Tudo porque a extraordinária influência mercado-mídia condicionou o país inteiro, uma matilha de ratos de Pavlov devorando a própria perna.
Para quem quiser entender os malefícios da financeirização, recomendo o livro “Financeirização, crise, estagnação e desigualdade”” especialmente o artigo de abertura de Leda Paulani, que explica, pela teoria econômica, o que denunciamos pela observação empírica.
O jogo é terrível:
A financeirização transforma o dinheiro em produto. O dinheiro deixa de ser meio de troca para se transformar em produto.
Como produto, tudo passa a girar em torno do seu preço: os juros, ou dividendo recebidos.
Há um divórcio total entre o dono do capital e o destino da empresa. Aliás, muitas vezes escrevi sobre a mudança dos capitalismo de família para a era dos CEOs genéricos.
A única medida passa a ser a rentabilidade, o retorno do capital calculado em termos de taxa mensal. A taxa mensal permite comparar investimentos de renda fixa com investimentos em empresas, trazer a valor presente fluxos de caixa etc.
É por isso que o mercadismo atuou fortemente sobre duas taxas referenciais: a taxa Selic, que serve de piso para a renda fixa; e a taxa básica do BNDES, que serve de piso para a renda variável.
Veja dois exemplos: uma empresa com fluxo de resultados de 100 unidades por mês em 84 meses.
Com uma taxa de 13,75% ao ano, em 84 meses, esse fluxo equivalerá a um valor presente de 5.504,71 unidades.
Se a taxa fosse de 8%, o valor presente saltaria para 6.473,54 unidades.
Portanto, bastou subir a taxa piso para, imediatamente derrubar o valor da empresa em 15%, mesmo que o fluxo de resultados permaneça inalterado.
É por aí que se entende as jogadas do mercado para manter a Selic em níveis elevados. Ela serve de parâmetro não apenas para as aplicações de renda fixa, mas para definir o valor presente de qualquer negócio da economia real.
O mesmo ocorreu com o BNDES.
Uma empresa solicita um financiamento. Volte ao exemplo anterior. Suponha um financiamento de R$ 10 milhões, por um prazo de 84 meses. A uma taxa de 13,75% ao ano, a prestação seria de R$ 178.562,39; a 8% ao ano cairia para R$ 153.847,41, uma queda de 14%.
Como tudo é reduzido a uma taxa de retorno, há a financeirização de todos os produtos da economia, aluguéis, recebíveis e a própria rentabilidade das empresas.
Vem daí essa loucura do imediatismo dos CEOs, de cortar custos loucamente, sem pensar na perpetuidade da empresa, porque o que interessa é o resultado do próximo balanço.
Mais que isso. Esse modelo é mantido pelas chamadas políticas de austeridade – de tratar todos os problemas com arrocho fiscal e juros elevados. Essa política mata completamente a possibilidade de crescimento da economia, isto é, do setor privado. Os investimentos se limitam a adquirir empresas em dificuldades, capitalizá-las e vendê-las mais caras.
Mas, em uma economia estagnada, também essa possibilidade é restrita. Esse modelo corta as possibilidades de aposta no setor privado.
A alternativa única passa a ser buscar essa rentabilidade diretamente na dívida pública, apostando nos títulos do Tesouro. Vem daí esse terrorismo fiscal, que assume diversas formas.
Quando, por exemplo, o editorial diz que “gastança de Lula dá mais ganhos a rentistas”, ele não está preocupado com o “mais ganhos para rentista”, mas em justificar o arrocho fiscal. Tem-se um país com orçamentos defasados em universidades, muitas áreas críticas com desfalque de pessoal, sem concurso há mais de uma década. E onde está o sinal de gastança? Segundo o editorial, na escalada da dívida pública, que é função direta da alta taxa Selic.
Essa forma imediatista de pensar espraiou-se por todos os poros, transformando o Brasil em uma nação de terraplanistas-financistas. É só conferir a comemoração da imprensa com o fim das saídas de presos, as críticas ao papel do Supremo Tribunal Federal, a transformação de Tarcísio de Freitas em governante eficiente, apenas porque anunciou privatizações e cortes de despesas – sem sequer a mídia analisar que despesas seriam cortadas.
Por que a festa com a queda do veto presidencial na questão das saídas de presos? Os estudiosos da questão atestam que as saídas – devidamente regulamentadas, de presos sem periculosidade e com bom comportamento, a maioria dos quais já cumpre pena no semi-aberto – é boa para a ressociabilização dos presos e para reduzir as tensões nos presídios. Os terraplanistas dizem que bandido bom é bandido morto. E a mídia? Sua única métrica é Lula. Se a decisão do Congresso significa derrota de Lula, viva o terraplanismo penal. Porque um Lula enfraquecido é mais vulnetável às pressões do mercado.
É por aí que se entende saudar o desmonte da máquina pública, a desvinculação das receitas de educação e saúde, o pouco caso com a situação das universidades e institutos de pesquisa. Tudo porque a extraordinária influência mercado-mídia condicionou o país inteiro, uma matilha de ratos de Pavlov devorando a própria perna.
Amanhã tentarei explorar a maneira de começar a romper com essa loucura dos planos de austeridade, que estão condenando o mundo à estagnação.
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