Imagem: Alexandru Taradaciuc
Por RICHARD D. WOLFF*
As mudanças sociais contemporâneas dentro e fora do império podem reforçar, retardar ou reverter o declínio. No entanto, quando os líderes negam a sua existência, isso pode acelerar o processo
As evidências sugerem que os impérios muitas vezes reagem aos períodos em que entram em declínio expandindo demais seus mecanismos de sobrevivência. Ações militares, problemas de infraestrutura e demandas de bem-estar social podem então se combinar ou entrar em conflito. Acumulam-se assim custos e efeitos de reação que o império em declínio não consegue administrar. Políticas destinadas a fortalecer o império — e isso já aconteceu na história — agora o minam.
As mudanças sociais contemporâneas dentro e fora do império podem reforçar, retardar ou reverter o declínio. No entanto, quando os líderes negam a sua existência, isso pode acelerar o processo. Nos primeiros anos dos impérios, os líderes e os liderados podem reprimir aqueles entre eles que enfatizam ou que apenas ousam mencionar o declínio. Os problemas sociais também podem ser negados e/ou minimizados; se admitidos, podem ser atribuídos a bodes expiatórios convenientes — imigrantes, potências estrangeiras ou minorias étnicas — em vez de serem associados ao declínio imperial.
O império dos EUA, audaciosamente proclamado pela Doutrina Monroe logo após duas guerras de independência vencidas contra a Grã-Bretanha, cresceu ao longo dos séculos XIX e XX e atingiu o pico durante as décadas entre 1945 e 2010. A ascensão do império dos EUA coincidiu com o declínio do império britânico. A União Soviética representou desafios políticos e militares limitados, pois nunca chegou a competir ou a ser uma ameaça econômica séria.
A Guerra Fria foi uma disputa desequilibrada cujo resultado estava programado desde o início. Todos os potenciais concorrentes ou ameaças econômicas do império dos EUA foram devastados pela Segunda Guerra Mundial. Nos anos seguintes, a Europa perdeu suas colônias. A posição global única dos Estados Unidos então, com sua posição desproporcional no comércio e investimento mundiais, era anômala e provavelmente insustentável. Uma atitude de negação na época em que o declínio era quase certo se transformou agora numa negação, momento em que o declínio está bem encaminhado.
Os Estados Unidos não conseguiram prevalecer militarmente sobre a Coreia em sua guerra de 1950-53. Os Estados Unidos perderam guerras subsequentes no Vietnã, Afeganistão e Iraque. A aliança da OTAN foi insuficiente para alterar qualquer um desses resultados. O apoio militar e financeiro dos EUA à Ucrânia e a guerra maciça de sanções dos Estados Unidos e da OTAN contra a Rússia se mostram como fracassos até o momento e, provavelmente, permanecerão assim. Os programas de sanções dos EUA contra Cuba, Irã e China também falharam. Enquanto isso, a aliança BRICS neutraliza as políticas dos EUA para proteger seu império, incluindo sua guerra de sanções, com eficácia crescente.
Nos domínios do comércio, investimento e finanças, é possível avaliar o declínio do império dos EUA de maneira diferente. Um índice é o declínio do dólar americano como reserva dos bancos centrais dos outros países. Outro índice é o volume do comércio, empréstimos e investimentos em declínio.
Considere-se, pois, o declínio do dólar americano ao lado dos ativos denominados em dólares como meios internacionalmente desejados de manter a riqueza. Em todo o Sul Global, países, indústrias ou empresas que buscavam comércio, empréstimos ou investimentos costumavam ir para Londres, Washington ou Paris por décadas; eles agora têm outras opções. Em vez disso, eles podem ir para Pequim, Nova Delhi ou Moscou, onde muitas vezes garantem condições mais atraentes.
O império confere vantagens especiais que se traduzem em lucros extraordinários para as empresas localizadas nos países dominados. O século XIX foi notável por seus intermináveis confrontos e lutas entre impérios que competiam por território para dominar e, portanto, pelos lucros mais altos de suas indústrias. O declínio de qualquer império pode aumentar as oportunidades para impérios concorrentes. Se o último agarrasse essas oportunidades, o declínio do primeiro poderia piorar. Um conjunto de impérios concorrentes provocou duas guerras mundiais no século passado. Outro conjunto parece cada vez mais motivado a entregar guerras mundiais piores, possivelmente nucleares, neste século.
Antes da Primeira Guerra Mundial, circulavam teorias sobre a evolução das corporações multinacionais; as megacorporações deixariam de ser meramente nacionais — e que isso reduziria os riscos de novas guerras. Proprietários e diretores de corporações cada vez mais globais trabalhariam contra a guerra entre os países como uma extensão lógica de suas estratégias de maximização de lucros. As duas guerras mundiais do século minaram a plausibilidade dessas teorias.
O mesmo aconteceu com o fato de que as megacorporações multinacionais compraram cada vez mais governos e subordinaram as políticas estatais às estratégias de crescimento concorrentes dessas corporações. A competição capitalista governou as políticas estatais pelo menos tanto quanto o contrário. De sua interação surgiram as guerras do século XXI no Afeganistão, Iraque, Síria, Ucrânia e Gaza. Da mesma forma, a partir de sua interação, surgiram crescentes tensões entre os EUA e a China em torno de Taiwan e do Mar da China Meridional.
A China apresenta um problema analítico único. A metade capitalista privada de seu sistema econômico híbrido exibe imperativos de crescimento paralelos àquelas economias puramente capitalistas. No entanto, as empresas estatais que compõem a outra metade da economia da China exibem diferentes impulsos e motivações.
O lucro aí é menos importante do que para as empresas capitalistas privadas. Da mesma forma, o domínio do Partido Comunista sobre o Estado — incluindo a regulamentação estatal de toda a economia chinesa — introduz outros objetivos além do lucro. E eles também passam a governar as decisões empresariais. Como a China e seus principais aliados econômicos formam agora o BRICS e essa associação compete agora com o império em declínio dos EUA e seus principais aliados econômicos (G7). A singularidade da China pode produzir um resultado diferente em comparação com os confrontos imperialistas anteriores.
No passado, um império muitas vezes suplantou outro; tivemos, por isso, os impérios norte-americano, britânico e assim por diante. Esse pode ser o nosso futuro se o presente século se tornar “chinês”. No entanto, na história, a China já se sustentou como potência imperial, mas isso surgiu e terminou; trata-se de uma marca única. O passado da China e sua atual economia híbrida podem influenciar a China a deixar de se tornar outro império e, em vez disso, a uma organização global genuinamente multipolar? Os sonhos e esperanças por trás da Liga das Nações e das Nações Unidas podem se tornar realidade se e quando a China fizer com que isso aconteça? Será que a China se tornará o próximo império hegemônico global contra a resistência intensificada dos Estados Unidos? Isso intensificaria o risco de uma guerra nuclear?
Um paralelo histórico aproximado pode lançar alguma luz adicional de um ângulo diferente sobre a emergência e o declínio dos impérios, mostrando onde ele poderia nos levar. O movimento em direção à independência de sua colônia norte-americana irritou a Grã-Bretanha o suficiente para travar duas guerras (1775-83 e 1812-15) para impedir esse movimento. Ambas as guerras falharam. A Grã-Bretanha aprendeu a valiosa lição de que a coexistência pacífica com algum planejamento e acomodação permitiria que ambas as economias funcionassem e crescessem, inclusive no comércio e no investimento nos dois sentidos através de suas fronteiras. Essa coexistência pacífica se estendeu para permitir que o alcance imperial de um desse lugar ao do outro.
Por que não pode sugerir uma trajetória semelhante para as relações EUA-China na próxima geração? Exceto por ideólogos desligados da realidade, o mundo preferiria isso à alternativa nuclear. Lidar com as duas consequências massivas e indesejadas do capitalismo — mudança climática e distribuições desiguais de riqueza e renda — oferece projetos para uma parceria EUA-China que o mundo como um todo aplaudiria. O capitalismo mudou drasticamente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos depois de 1815. Provavelmente o fará novamente depois de 2025. Há, sim, oportunidades atraentes abertas. Serão aproveitadas?
*Richard D. Wolff é economista. Fundou o portal Democracy at Work. Autor, entre outros livros, de Capitalism’s crisis deepens (Haymarket).Tradução: Eleutério F. S. Prado.Publicado originalmente no portal Counterpunch.Veja neste link todos artigos de
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