoimento na condição de colaborador, Agostinho disse o que Moro queria ouvir, e não foi processado.

Em maio e junho de 2023, 18 anos depois de se tornar agente infiltrado de Moro, Tony Garcia deu entrevistas à TV 247 e revelou que cometeu crimes a mando do então juiz Sergio Moro.

Entre outras declarações bombásticas, Tony falou sobre o papel de Danilo Pereira Júnior na trama que o levou à prisão.

Depois das entrevistas à TV 247, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de investigação sobre Moro, que evoluiria para um inquérito.

Segundo reportagem da revista Veja, Danilo Pereira Júnior não estaria entregando cópias de processos e documentos arquivados na 13a. Vara Federal, que ele assumiu depois de votar pela suspeição de Eduardo Appio.

Diante das dificuldades que Danilo estaria criando para o trabalho de dois delegados da PF, no início da semana passada o gabinete de Toffoli teria se reunido para decidir se determinaria o seu afastamento.

A decisão ainda não tinha sido tomada, mas, ao que parece, a possibilidade de afastamento foi vazada, e em razão disso é que o presidente do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, Fernando Quadros da Silva, teria convocado Danilo para trabalhar em seu gabinete.

No último dia 4 de junho, Fernando Quadros foi fotografado caminhando por uma rua de Curitiba, na companhia do desembargador Marcelo Malucelli.

Os dois teriam se encontrado com Danilo Pereira Júnior, naquela mesma tarde, um dia útil, em que deveriam estar trabalhando.

O presidente do TRF-4 não é considerado lavajatista, e, por isso, a ajuda a Danilo Pereira Júnior surpreendeu.

Estaria ele também sendo pressionado?

O 247 procurou o TRF-4 e fez as seguintes perguntas:

Esse cargo para o qual o juiz Danilo foi nomeado já existe?

Se sim, quem ocupa atualmente?

É verdade que ele receberá 10 diárias por mês?

Qual o valor dessas diárias?

O fato do aeroporto de Porto Alegre estar fechado não tornaria a nomeação contraproducente?

O presidente do TRF-4 sabia que Danilo Pereira Júnior poderia ser afastado da 13a. Vara Federal de Curitiba por obstrução da investigação autorizada pelo ministro Dias Toffoli?

Quem ficará responsável pela 13a. Vara?

A resposta da assessoria do tribunal:

O dr. Danilo atuará como juiz auxiliar, em função administrativa. Tais convocações são comunicadas regularmente ao CNJ e ao CJF;

Não há pagamento de diárias, visto que o TRF4 está com o prédio interditado, sem prazo de retorno presencial, e o magistrado atuará de forma remota;

A 13ª Vara Federal de Curitiba ficará com a titularidade plena do juiz federal substituto Guilherme Roman Borges.

Como não houve resposta sobre o vazamento ou não da reunião no gabinete de Dias Toffoli, repeti a pergunta e a resposta do TRF-4 foi sucinta:

“A Instituição responde segundo a lei da transparência”.

Danilo Pereira Júnior terá como uma de suas atribuições revisar casos de primeira instância, onde ele atuava. Ou seja, o presidente do TFR-4 promoveu o juiz que agiu como mão longa de Moro.

A Lava Jato e sua rede continuam funcionando.



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