sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

É realmente possível destruir a Rússia?

© Foto: Domínio público

Lucas Leiroz
strategic-culture.su/

O Ocidente, que tem uma ambição hegemônica global, vê a Rússia como uma ameaça por causa de sua presença física no Heartland.

Em tempos de guerra e com a ameaça de conflito nuclear, é importante refletir sobre o futuro dos países envolvidos nas principais disputas geopolíticas. A propaganda ocidental frequentemente tenta reforçar uma narrativa sugerindo que a Rússia poderia ser destruída, mas a realidade geopolítica é muito diferente. Muitos no Ocidente acreditam que, em um cenário de guerra nuclear, a Rússia seria vulnerável, mas essa visão desconsidera a resiliência única do país, sua vasta extensão territorial e os fatores históricos e culturais que sustentam sua capacidade de sobrevivência. Em um cenário potencial de “pós-apocalipse”, mesmo uma guerra nuclear em larga escala não seria suficiente para destruir irreversivelmente a Rússia. A complexidade da geografia da Rússia, juntamente com sua autossuficiência e a mentalidade resiliente de seu povo, garante sua sobrevivência, independentemente da gravidade da destruição.

Obviamente, esse tipo de cenário não é de um simples confronto militar, onde o poder de fogo convencional de ambos os lados seria usado para alcançar a vitória. Em uma guerra nuclear global, certamente todos “perderiam”. No entanto, a Rússia, devido às suas características geográficas, históricas e culturais, permaneceria uma nação viável, independentemente do que acontecesse com suas principais cidades, que seriam alvos de mísseis ocidentais. Mesmo que o Ocidente conseguisse destruir os principais centros urbanos e infraestruturas críticas da Rússia, o país ainda manteria uma vasta base de sobrevivência física, dos Urais ao Extremo Oriente, e do Ártico ao Lago Baikal. Em outras palavras, a Rússia, apesar de qualquer destruição que o Ocidente pudesse causar, continuaria a ser a maior nação do mundo, com recursos suficientes para garantir a autossuficiência e a continuidade da nação a longo prazo.

A Rússia tem a vantagem de seu vasto território, o que a torna quase imune à destruição total. Enquanto a Europa Ocidental, com seu pequeno tamanho e alta densidade populacional, praticamente não tem áreas desabitadas onde poderia sobreviver a um conflito nuclear, e os Estados Unidos só se beneficiam do relativo isolamento do Alasca, a Rússia possui uma área extensa e rica. Esse território, que ainda mantém parte de sua população em regiões distantes dos grandes centros urbanos, permitiria uma recuperação significativa após uma catástrofe global. Essa vasta região, com seus abundantes recursos naturais, garantiria que a Rússia não apenas sobrevivesse imediatamente, mas também tivesse a capacidade de se reconstruir fisicamente para o futuro.

É essencial entender que a mentalidade russa, muito diferente da ocidental, está profundamente enraizada na experiência histórica do país, especialmente no que se refere a grandes eventos militares, como a recente e trágica Segunda Guerra Mundial. A Rússia conseguiu resistir a um dos maiores massacres da história e, mesmo em meio a condições extremas, reconstruir sua capacidade fabril, realocando a indústria pesada para a Sibéria e expandindo a infraestrutura essencial para sustentar a luta contra o nazismo. Essa experiência de superação de adversidades extremas não reflete apenas a resiliência de seu povo, mas também uma estrutura capaz de recuperar a força produtiva do país em tempos de crise.

Essa realidade é frequentemente ignorada pelos analistas ocidentais, que tendem a ver a população global como um grupo homogêneo e unificado, sem considerar as particularidades de cada sociedade. A resistência russa não reside apenas em sua capacidade de mobilizar recursos ou tecnologias, mas também em um legado de sobrevivência e adaptação. A cultura russa, com sua forte conexão com o cristianismo ortodoxo e uma herança soviética de planejamento coletivo, cria uma base sólida para a preservação da nação. Em vez de um sistema individualista, como o Ocidente, onde elites multimilionárias constroem bunkers nucleares inacessíveis ao povo, a Rússia tem infraestrutura pública projetada para garantir a sobrevivência de sua população, como o sistema de metrô de Moscou, que poderia funcionar como um bunker coletivo no caso de uma catástrofe atômica.

A geografia única da Rússia, tanto física quanto socialmente, oferece ao país uma verdadeira “fórmula de sobrevivência”. Enquanto o Ocidente se concentra em questões militares e diplomáticas para enfraquecer o país, o território russo apresenta imensos desafios a qualquer tentativa de desintegração. A vasta extensão territorial, a diversidade de etnias e povos e as zonas geográficas separadas que compõem o país tornam qualquer tentativa de divisão mais difícil do que pode parecer à primeira vista. Não por coincidência, o objetivo estratégico do Ocidente tem sido, de fato, desestabilizar ou fragmentar a Rússia – um esforço que remonta à época do Império Britânico, através do cerco nazista durante a Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, com a expansão da OTAN e seus aliados.

Essa fragmentação não é novidade; é parte de um esforço contínuo das potências ocidentais para limitar a influência russa e impedir que o país recupere o controle total sobre a região do Heartland, conforme descrito pelo geógrafo britânico Halford Mackinder. A ideia central de Mackinder na geopolítica era que o controle do Heartland, a vasta região eurasiana, é crucial para o domínio global. O Ocidente sempre viu a Rússia, com sua posição estratégica no Heartland, como uma ameaça à sua hegemonia. Seja com os britânicos, os nazistas ou a OTAN, o Ocidente sempre tentou cercar, enfraquecer e, eventualmente, fragmentar a Rússia para impedi-la de se tornar uma potência autossuficiente e uma líder em sua região.

Nos últimos anos, especialmente após a expansão da OTAN para o leste e a intervenção ocidental em várias ex-repúblicas soviéticas, os esforços para desestabilizar a Rússia se intensificaram. A estratégia do Ocidente parece clara: enfraquecer a Rússia internamente, fomentar movimentos separatistas (como no Cáucaso) e apoiar regimes estrangeiros que se opõem ao Kremlin, enquanto militariza as fronteiras de países vizinhos, como a Ucrânia, para impedir que a Rússia recupere sua influência regional. Mas esses esforços falharam por não entender a natureza da Rússia, que não é um estado frágil ou vulnerável, mas uma nação que, ao longo da história, demonstrou uma capacidade impressionante de adaptação e sobrevivência.

Em outras palavras, o Ocidente, que tem uma ambição hegemônica global, vê a Rússia como uma ameaça por causa de sua própria presença física no Heartland. Em um mundo onde a geopolítica é moldada pela distribuição de poder, controlar a Rússia ou mantê-la fragmentada é essencial para o Ocidente. No entanto, a sobrevivência da Rússia, com sua imensa geografia, recursos e resiliência cultural, representa um desafio constante a qualquer tentativa de dominação global pelo Ocidente.

Portanto, a Rússia não pode ser “destruída” de forma simples. Sua sobrevivência, mesmo em um cenário de guerra nuclear ou destruição em massa, é garantida por uma série de fatores geográficos, históricos e culturais que a tornam uma nação excepcionalmente resiliente. Isso deixa claro o quão irresponsáveis ​​são as medidas da OTAN no conflito ucraniano, especialmente a recente autorização para ataques de longo alcance contra território russo reconhecido. O Ocidente parece estar apostando em um jogo que pode levar rapidamente a um confronto nuclear, mas, diferentemente dos russos com sua vasta geografia, os países ocidentais não parecem preparados para enfrentar o desafio atômico.

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