Hangzhou, centro tecnológico de 12 milhões de habitantes, à beira de seu lago
Lá, a flexibilidade da empresa privada combina-se com forte coordenação do Estado e seus bancos; e a inovação tecnológica alimenta serviços públicos avançados. Lá, não há democracia liberal, mas ampla coesão da sociedade. Enfrentar este país seria trágico
Por Manuel Castells, em La Vanguardia | Tradução: Antonio Martins
Hangzhou continua balançando às margens de seu belo lago, que se tornou um destino preferido para luas de mel. Antigo centro do comércio de seda facilitado pelo majestoso rio que a atravessa, tem uma significativa história cultural e política, que continua se renovando. Mas a cidade que conheci em 1987 desapareceu. Em seu lugar surgiu uma metrópole de 12 milhões de pessoas, um nó global do setor de comércio pela internet. Ali está a Alibaba, a maior empresa de e-commerce do mundo em número de usuários, maior que a Amazon, com 220 mil trabalhadores e tecnologia de ponta, baseada na nuvem e desenvolvida por seus engenheiros.
Em torno dessa companhia proliferaram empresas auxiliares e de serviços. Juntas, formam um complexo industrial altamente competitivo, com modelo de negócio próprio, baseado em combinar plataformas de entrega a domicílio com a conexão entre fornecedores, seus clientes e empresas financeiras que investiram em todos os mercados.
O fundador da Alibaba, o lendário inovador Jack Ma, tentou criar um império financeiro mediante oferta de ações no mercado internacional sem permissão de Pequim. Foi aí que percebeu que o capitalismo chinês não é como os outros; então, aposentou-se e vive em Tóquio.
Mas onde parece haver ser restrições ao crescimento empresarial está, na verdade, um fator de solidez da economia chinesa. Pois, após várias crises bancárias devidas a operações especulativas, o governo vigia de perto os movimentos do mercado para evitar que sejam ultrapassados limites razoáveis na ambição de expandir o capital sobre bases pouco sólidas.
De fato a China, indiscutivelmente o milagre econômico do século XXI, não é capitalista, mas desenvolveu um híbrido entre a competitividade de suas empresas no mercado global – necessariamente capitalista – e um sistema financeiro interno e serviços públicos geridos pelo Estado. A isso se acrescenta uma visão estratégica sobre onde devem estar os investimentos e os desenvolvimentos tecnológicos em um mundo em plena digitalização, que tem sua máxima expressão na China com o celular como gestor absoluto de toda a vida cotidiana e robôs, desenhados por estudantes, que entregam a comida.
No entanto, a verdadeira força da China reside na coesão social de sua sociedade, ancorada na família, que resiste aos impactos do desemprego juvenil e das aposentadorias insuficientes. Junto à estabilidade proporcionada por um Partido Comunista onipresente, legitimado por uma ideologia nacionalista frente ao estrangeiro e que estrutura a sociedade. De democracia, nem sinal, mas nunca existiu na China, e a grande maioria das pessoas valoriza, acima de tudo, seu bem-estar material e sua estabilidade.
A sombra inquietante é que a China se sinta ameaçada pelos Estados Unidos e se prepare para a guerra comercial e para a outra. Enfrentar essa China, coesa, desenvolvida e tecnologicamente avançada, seria um gravíssimo erro histórico.
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