terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Capitalismo pós-industrial latino-americano

Fontes: Rebelião


A industrialização na América Latina não era um objetivo geral durante o século XIX. O progresso dos Estados Unidos e da Europa, resultado da primeira Revolução Industrial e da expansão do capitalismo, foi admirado, mas na região predominaram as fazendas, ranchos e plantações pré-capitalistas, os mercados reduzidos pelas relações de servidão no campo e no desenvolvimento limitado do trabalho assalariado. A maioria dos países tinha economias primárias de exportação baseadas na mineração e, sobretudo, numa série de produtos até comuns: cacau, café, açúcar, madeira, couro, carne, trigo. Os primeiros países em que se promoveu uma certa industrialização foram Argentina, Brasil, Chile e México, desde meados do século. Os restantes continuaram a sua linha de atraso e subdesenvolvimento, embora com instituições copiadas da democracia representativa, o que não funcionou como supunham os ideais iluministas do século XVIII, nem como ocorreu num país considerado exemplar, como a democracia nos Estados Unidos.

A industrialização só adquiriu ritmos lentos no conjunto da América Latina a partir do século XX, quando a expansão do imperialismo e das máquinas movidas a eletricidade e ao petróleo (segunda Revolução Industrial) ofereceu melhores possibilidades de renovação dos meios de produção. Empresas gigantes dos EUA aventuraram-se na exploração de outros recursos e, sobretudo, do petróleo, o “ouro negro” da época. Também chegaram as primeiras empresas investidoras em manufatura e serviços; Foram fundadas empresas nacionais para a produção de têxteis e produtos alimentares, inaugurando as primeiras fábricas; A urbanização acelerou e surgiu a nova e reduzida classe social de trabalhadores assalariados, comparável aos proletários europeus. Mas também cresceram os funcionários do comércio e dos bancos privados, além da burocracia, devido à expansão de diferentes funções e capacidades dos Estados. A ascensão destes setores modernos explica a generalização de lutas sociais diferentes daquelas que caracterizaram as rebeliões dos camponeses ou indígenas das fazendas tradicionais. A melhor expressão latino-americana desses processos foi a Revolução Mexicana, onde ao mesmo tempo em que se proclamava a reforma agrária para superar as formas precárias de trabalho e distribuir terras entre os camponeses, se fortaleceu o movimento dos trabalhadores assalariados, cujos direitos foram consagrados na Constituição. de 1917, pioneiro em reconhecê-los e proclamá-los.

Uma das características que a industrialização latino-americana assumiu no século XX foi a substituição de importações (“modelo ISI”) que começou por volta da década de 1920 em países como Colômbia, Peru e Uruguai, embora tenha se generalizado após a crise global da década de 1930. e tomou rumo definitivo através do protecionismo estatal, na Argentina, no Brasil e no México, através dos governos “populistas” de Juan Domingo Perón (1945-1955), Getulio Vargas (1945-1954) e Lázaro Cárdenas (1934-1940), respectivamente.

Em parte, o modelo ISI foi retomado pelo desenvolvimentismo das décadas de 1960 e 1970, quando o Estado se tornou um promotor central da industrialização através do planeamento, da construção de infra-estruturas, da electrificação nacional, da mobilização de recursos financeiros para as empresas e até da criação de empresas estatais. Em média, a indústria cresceu 6% ao ano. O programa Aliança Norte-Americana para o Progresso desempenhou até um papel renovador, preocupado com o “desenvolvimento” (incluindo a indústria) para enfrentar qualquer tentativa de reprodução do “comunismo” seguindo o caminho dado pela Revolução Cubana no continente.

Estes processos de modernização foram interrompidos, encerrados ou revertidos durante as duas últimas décadas do século XX, quando as condições do FMI/BM foram impostas às dívidas externas da região nos países latino-americanos. Através dela entraram os “princípios” do neoliberalismo, centrados nos mercados livres, nas empresas privadas e irrestritas, na promoção aberta do comércio de exportação e importação, no livre fluxo de capitais, nos acordos comerciais e de investimento, juntamente com a retirada permanente do Estado da vida econômica, o que significou reduzir ou acabar com os seus investimentos em bens, infra-estruturas e serviços, bem como subtrair recursos para atender ao desenvolvimento nacional e, adicionalmente, privatizar tudo o que é público.

Os diversos estudos realizados sobre a região, entre os quais merecem destaque os da CEPAL, mostram que a industrialização deixou de avançar como no passado e foi até atingida pela concorrência de produtos estrangeiros. É um fenômeno que afetou países grandes como Argentina, Brasil ou México, países médios como Colômbia, Chile, Peru ou Venezuela e, sem dúvida, pequenos como Equador, país onde, segundo o Banco Mundial, o valor O agregado da indústria em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) tem variado ao longo do tempo: em 1961, representava cerca de 21,67% do PIB, atingindo um máximo de 38,92% em 2008; mas em 2023 esse percentual era de 26,86% (https://t.ly/54qZX). A indústria diminuiu a sua participação no PIB de um pico de 30% para menos de 15%, uma vez que é a indústria transformadora que contribui com 12,5%.

A industrialização deixou de ser um objetivo essencial nos projetos e programas políticos da direita latino-americana, além de os governos “neoliberais” não a mencionarem nem tratarem dela. O capitalismo latino-americano tornou-se um regime mais rentista, acumulador de riqueza, especulativo com dinheiro e fluxos de capitais, com investimentos em paraísos fiscais ou fuga de capitais para outros países sem investi-los nas economias nacionais, com primazia do setor primário de exportação. Um capitalismo que não consegue desenvolver as forças produtivas e que pressiona para forçar a exploração do trabalho, o que explica os esforços permanentes das elites empresariais para tornar as leis laborais mais flexíveis para que o “barato do trabalho” permita uma melhor acumulação de lucros e enriquecimento. Um capitalismo em que a dominação social dos círculos oligárquicos revive e desloca burguesias que não conseguiram ser “schumpeterianas”.

A este capitalismo rentista devemos agora acrescentar a extensão regional do fenómeno da violência, do crime organizado e do crime das drogas que levou um país como o Equador a tornar-se o segundo país mais seguro da região a um dos que ocupa os primeiros lugares de insegurança e violência. no mundo.

História e Presente – blog




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