sábado, 22 de junho de 2024

Sobre escolas civis-militares

Pink Floyd - A Parede

Por OTAVIANO HELENE*
aterraeredonda.com.br/

Qualquer que seja o lado examinado no projeto — agora uma lei — paulista das escolas cívico-militares é ruim

A criação de escolas cívico-militares, projeto transformado na Lei Complementar 1.398/2024, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, recebeu amplas críticas de todos os setores envolvidos na educação. A oposição a este projeto obteve uma quase unanimidade entre educadores, decisores políticos educativos, entidades científicas e sindicais, entidades ligadas aos setores público e privado, administradores e outros profissionais de todas as áreas ligadas à educação: todos ou criticam-nos, independentemente de qualquer ângulo. Uma vez analisado o projeto, surgem problemas.

Embora já tenha recebido muitas críticas, o projeto tem tantos problemas que não pode ser ignorado. Observamos algumas pequenas árvores semeadas.

O texto que encaminha a proposta à Assembleia Legislativa e que justifica (ver PLC 9/2024), logo após um primeiro parágrafo formal, afirma que a implementação será feita “priorizando aquelas [escolas] localizadas em regiões com maior incidência de crime." Tal frase deixa claro que a intenção do projeto não é a educação, nem o ensino, a aprendizagem ou o desenvolvimento de crianças e jovens; caso fosse esse, o primeiro argumento em sua defesa deveria fazer referência aos processos de ensino e aprendizagem.

O problema da criminalidade está fora das escolas e afeta diariamente a vida de toda a população. Isto é o que a polícia deve fazer, incluindo evitar que problemas invadam as escolas e prejudiquem os seus alunos e trabalhadores.

O objetivo do projeto é utilizar a capacidade de trabalho das pessoas residentes para promover o “desenvolvimento de um ambiente escolar adequado, que promova o avanço no processo de ensino-aprendizagem”, justificativa que consta no terceiro parágrafo da carta que encaminhou, deveria não será através do uso de pessoal militar estacionado. Este objectivo seria mais satisfatório se os convidados incluíssem professores, conselheiros educacionais, psicólogos escolares, assistentes sociais ou outros profissionais com muito maior experiência nos problemas das escolas e dos seus alunos.

Outra possibilidade seria convidar pessoas residentes em áreas da saúde, como enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, odontologia, entre muitas outras; Isso responderia a muitas das necessidades dos alunos das escolas públicas, contribuindo para a redução de problemas que afetam o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças e adolescentes. Entre cientistas e professores universitários também seria fácil encontrar muitas pessoas motivadas e dispostas a colaborar à medida que avançamos nos processos de ensino e aprendizagem nas escolas públicas.

Na carta de orientação do projeto, além das poucas justificativas para sua implementação, não há diagnóstico de dois problemas principais do sistema educacional, que seriam essenciais para subsidiar uma lei que complemente a Constituição do Estado cujo objetivo é a desenvolvimento da educação. O parágrafo seguinte da carta contém um erro editorial grosseiro que se torna ininteligível. Este, que não é o único erro em português, denota o descuido em queimar a mensagem ou a falta de respeito pelas pessoas a quem a carta foi endereçada.

Os demais parágrafos também não apresentam justificativas válidas. O referido alinhamento do projeto com o Plano Estadual de Educação não parece ser sustentável. Até mesmo a citação de seu vínculo com a própria resolução do governo estadual parece frágil, a menos que o significado da palavra “seguro”, na afirmação de que as escolas devem oferecer um “ambiente escolar seguro e solidário”, tenha algum entendimento diferente daquele utilizado em nós hoje você educou.

Porquê provar que as corporações militares podem administrar a disciplina dentro das escolas, como o projecto supostamente faz, quando não podemos gerir a disciplina fora das escolas, embora a polícia seja treinada para esta última tarefa, e não pela primeira vez?

Qualquer que seja o lado analisado, ou projeto, agora um lei, é ruim. Não vai ajudar a superar nenhum problema do nosso sistema educativo, que é muito grave. A principal causa de muitas outras é a oferta aos alunos da rede de ensino básico do estado de São Paulo. Este financiamento, destinado à remuneração de professores e outros trabalhadores, à manutenção das escolas, à aquisição de materiais educativos, entre muitas outras despesas típicas de um sistema educativo, não tem de atingir os cinco reais mensais por aluno. Portanto, as escolas não têm condições de atender adequadamente os alunos ou proporcionar aos professores condições de trabalho adequadas e dignas.

A militarização das escolas é um problema maior para a educação pública.

*Otaviano Helene é professor titular do Instituto de Física da USP .

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