Luiz Inácio Lula da Silva vota nas eleições municipais (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
"Ainda que seja precipitado cravar uma resposta, pode-se deduzir que para Lula, pessoalmente, o resultado pode não ser comprometedor", escreve Jeferson Miola
Jeferson Miola
Há quem argumente, no governo e no PT, que o resultado saído das urnas no último domingo é favorável ao governo, porque os partidos que ocupam ministérios e formam a base no Congresso saíram-se vitoriosos.
A realidade concreta, no entanto, não é bem assim.
A eleição municipal consagrou a vitória daqueles partidos fisiológicos e oportunistas que participaram e apoiaram ativamente o governo fascista-militar do Bolsonaro e que agora comandam áreas relevantes no governo Lula sem, contudo, qualquer lealdade política e programática a ele.
Gilberto Kassab, o camaleônico presidente do PSD, não deixa dúvidas a esse respeito. “Meu projeto é Tarcísio. Eu vou estar alinhado com o projeto que seja compatível com o projeto do Tarcísio, seja ele governador ou presidente”, declarou.
Tratam-se de partidos políticos que parasitam todos os governos, de qualquer lado do espectro ideológico, e que se afiguram como o principal fator do atraso, da corrupção e da pilhagem dos fundos públicos e do orçamento nacional.
Esse campo da direita adesista, junto com a extrema-direita oposicionista, obteve 25,4 milhões votos a mais em relação à eleição municipal de 2020, um crescimento de 49,7%, conforme se observa no quadro:
De outra parte, o bloco partidário de esquerda e centro-esquerda, no seu conjunto, estacionou em relação à eleição municipal de 2020, com crescimento ínfimo de 1,8%, significando 400 mil votos a mais [quadro acima].
A vitória, portanto, daqueles partidos neoliberais, conservadores e fisiológicos mais beneficia a direita aboletada no governo do que o próprio governo, que aumenta o poder de pressão e chantagem. E aumenta, também, a capacidade de obstruir a concretização do programa pelo qual Lula foi eleito em 2022.
Argumenta-se, além disso, que o resultado eleitoral foi positivo para o PT porque o Partido do presidente Lula passou de 183 prefeituras conquistadas em 2020 para 248 em 2024.
O dado é correto, mas é preciso se considerar, no entanto, que 92,3% das cidades [188] nas quais o PT venceu possuem até 20 mil habitantes, outras 41 [16,5%] têm entre 20 mil e 50 habitantes e 15 [6%] até 100 mil habitantes [quadro].
Ou seja, um melhor desempenho nos grotões, em contraste com conquistas irrisórias nos centros urbanos mais populosos e de maior relevância na disputa política, cultural e ideológica do país.
Nos maiores centros, o PT conquistou apenas duas [0,8%] das 178 cidades com população entre 100 mil e 200 mil, somente duas [0,8%] das 158 cidades com mais de 200 mil habitantes, e nenhuma capital [quadro acima].
No segundo turno o PT disputa a eleição em 11 municípios com mais de 200 mil habitantes, o que pode representar uma oportunidade para atenuar esta realidade.
Mas, se para o PT e para o campo de esquerda e centro-esquerda o resultado da eleição foi desfavorável, pode-se dizer que também terá sido eleitoralmente prejudicial para o governo Lula e para sua reeleição em 2026?
Ainda que seja precipitado cravar uma resposta, pode-se deduzir que para Lula, pessoalmente, o resultado pode não ser comprometedor.
Isso porque pesquisas mostram que [i] o eleitor lulista não é, automaticamente, um eleitor petista; e que [ii] o eleitor lulista tem perfil mais conservador que progressista, e vota em candidatos da direita conservadora e reacionária que integra o governo, e, inclusive, até na extrema-direita.
Em certo sentido, o lulismo enquanto fenômeno eleitoral é um “ativo privativo” do Lula, mais além do PT ou do conjunto da esquerda. O eleitorado do Lula não é fielmente aderente ao campo da esquerda como o eleitorado do Bolsonaro é fiel a candidaturas direitistas e extremistas.
Lula raciocina pragmaticamente com esta realidade. À luz da paisagem desenhada pela eleição municipal, ele deverá reconfigurar o arranjo de governabilidade para tocar a segunda metade do seu mandato e construir sua reeleição em 2026 mesmo que ao preço de entregar ainda mais nacos de poder e de orçamento a Kassabs da vida.
A questão é saber se essa escolha compensará eventuais perdas de base social e eleitoral que poderá se deslocar para o extremismo caso o governo não consiga responder às dramáticas urgências da maioria do povo brasileiro que não se alimenta de aumentos anunciados do PIB, como dizia Maria da Conceição Tavares.
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