segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Para ler Gramsci no século XXI

Imagem: Carta Maior

Hegemonia das classes dominantes e dos subalternos. As disputas culturais e de ideias. Os sentidos da emancipação. Guerra de posições e guerra de movimentos. Em novo livro, elementos para (re)ler um autor marxista indispensável


Por Hendrik Davi, no Contretemps | Tradução: Antonio Martins

Resenha de:
L’hégemonie et la revolution — Gramsci, penseur politique
De Yohann Douet
Editora Amsterdam, Paris

O filósofo Yohann Douet publicou recentemente um ensaio importante sobre o pensamento político de Gramsci, intitulado “Hegemonia e Revolução”, pela editora Amsterdam. Hendrik Davi, militante anticapitalista e deputado de Marselha, ele próprio autor do livro “O Capital Somos Nós” (ed. Hors d’atteinte), discute aqui essa obra. Ele destaca a relevância atual do pensamento do militante comunista italiano, questionando sob quais condições esse pensamento pode nos ajudar a refletir hoje sobre a política de emancipação.

Foi com prazer que li o excelente livro de Yohann Douet, intitulado L’hégémonie et la révolution. Gramsci, penseur politique. [“Hegemonia e Revolução: Gramsci, pensador político”]. O autor busca esclarecer o pensamento do famoso líder comunista italiano. Ele detalha como Gramsci concebe o conceito de hegemonia, o que lhe permite criticar de forma convincente as interpretações reformistas e populistas desse mesmo conceito.

Yohann Douet propõe uma visão mais política do que histórica do desenvolvimento do conceito de hegemonia, o que permite examinar sua fertilidade atual. Não sou historiador do pensamento de Gramsci, contudo parece-me que uma análise mais historiográfica de seus escritos, especialmente ao examinar o peso do contexto em que foram produzidos (a prisão, o impacto da revolução bolchevique…) e a evolução de seu pensamento, permitiria aprofundar ainda mais as nuances de sua reflexão. Não tendo as competências para adotar esse olhar sobre a obra de Douet, não me aventurarei mais nesse caminho e me limitarei a uma análise política.

Em muitos aspectos, compartilho da reflexão de Douet. Por isso, neste artigo, começarei resumindo seus pontos fundamentais. Em uma segunda parte, tentarei abordar, como o próprio Douet faz, os aspectos não pensados da visão gramsciana.

A emancipação dos subalternos

Na primeira parte, Yohann Douet relembra o objetivo último de Gramsci, a emancipação das classes subalternas, apresentando-o da seguinte forma:

“O objetivo último de Gramsci, e o horizonte de todas as reflexões dos Cadernos do Cárcere, é a emancipação dos subalternos. Essa saída da subalternidade significa que esses grupos sociais não estarão mais submetidos à iniciativa histórica dos grupos dominantes, não estarão mais confinados às margens da história” (p. 25).

Sua obsessão é que essas classes deixem de sofrer a iniciativa histórica dos grupos dominantes. Retornarei na segunda parte ao uso do próprio conceito de classes subalternas. Neste ponto, é importante notar que, para Gramsci, assim como para Marx, uma classe social não existe em si mesma; há uma construção relacional das classes sociais. Não há, portanto, classes subalternas nem proletariado sem luta de classes. É a exploração capitalista que cria uma classe em si dos proletários, e são suas lutas contra a exploração que criam a classe para si, plenamente consciente de seus interesses e de seu papel histórico.

Para Gramsci, o conceito de hegemonia não faz sentido sem a luta de classes e sem o objetivo da revolução. A revolução é sinônimo, para ele, de autoatividade das classes subalternas. Esse preâmbulo é importante, pois muitos autores tentaram reutilizar o conceito de hegemonia, retirando-o do contexto da luta de classes.

O que é hegemonia?

No segundo capítulo, Yohann Douet começa por fazer a genealogia do conceito de hegemonia. Gramsci herda uma concepção bolchevique dessa noção. Em sua primeira acepção, ela introduz a ideia central de que é preciso construir uma frente de subalternos, particularmente de um campesinato e de uma classe operária, em oposição à burguesia. Nessa construção, é necessário assegurar a hegemonia política da classe operária sobre o campesinato na condução da revolução. Gramsci acrescenta à equação a pequena burguesia progressista, mas a construção do conceito de hegemonia provém daí.

Gramsci vai, em seguida, desenvolver seu raciocínio sobre esse conceito e aprofundar seu questionamento inicial ao examinar como se construiu a hegemonia da burguesia, notadamente através do jacobinismo. Primeiro, a hegemonia de uma classe reflete sua capacidade de dirigir politicamente a sociedade e outras classes sociais. Em seguida, essa hegemonia é obtida tanto pela coerção quanto pelo consentimento. Para Gramsci, assim como para Foucault posteriormente, existe, obviamente, um continuum e uma complementaridade nos diferentes tipos de dominação.

“Não apenas a força e o consentimento estão sempre combinados e unidos dialeticamente, mas Gramsci destaca modos de exercício do poder intermediários entre esses dois polos” (p. 51).

É o caso, por exemplo, quando a burguesia corrompe ou coopta sindicalistas ou intelectuais. Nessa dialética entre coerção e consentimento, o fascismo desempenha um papel histórico particular. Ele é precisamente a forma política que permite reforçar a coerção quando o consentimento falha.

Obviamente, Gramsci insiste na batalha das ideias e na batalha propriamente cultural, que permite reforçar a hegemonia. Ele combate, assim, uma visão puramente economicista, que suporia que a luta de classes depende unicamente das condições materiais e que a ideologia é apenas o espelho das relações de força dentro da infraestrutura econômica. Mas ele insiste que a hegemonia não pode ser tratada apenas como uma batalha ideológica que, embora importante, é apenas uma das suas dimensões.

“Não pode haver uma reforma cultural, isto é, uma elevação civil das camadas oprimidas da sociedade, sem uma reforma econômica prévia e sem uma mudança prévia na posição social e no mundo econômico” [1] (p. 63).

Ainda hoje, entende-se bem que a redução da jornada de trabalho e a transformação das condições em que ele é realizado, para limitar seu caráter alienante, são condições absolutamente necessárias para a produção e difusão de uma contra-hegemonia.

Gramsci também insiste que a hegemonia não pode simplesmente se resumir ao recrutamento das classes sociais a partir de um único ator. A hegemonia se constrói a partir de múltiplos locais de produção, às vezes contraditórios, e se reproduz na atividade dos grupos sociais.

Hegemonia burguesa e hegemonia proletária

Há, evidentemente, uma ambiguidade desde a concepção do conceito de hegemonia. A que podemos descrever historicamente é a da nobreza e do clero, seguida pela da burguesia. Podemos analisar a hegemonia proletária com os mesmos termos? Este é o tema que Yohann Douet estuda a seguir. Ele começa apontando um duplo paradoxo:

“Por um lado, hegemonia e subalternidade são termos contraditórios; por outro lado, (…) uma hegemonia dos subalternos seria, de certa forma, uma hegemonia sem dirigidos” (p. 84).

O paradoxo é resolvido se usarmos o conceito de hegemonia para os subalternos de forma dinâmica para entender como eles podem acabar com a hegemonia da burguesia. A partir desse paradoxo, podemos deduzir as especificidades de uma possível hegemonia proletária. A revolução proletária é necessariamente ativa, com uma hegemonia enraizada na prática, e, portanto, necessariamente democrática. Não pode haver hegemonia proletária sem a atividade revolucionária organizada dos subalternos. Yohann Douet vai mais longe: enquanto a hegemonia burguesa se baseia na dissimulação, a hegemonia proletária deve dizer a verdade.

“A hegemonia burguesa liberal parlamentar é caracterizada pela combinação de força e consentimento, que se equilibra de forma variável”, enquanto “a hegemonia proletária leva o conflito até o fim” [2]. Pois do conflito nasce a tomada de consciência e, portanto, a construção de uma contra-hegemonia.

“A revolução permanente é a estrutura da hegemonia proletária: não no sentido de que esta última deve tomar a forma de um apelo à insurreição em todas as situações (à guerra de movimento), mas no sentido de que ela é inseparável de uma dinâmica de mobilização, das massas subalternas, de uma unificação de sua luta e de uma intensificação, sempre renovada, de sua atividade coletiva.”

Por fim, se a hegemonia burguesa pode ser nacional, a hegemonia proletária é necessariamente internacionalista, embora Yohann Douet relembre que, para Gramsci, ela deve “dar espaço” aos particularismos locais e nacionais.

É evidente que Gramsci não concebe a possibilidade de uma hegemonia proletária sob o capitalismo e, portanto, antes da revolução. Mas há prefigurações dessa hegemonia, necessárias ao processo revolucionário, dentro das organizações que o proletariado estabelece e dentro da sociedade civil. Fragmentos de contra-hegemonia e “focos de democracia proletária” existem nos partidos, sindicatos, empresas autogeridas ou zonas a defender. Mais uma vez, Gramsci destaca o papel muito específico do fascismo. Ele permite eliminar organizações, ou até mesmo indivíduos, que são atores da contra-hegemonia. Ele desarma, no sentido literal, o poder hegemônico do proletariado.

“Após três anos de ataques fascistas (1920-1922), a classe trabalhadora perdeu toda forma e capacidade de organização, sendo reduzida a uma massa sem vínculos, pulverizada, dispersa” (p. 100).

Em seguida, Yohann Douet examina os locais da batalha pela hegemonia, começando pelo Estado e pela sociedade civil, antes de examinar o papel específico dos partidos políticos.

O Estado Integral e a Sociedade Civil

Vamos rapidamente revisar os fundamentos, pois Gramsci permanece muito marxista em sua concepção da superestrutura e leninista em sua concepção do Estado. Para os marxistas, existe uma infraestrutura econômica onde ocorrem as trocas econômicas e a produção material. Essa infraestrutura molda a vida cotidiana e, portanto, também nossas representações ideológicas.

A classe dominante constrói, em paralelo, uma superestrutura com instituições políticas que regulam essas trocas econômicas, geralmente em favor da classe que domina economicamente. A superestrutura organiza a reprodução ampliada da dominação econômica existente na infraestrutura. Ela também tem um papel ideológico fundamental, pois organiza a reprodução das ideologias dominantes através, por exemplo, da escola. Nessa concepção, o Estado, que é o elemento central da superestrutura, está inteiramente a serviço da classe dominante.

Com a sociedade civil, Gramsci organiza um sistema no qual existem dois níveis na superestrutura. Um primeiro nível, o núcleo do Estado, que organiza a vertente coercitiva da dominação, e um segundo nível, a sociedade civil, que desenvolve a vertente “consentimento” dessa hegemonia. Essa distinção é relativa, pois Gramsci está bem ciente de que o Parlamento também produz consentimento. O Estado e a sociedade civil constituem, juntos, o Estado integral com todo o conjunto de dispositivos de dominação e hegemonia.

“O poder não está apenas concentrado nas instituições ou condensado no Estado, mas também, inseparavelmente, disseminado em todo o corpo social”[3].

A sociedade civil apresenta um desafio estratégico para Gramsci, primeiro porque, segundo ele, historicamente ela está mais desenvolvida nas sociedades da Europa Ocidental do que na Rússia, e, por outro lado, porque as classes subalternas têm mais possibilidades de desenvolver organizações autônomas dentro dessa sociedade civil.

Gramsci hierarquiza os poderes, e o poder difuso dentro da sociedade civil depende, em última instância, do poder do Estado. Tomar o poder do Estado continua sendo estratégico. Mas para tomar o poder do Estado, é necessário também atacar as “fortificações e casamatas” que o protegem. A sociedade civil é o local de organização do consentimento, mas também o local de organização dos subalternos. É, portanto, um campo de batalha central.

O Partido Revolucionário

Como travar essa batalha hegemônica dentro da sociedade civil e como tomar o poder? Para Gramsci, esse é o papel central do partido.

“Se a burguesia conseguiu, pelo menos em alguns casos, libertar-se e conquistar a dominação e a hegemonia sem um partido em sentido estrito, o mesmo não pode acontecer com o proletariado e seus aliados” (p. 145).

Em relação ao sindicato, o partido tem como objetivo não apenas a tomada do poder, mas a constituição de uma nova sociedade, fundando “um novo tipo de Estado”. Gramsci afirma que o partido tende mais ou menos a representar os interesses das classes que ele representa. Ele defende, como Lênin, uma forte hierarquização, centralização e disciplina para “tornar eficaz e poderosa um conjunto de forças que, deixadas a si mesmas, contariam como zero” (p. 148).

O partido também se torna um referencial moral. Gramsci, que não defende o pluralismo, reconhece que sua concepção de partido possui um caráter totalitário. No entanto, ele é bastante sensível ao risco de burocratização. Ele escreve:

“Quando o partido é progressista, ele funciona democraticamente; quando o partido é regressivo, ele funciona burocraticamente. Neste último caso, o partido é um mero executor, não deliberante; ele é, então, tecnicamente, um órgão policial” [4].

Apenas uma intensa vida democrática permite vincular organicamente o partido aos interesses das classes subalternas que ele deve representar. Somente essa vida democrática justifica a necessária disciplina na ação.

“Para Gramsci, a burocracia é a força rotineira e conservadora mais perigosa; se ela acaba se constituindo como um corpo solidário, que existe por si mesmo e se sente independente das massas, o partido acaba se tornando anacrônico e, nos momentos de crise aguda, esvazia-se de seu conteúdo social e permanece como que suspenso nas nuvens” [5].

Para que o partido seja eficaz, é necessária uma dupla dialética entre direção e espontaneidade e entre a base e os intelectuais orgânicos.

“Isso é necessário porque o elemento popular sente, mas nem sempre compreende, e o elemento intelectual ‘sabe’, mas nem sempre compreende ou ‘sente'” [6].

Por fim, Yohann Douet relembra que, embora Gramsci tenha analisado o papel dos líderes individuais, ele não acredita que o cesarismo ou o populismo de esquerda, defendidos por Chantal Mouffe, que se reivindica de Gramsci, sejam um caminho a seguir.

“O papel do líder deveria então ser pensado como transitório, como uma mediação evanescente, e uma de suas tarefas seria trabalhar o mais rapidamente possível para superar a si mesmo, estabelecendo estruturas de uma verdadeira organização democrática de massas” (p. 170).

Guerra de Posição e Revolução Passiva

Nos dois capítulos seguintes, Yohann Douet revisita dois conceitos muito importantes no pensamento de Gramsci que se articulam com o conceito de hegemonia.

Em primeiro lugar, para Gramsci, entramos durante os anos 1920 em uma longa guerra de posição com a burguesia das sociedades ocidentais. De fato, nessas sociedades, o Estado central é protegido por uma hegemonia bastante bem estabelecida, inclusive na sociedade civil. Ele, portanto, critica as aventuras revolucionárias (por exemplo, de Rosa Luxemburgo) que envolvem insurreições minoritárias que, se falham, favorecem a repressão. No entanto, segundo ele, não haverá vitória sem a passagem de uma guerra de posição para uma guerra de movimento, com uma tomada de poder que é principalmente considerada no plano militar e não eleitoral.

A guerra de posição se traduz por uma luta capilar que deve se espalhar por todo o corpo social, em oposição a um momento de concentração de energias em um esforço insurrecional. A batalha hegemônica ocupa um lugar evidentemente particular nessa guerra de posição, onde se conquista posição após posição, instituição por instituição. Não se trata, aliás, de uma simples batalha ideológica mais uma vez; essa luta se materializa em uma atividade revolucionária organizada coletivamente.

Nessa guerra de posição, Gramsci mobiliza outro conceito, o de revolução passiva. Este é um meio para as classes dirigentes neutralizarem a atividade das classes subalternas, incorporando com atraso algumas de suas reivindicações. O reformismo do pós-guerra, que incorporou reivindicações sociais, ou, de outra forma, algumas formas de fascismo que incorporam um discurso socializante, são formas de revolução passiva. Esses mecanismos desarmam ideologicamente as classes subalternas.

Concordo com Yohann Douet quando ele explica que o neoliberalismo constitui uma contrarreforma em sentido estrito e não uma revolução passiva, mesmo que a gestão neoliberal possa ter integrado, ao desvirtuá-las, aspirações individuais oriundas das lutas dos anos 1960. Da mesma forma, o “greenwashing” desempenha o mesmo papel hoje, mas acho que confundir o conceito de “revolução passiva” com todas as capacidades do capitalismo de integrar ideias ou hábitos oriundos das classes subalternas, retira do conceito de “revolução passiva” seu caráter de estratégia sistêmica.

Gramsci hoje

Ao longo do livro, Yohann Douet defende de maneira convincente o pensamento de Gramsci diante das críticas leninistas e demonstra claramente o problema dos usos dos conceitos gramscianos pelas teorias reformistas do eurocomunismo ou populistas de Chantal Mouffe. Para resumir, é difícil utilizar o conceito de hegemonia tal como Gramsci o moldou, ignorando a centralidade da luta de classes e das condições econômicas dos subalternos, a natureza de classe do Estado e o papel do partido revolucionário. Deixo que os leitores aprofundem esses temas através da leitura do livro.

Gostaria, em vez disso, de questionar agora alguns pontos do pensamento gramsciano dos quais eu discordo, para examinar como isso modifica a relação entre hegemonia e revolução.

Sentido da História?

Primeiramente, vou retornar a um ponto que considero fundamental e que já tratei em um artigo do Contretemps e no meu livro. No esquema marxista tradicional, existe um sentido da história. Por outro lado, Gramsci insiste continuamente no fato de que o caminho não é mecânico, mas a questão do “sentido da história” não é abordada nesta obra1. Esse sentido da história é dado pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela luta de classes, que a priori atribui ao proletariado um papel histórico no processo revolucionário.

Em contrapartida, parece-me que a evolução histórica não tem um sentido predeterminado e que depende sempre, em última instância, das escolhas humanas. Existem, obviamente, constrangimentos na infraestrutura econômica e na história das superestruturas que determinam futuros possíveis. Mas eles são sempre múltiplos e os caminhos frequentemente muito caóticos. A escolha entre os diferentes futuros possíveis depende sempre, em última análise, das lutas travadas pelos oprimidos e opressores e pelos opressores entre si.

Pensar as coisas assim devolve à democracia e à soberania popular o seu lugar. Não somos meros parteiros de uma tendência histórica; devemos decidir juntos, coletivamente, o que queremos para nós e para nossos filhos. Além disso, os limites ecológicos impõem, necessariamente, um limite ao desenvolvimento das forças produtivas. Isso é uma pedra no sapato da teleologia marxista.

Dizer isso não implica que as condições concretas da exploração capitalista ou da opressão patriarcal e racista não tenham consequências sobre a dinâmica revolucionária e as forças capazes de sustentá-la. Em outras palavras, a exploração capitalista produz mecanicamente a força social portadora de mudança, que é o proletariado. Mas a opressão racista e patriarcal implica que os racializados e as mulheres também tenham papéis específicos a desempenhar nos processos de emancipação. Além disso, as restrições ambientais e as contradições entre a acumulação de capital e os ciclos da natureza também condicionam conjuntamente os futuros possíveis.

Do conceito de classes subalternas

Colocar as coisas de maneira existencialista e não positivista permite aprofundar um conceito insuficientemente pensado no livro: o de “classes subalternas”. Além disso, Yohann Douet utiliza esse conceito. Ele o aborda no livro, mas não o desenvolve suficientemente, embora ele seja central para redefinir hoje o conceito de hegemonia em uma ótica revolucionária.

Se postulamos que não há um sentido da história, então não existe um único tipo de subalterno portador da hegemonia revolucionária. O ponto de partida, que consiste em ver como uma classe de subalternos assume a hegemonia sobre as outras — os operários sobre os camponeses ou os operários sobre a pequena burguesia —, não tem mais a mesma centralidade.

Trata-se, então, de maneira mais pragmática, de examinar como podem convergir diferentes categorias de subalternos que enfrentam diferentes formas de opressão e exploração, produzidas por sistemas de predação do capital sobre o trabalho, dos homens sobre as mulheres, dos brancos sobre os racializados e do centro sobre as periferias.

A hegemonia dos subalternos assume, então, outro significado: o da convergência e da confluência das aspirações diversas em um projeto emancipador comum. A construção de um imaginário pós-capitalista, de programas de transição e de estratégias revolucionárias tornam-se, assim, elementos essenciais da batalha ideológica e da construção de uma contra-hegemonia.

Fundamentos éticos da emancipação

Além disso, se o sentido da história não é dado a priori, isso coloca novamente a questão dos fundamentos metafísicos e éticos de nossas políticas. Em nome de quê, em nome de quais valores, defendemos a emancipação de todas e todos, a igualdade dos cidadãos e a preservação do meio ambiente? Retomo esse assunto em meu livro e em um artigo recente no Contretemps.

Mais uma vez, esse tema impacta a questão hegemônica, pois redefine a batalha ideológica, integrando uma batalha de valores na qual podemos reinvestir valores mais antigos, como o da igualdade. Também insisto em meu livro sobre a resiliência dos relatos e valores passados, que colocam questões estratégicas específicas. Por exemplo, alguns relatos e valores com milhares de anos ainda são poderosos hoje, mesmo que as condições econômicas atuais não tenham mais nada a ver com as de antes.

Produção e reprodução das ideologias

Neste ponto, parece-me interessante definir de forma mais analítica o conceito de hegemonia. Eu definiria a hegemonia como a capacidade de um grupo social de dominar material e ideologicamente outros grupos sociais. As duas formas de dominação se interpenetram. A dominação ideológica requer que os produtores de narrativas ideológicas estejam em posição de serem emissores reconhecidos por outros grupos sociais. Esse reconhecimento geralmente passa por uma dominação econômica. Inversamente, a justificativa da dominação econômica e o consentimento são obtidos pela narrativa ideológica que a acompanha.

O aspecto propriamente ideológico da hegemonia corresponde a informações narradas e coerentes com um objetivo bem definido de reprodução das dominações. Essa mecânica de coerência é, às vezes, perfeitamente consciente, outras vezes construída por improvisações mais ou menos conscientes. Em outras palavras, a intencionalidade pode ser diretamente ditada pelo grupo dominante ou ser selecionada ao longo de processos históricos.

Para ir além de Gramsci, parece-me interessante distinguir melhor a produção dessa ideologia da reprodução da ideologia, cada uma sendo o objeto de instituições específicas. Foi Althusser quem destacou a questão da reprodução da hegemonia. Essa abordagem analítica permite mapear melhor os campos de batalha ideológicos na luta por uma contra-hegemonia. A produção ocorre nas universidades, think tanks, clubes associados a grandes empresas e no Estado. A reprodução ocorre na escola, que substituiu as igrejas, e na família.

Formalizar as coisas permite, assim, iluminar locais estratégicos para nós. A universidade é um deles. O que acontece nas grandes escolas francesas e nas universidades americanas hoje sobre Gaza é central. Em muitos aspectos, a contra-hegemonia domina esses locais de produção da hegemonia. Esse fenômeno não é completamente novo; já o vimos nos anos 1960 e 1970. Um dos objetivos das reformas neoliberais na pesquisa e no ensino superior é, aliás, alinhar essas instituições.

Da mesma forma, os institutos de pesquisa também se tornaram locais de documentação dos danos do capitalismo. Os cientistas podem se tornar obstáculos para os lucros tranquilos. Essa mudança forçou os dominantes a adaptar suas estratégias favorecendo os vendedores de dúvidas, primeiro na indústria do tabaco, depois para os pesticidas e, finalmente, sobre o clima.

A escola é outro local central de reprodução das classes sociais. Isso já está, inclusive, muito bem documentado, sem ser uma novidade. Isso já era o caso antes das contrarreformas neoliberais. Nosso projeto político deve, portanto, enfrentar a questão da reprodução das dominações no campo escolar. Essa reprodução cruza outras formas de opressão, como estereótipos racistas e sexistas. Finalmente, a família continua sendo o local por excelência da reprodução das dominações. O patriarcado ainda desempenha um papel central nessa reprodução. É aqui que se vê a articulação entre a reprodução da sociedade de classes, o imaginário produtivista e o sexismo. Isso permite ver como o ecofeminismo e as lutas anticapitalistas podem convergir.

Essa análise permite aprofundar nossa topologia dos locais e instituições nos quais devemos investir com três objetivos: (i) produzir novas ideologias e novas narrativas, (ii) bloquear a reprodução das ideologias dominantes, (iii) favorecer a reprodução das contra-ideologias.

Tomar o poder

Gostaria de concluir este artigo retomando a questão estratégica, pois, mais uma vez, isso condiciona as relações entre hegemonia e revolução.

Gramsci permanece em uma opção estratégica de tomada do poder do Estado, com, ao final, uma guerra de movimento ainda essencialmente vista sob o ângulo insurrecional. Ele não considera seriamente uma tomada de poder pelas urnas, embora considere o parlamentarismo mais seriamente do que outros. Isso me parece lógico quando se escreve na prisão sob um poder fascista. Mas o que dizer quando os direitos democráticos ainda existem e a participação nas eleições é possível? Parece-me que não se pode descartar a possibilidade estratégica de alcançar, pelo menos parcialmente, o controle do aparelho de Estado vencendo eleições.

Sob esse ângulo, a questão hegemônica é totalmente reformulada. É necessário então se debruçar não apenas sobre os grupos sociais em movimento por reação dialética à opressão e à exploração, mas também de forma mais ampla sobre todo o bloco popular que pode se tornar majoritário no país durante as eleições.

Pode-se então reformular o debate estratégico em duas perguntas: qual batalha hegemônica, por um lado, para fazer emergir um bloco popular majoritário? E, por outro lado, como garantir que aqueles que desejam enfrentar a burguesia assumam a liderança do bloco em relação àqueles que preferem adotar uma estratégia de conciliação de classes?

Em caso de vitória eleitoral, a questão hegemônica levanta outros tópicos centrais: a transformação do aparelho de Estado, as relações com a polícia, o exército e o risco de golpe de Estado, a estratégia de contágio revolucionário para outros Estados e a resistência à reação estrangeira…

Para realizar todas as tarefas que decorrem das diferentes fases da batalha pela hegemonia, é necessário construir, ao longo do tempo, uma força política consciente de si mesma, capaz coletivamente de definir, caso a caso, as diferentes respostas táticas. Isso se baseia de maneira central na questão do partido revolucionário. Nesse caso, ele deve reunir todos aqueles e todas aquelas que têm a convicção de um necessário além do capitalismo para caminhar em direção a uma sociedade emancipada do produtivismo, do patriarcado e do racismo. A reformulação dos desafios entre hegemonia e revolução não retira a atualidade da construção democrática de tais partidos.

Agradecimentos: a Thylia Moriset-Pons e Yohann Douet pela revisão.


Notas

[1] Cahier 13, §1, p. 358-359 (in Antonio Gramsci, Cahiers de prison, Paris, Gallimard, 1978-1996, 5 vol.)

[2] Cahier 13, §37, p. 434.

[3] Razmig Keucheyan, Hémisphère gauche. Une cartographie des nouvelles pensées critiques, Paris, La Découverte, 2010, p. 66.

[4] Cahier 14, §34, p. 49.

[5] Cahier 13, §23, p. 401.

[6] Cahier 11, §67, p. 299.

[7] Voir : « L’Histoire et la question de la modernité chez Antonio Gramsci ». Yoham Drouet. Classiques Granier.




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