sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Nos EUA, o esquerdismo pró-imigração só é possível com escolas ruins

© Foto: Domínio público

Bruna Frascolla

A classe educada brasileira deveria parar de idolatrar ou abominar um ministro da Suprema Corte como se ele fosse algo mais que um subproduto do imperialismo e das instituições dos EUA.

Aqui no Brasil, os males da USAID foram descritos de diferentes maneiras pela esquerda e pela direita. Ouvindo a direita, aprendemos que a USAID era uma agência radical de esquerda que recentemente se dedicou a boicotar Bolsonaro, Orbán, etc. Ouvindo a esquerda, aprendemos que a USAID é uma agência muito maligna que operou no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Nem a esquerda fala sobre a interferência atual da USAID (que na verdade era contra a direita), nem a direita fala sobre a interferência passada da USAID (que na verdade era contra a esquerda).

Bom, dos delitos levantados, o que me parece mais interessante é o acordo MEC-USAID. O MEC é o Ministério da Educação e Cultura, a agência federal brasileira responsável pela educação. O lobby começou no mesmo ano da fundação da USAID: 1961, ainda na democracia entreguerras. O objetivo, que deu certo em 1968 (durante o regime militar que a CIA ajudou a implementar), era tornar as escolas brasileiras mais parecidas com as dos Estados Unidos. A carga horária foi reduzida, filosofia e latim foram retirados do currículo, e cursos clássicos e científicos (quando os adolescentes escolhiam se queriam se aprofundar em humanidades ou ciências exatas) foram eliminados. Supostamente, era uma modernização que atendia às necessidades do mercado de trabalho. Na verdade, adotou-se o utilitarismo: se coisas como latim e filosofia não serviam para nada, que fossem embora.

Acontece que adotar um currículo em que apenas coisas de utilidade óbvia são ensinadas é uma maneira segura de criar uma nação de ignorantes. Se pensássemos que o corpo só deve fazer movimentos estritamente úteis (como colocar um garfo na boca), não só os esportes seriam prejudicados, mas a saúde da população em geral seria prejudicada. No entanto, qualquer um que diga que talvez seja uma boa ideia que as crianças aprendam latim é considerado excêntrico. Décadas atrás, era senso comum no Brasil que os americanos normais são ignorantes, além de gordos. Isso não é mais senso comum à medida que nossa educação piora e nos tornamos mais parecidos com eles (inclusive engordando), graças à concepção utilitária da educação.

No entanto, acredito que ainda temos um longo caminho a percorrer antes que possamos atingir uma deficiência crônica na sociedade americana, que é a falta de conhecimento de sua própria história. Afinal, somente uma imensa ignorância histórica pode tornar natural que a esquerda seja pró-imigração, especialmente nos Estados Unidos da América.

Vejamos: Os Estados Unidos da América são uma democracia. Desde os tempos antigos, a democracia limitou o status de cidadão (e, consequentemente, o direito de votar) a uma pequena parcela da sociedade. Caso contrário, o corpo político cairia em uma verdadeira oclocracia e o caos se instalaria. Esta não é uma especificidade da democracia: onde quer que houvesse cargos eleitos (as casas legislativas de regimes monárquicos, por exemplo), haveria votação por propriedade.

Os Estados Unidos, quando se tornaram um país independente no final do século XVIII, não foram exceção à regra. Tinham voto por propriedade e eram – diferentemente das sociedades ibéricas – uma sociedade de classes muito bem definidas baseadas na propriedade: havia proprietários de terras e trabalhadores forçados. Mesmo antes da Independência, esses trabalhadores eram, em sua maioria, servos contratados, que “pagavam” sua passagem com trabalho a ser feito no Novo Mundo. Eles eram frequentemente sequestrados na Europa e vendidos ao longo da costa americana. A rigor, não era a pessoa que era vendida, mas sua dívida. Até onde sei, esse tipo de imigração não existia na América colonial ibérica, para onde apenas exilados (degredados) vinham contra sua vontade, e mesmo assim vinham livres.

Quando esse regime não era mais suficiente para atender à demanda por mão de obra na florescente economia do sul, os proprietários de terras começaram a comprar escravos negros. Além disso, um “ponto de virada ocorreu na Virgínia em 1676, quando brancos sem terra e servos contratados ofendidos sob a liderança de Nathaniel Bacon invadiram Jamestown tentando depor o governo colonial. Depois disso, os proprietários de terras substituíram os servos brancos por escravos negros.” (Dubofsky & McCartin, Labor in America , p. 27) Longe de ser um fato da natureza, a diferenciação social entre brancos e negros foi instituída por lei em 1705, quando a Virgínia decidiu que escravos negros e indígenas (não servos contratados) seriam como gado: incapazes de ganhar liberdade e ter propriedade. Algo, a propósito, que nunca aconteceu na América Ibérica. Naturalmente, se houvesse união entre brancos e negros, a classe proprietária teria uma vida mais difícil.

Foi nesse contexto de profunda tensão social que a República surgiu nos Estados Unidos, e apenas os proprietários tinham direito ao voto. As coisas mudaram radicalmente com a Democracia Jacksoniana (1825-1854), que deu aos trabalhadores o direito ao voto. Isso teve uma série de consequências: iniciativas legislativas para dar direitos aos trabalhadores (incluindo o direito à greve), reação dos empregadores via poder judiciário, greves ilegais, repressão física pelos empregadores (com agentes contratados matando grevistas), anarquistas explodindo coisas. Em suma, a luta de classes nos Estados Unidos foi uma guerra civil constante. Em vez de serem influenciados pelo marxismo (como os trabalhadores ibero-americanos e europeus), os trabalhadores americanos influenciaram Marx, que era um observador interessado. Os esforços judiciais dos empregadores foram coroados com a Era Lochner (1897-1937), que consistiu em ter uma Suprema Corte pronta para declarar inconstitucionais todas as leis trabalhistas feitas por representantes eleitos. A Era Lochner só chegou ao fim graças ao último governo trabalhista de verdade nos EUA: Franklin Roosevelt, seu Getúlio Vargas (ou seu Perón, se preferir). Ele aumentou o número de juízes da Suprema Corte e, assim, anulou a influência dos juízes que eram favoráveis ​​aos patrões.

Independentemente dessa batalha judicial, o truque mais frequentemente usado pela classe patronal era importar trabalhadores famintos da Europa. A lei da oferta e da procura se aplicava: quanto mais trabalhadores, menor o preço da mão de obra. E havia mais: diferentemente do Brasil, onde os imigrantes são absorvidos pela cultura nacional, nos EUA os imigrantes formavam comunidades rivais que se perpetuavam entre seus descendentes. Até hoje, apenas os WASP (sigla para “White Anglo-Saxon Protestant”) são “americanos” sem hífen. Os demais são afro-americanos, irlandeses-americanos, ítalo-americanos, mexicano-americanos, asiático-americanos, independentemente de quantas gerações estivessem lá. Assim, além da importação incessante de imigrantes, ainda havia a imensa dificuldade em gerar coesão entre os trabalhadores de diferentes etnias que já estavam estabelecidos nos Estados Unidos.

Uma figura-chave na superação dessas diferenças foi Samuel Gompers, um judeu inglês que imigrou com seus pais quando era criança. Ele fundou a Federação Americana do Trabalho em 1886, e este foi o sindicato nacional mais importante na história do país. Uma demanda constante deste sindicato era, claro, restrições à imigração. Sim, mesmo tendo sido fundado por um imigrante.

No século 21, o que a esquerda nos Estados Unidos faz? Ela promove não apenas imigração irrestrita, mas também paranoia racial, que divide os trabalhadores em brancos e não brancos: exatamente a agenda histórica dos capitalistas. Trabalhadores do mundo, desunam-se! Somente com uma educação terrível, com um currículo desprovido de história nacional, os capitalistas nos Estados Unidos foram capazes de empurrar essa agenda como sendo de esquerda ou relacionada ao trabalho.

Naturalmente, ninguém tem a obrigação de estudar a história de um país estrangeiro na escola. Mas, a esta altura do jogo, o mínimo que se poderia esperar dos brasileiros é que sua classe educada parasse de idolatrar ou abominar um ministro da Suprema Corte como se ele fosse algo além de um subproduto do imperialismo e das instituições dos EUA.

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