(Foto: Xinhua/Yue Yuewei)
"Indivisibilidade da segurança, como vista pela Rússia-China, significa a aplicação de fato da Carta das Nações Unidas. O resultado seria paz em nível global"
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A indivisibilidade da segurança, tal como vista pela Rússia-China, significa a aplicação de fato da Carta das Nações Unidas. O resultado seria paz em nível global – e, em consequência, o dobre fúnebre para a OTAN.
Uma semana antes da absolutamente crucial cúpula dos BRICS em Kazan, a Organização de Cooperação de Xangai realizou sua cúpula em Islamabad.
Essa convergência é importante por diversas razões. A cúpula no Paquistão envolveu o Conselho de Chefes de Governo dos estados-membros da OCX. Dela saiu um comunicado conjunto ressaltando a necessidade de implementar decisões tomadas na cúpula anual da OCX realizada em junho último em Astana: foi lá que os chefes de estado de fato se reuniram, inclusive o Irã, novo membro da OCX.
A China, após a presidência rotativa da OCX ter sido ocupada por seu aliado próximo, o Paquistão – hoje dominado por um suspeitíssimo governo que conta com o total apoio dos capangas militares que mantêm na cadeia o ultrapopular primeiro-ministro Imran Khan – assumiu oficialmente a presidência da OCX para 2024-2025. E o nome do jogo, como seria de se prever, é negócios.
O lema da presidência chinesa é – o que mais seria? – “ação”. Pequim, portanto, não demorou a dar início à implementação de uma sinergia mais intensa e mais rápida entre a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) e a União Econômica Eurasiana (UEEA), onde a potência predominante é a Rússia.
Muda a cena para a parceria estratégica Rússia-China avançando em ritmo acelerado na construção de corredores econômicos transeurasianos. O que nos leva a dois importantes subenredos de conectividade que ganharam proeminência na cúpula de Islamabad.
Pegando a estrada na estepe - Comecemos com a fascinante Rodovia da Estepe – que é uma ideia mongol que se cristaliza como um corredor econômico aperfeiçoado. A Mongólia é observadora na OCX, e não um membro pleno: as razões para tal são bastante complexas. Mesmo assim, o Primeiro-Ministro russo Mikhail Mishustin falou com grande entusiasmo sobre a Rodovia da Estepe com seus interlocutores.
Os mongóis trouxeram a ideia da Taliin Zam (“Estrada da Estepe” em mongol) ainda em 2014, contendo nada menos que “Cinco Grandes Passagens”: um labirinto de infraestrutura de transporte e energia a ser construído com investimentos totalizando no mínimo 50 bilhões.
Incluídos aí estão um via expressa transnacional de 997 quilômetros ligando a Rússia à China; 1.100 quilômetros de infraestrutura ferroviária eletrificada; a expansão – já em funcionamento – da Ferrovia Transmongólia – de Sukhbaatar, no norte, a Zamyn-Uud, ao sul; e o Dutistão, é claro, como nos novos dutos de petróleo e gás ligando Altanbulag, no norte, a Zamyn-Uud.
O Primeiro-Ministro mongol, Oyun-Erdene Luvsannamsrai, mostrou tanto entusiasmo quanto Mishustin, anunciando que a Mongólia já finalizou trinta e três projetos da Rodovia da Estepe.
Esses projetos se alinham de forma bastante precisa com o Corredor Transeurasiano da própria Rússia – um labirinto de conectividade que inclui a Ferrovia Trans-siberiana , a Ferrovia Trans-Manchúria e a Linha Principal Baikal Amur.
Em junho, na cúpula da OCX, Putin e o presidente mongol Ukhnaagiin Khurelsukh tiveram discussões bastante prolongadas sobre detalhes estratégicos da logística eurasiana.
Putin, então, visitou a Mongólia em inícios de setembro, para o 85º aniversário da vitória conjunta soviético-mongol sobre os japoneses no Rio Khalkhin Gol. Putin foi recebido como um astro do rock.
Tudo isso faz total sentido estratégico. A fronteira entre Rússia e Mongólia tem 3.485 quilômetros. A União Soviética e a República Popular da Mongólia estabeleceram relações diplomáticas há mais de um século, em 1921. Os dois países vêm trabalhando conjuntamente em projetos de importância máxima, como o Gasoduto Transmongol – mais uma conexão Rússia-China; na modernização da joint venture Ferrovia Ulaanbaatar; no fornecimento de gasolina pela Rússia ao novo Aeroporto Internacional de Chinggis Khaan; e na construção, pela estatal russa Rosatom, de uma usina nuclear.
A Mongólia possui uma proverbial riqueza em recursos naturais, de minerais de terra rara (cujas reservas podem totalizar espantosas 31 milhões de toneladas) a urânio (reservas previstas em 1,3 milhões de toneladas). Embora aplique o chamado enfoque do Terceiro Vizinho, a Mongólia tem que manter um cuidadoso equilíbrio, uma vez que o país vive sob o constante radar dos Estados Unidos e da União Europeia, com todo o Ocidente Coletivo pressionando por menos cooperação da Eurásia com a Rússia-China.
É natural que a Rússia detenha uma grande vantagem estratégica sobre o Ocidente, uma vez que Moscou não apenas trata a Mongólia em pé de igualdade, mas também é capaz de atender às necessidades de sua vizinha em questões de segurança energética.
O que torna essa parceria ainda mais atraente é que Pequim vê a Rodovia da Estepe como “altamente consistente” com a ICR, mostrando seu proverbial entusiasmo ao saudar a sinergia e a “cooperação ganha-ganha” entre os dois projetos.
Não se trata de uma aliança militar - Complementando a iniciativa da Rodovia da Estepe, o Premier chinês Li Qiang foi ao Paquistão não apenas para a cúpula da OCX, mas também com uma prioridade em termos de conectividade: avançar para o próximo estágio do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), de 65 bilhões de dólares, que pode ser visto como o carro-chefe da ICR.
Li e seu colega paquistanês Sharif, por fim, inauguraram o Aeroporto Internacional Gwadar, no sudoeste do Baluquistão, de enorme importância estratégica e com financiamento chinês – superando todos os obstáculos, e enfrentado ataques intermitentes da guerrilha separatista baluqui, financiada pela CIA.
O CECP é um extremamente ambicioso projeto de desenvolvimento de infraestrutura de múltiplos níveis, abrangendo diversos nós, começando na fronteira China-Paquistão, no passo de Khunjerab, descendo pela rodovia Karakoram, hoje melhorada, rumo ao sul através de todo o Baluquistão e seguindo até o Mar Árabe.
Futuramente, é possível que o CECP venha a incluir um gasoduto partindo de Gwadar e seguindo em direção ao norte até Xinjiang – minimizando ainda mais a dependência da China na energia transportada através do Estreito de Malaca, que pode, a qualquer momento, ser bloqueado pelo Hegêmona.
A cúpula da OCX anterior à dos BRICS, realizada no Paquistão, mais uma vez afirmou a sinergia de diversos aspectos relativos a ambos os organismos multilaterais. Os estados-membros da OCX – dos centro-asiáticos até a Índia e o Paquistão – em sua esmagadora maioria, entendem o raciocínio russo quando se trata da inevitabilidade da Operação Militar Especial.
A posição chinesa, oficialmente, é um prodígio de equilíbrio e suave ambiguidade. Embora Pequim enfatize seu apoio ao princípio de soberania nacional, não houve condenação chinesa à Rússia e, ao mesmo tempo, a China jamais culpou diretamente a OTAN pela guerra de fato.
A conectividade geoeconômica é, basicamente, a prioridade para as principais potências da OCX e para os parceiros estratégicos Rússia-China. Desde inícios da década de 2000, a OCX evoluiu do contraterrorismo à cooperação geoeconômica. Mais uma vez, em Islamabad, ficou claro que a OCX não irá evoluir para uma aliança militar ao modo de uma anti-OTAN.
O mais importante agora, para todos os membros, além da cooperação geoeconômica, é o combate à guerra de terror travada pelo Ocidente – que fatalmente atingirá seu máximo com o iminente e humilhante fracasso do Projeto Ucrânia.
Um mecanismo que poderia solidificar ainda mais a OCX e preparar o caminho para uma futura fusão com os BRICS é o conceito chinês de Iniciativa de Segurança Global, que se encaixa com o projeto russo apresentado aos Estados Unidos – e rejeitado por eles – em dezembro de 2021, apenas dois meses antes de a Operação Militar Especial ser vista como inevitável.
A China propõe “defender o princípio de segurança indivisível”, bem como “construir uma arquitetura de segurança equilibrada, eficaz e sustentável”, opondo-se firmemente à “construção da segurança nacional com base na insegurança dos demais países”. Esses são conceitos que todos os membros da OCX, para não mencionar os BRICS – subscrevem.
Em resumo, a indivisibilidade da segurança, tal como entendida pela China-Rússia, significa a aplicação de fato da Carta das Nações Unidas. O resultado seria paz em nível global – e, em consequência, o dobre fúnebre para a OTAN.
Embora a indivisibilidade da segurança ainda não possa ser adotada por toda a Eurásia – uma vez que o Hegêmona emprega uma guerra de terror em diversas frente, com o objetivo de solapar o surgimento de um mundo multimodal – a conectividade transfronteiras em modo ganha-ganha continua a se espraiar, desde a Rodovia da Estepe até os corredores da Nova Rota da Seda.
Tradução de Patricia Zimbres
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