quarta-feira, 5 de março de 2025

As ferrovias no Brasil II, por José Manoel Ferreira Gonçalves

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O rodoviário recebe subsídios diretos e indiretos, enquanto o ferroviário carece de políticas equivalentes.


As ferrovias no Brasil

José Manoel Ferreira Gonçalves

II – Os problemas da Ferrovia no Brasil

Os Desafios Estruturais e Sistêmicos das Ferrovias Brasileiras

A infraestrutura ferroviária brasileira, depois de enfrentar uma série de desafios históricos e contemporâneos que limitam seu potencial como modal estratégico para o desenvolvimento econômico e logístico, está velha, doente e mal assistida. Além da baixa densidade da malha e dependência excessiva do transporte rodoviário, outros obstáculos críticos exigem atenção imediata. Este artigo busca sintetizar essas questões, articulando-as em um panorama integrado, não no sentido de criticar por criticar, mas para que a realidade seja exposta para que, conscientes dela, encontremos caminhos.

1. Infraestrutura Deficiente e Envelhecida

a) Bitola Métrica Predominante

A maioria da malha ferroviária brasileira utiliza bitola métrica (1 metro), uma tecnologia ultrapassada que limita a capacidade de carga e a velocidade dos trens. Em comparação com bitolas largas (1,6 m), essa configuração restringe a interoperabilidade e a eficiência, especialmente em rotas de grande demanda, como as ligadas à exportação de commodities. A unificação de bitolas é essencial para modernizar o sistema, mas esbarra na falta de recursos e na fragmentação das concessões.

b) Vias Subutilizadas e em Mau Estado

Cerca de 36% das ferrovias estão abandonadas ou em estado crítico, com trilhos desgastados, dormentes deteriorados e sinalização obsoleta. Isso resulta em descarrilamentos frequentes, redução de velocidade operacional (muitas vezes abaixo de 30 km/h) e custos de manutenção elevados. Apesar de iniciativas como a Instrução Normativa do DNIT para indenização de trechos inativos 7, a recuperação dessas vias avança lentamente.

c) Falta de Eletrificação

Apenas 2% da malha ferroviária é eletrificada, o que obriga o uso de locomotivas a diesel, menos eficientes e mais poluentes. A transição para energia elétrica é crucial para reduzir emissões e custos operacionais, mas enfrenta barreiras técnicas e financeiras, especialmente em regiões remotas.

d) Gargalos Operacionais

Pontos de estrangulamento, como pátios de manobra congestionados e trechos de via única, limitam a capacidade de transporte. Por exemplo, a Ferrovia Norte-Sul enfrenta gargalos críticos no escoamento de grãos devido à priorização do minério de ferro pela Vale. A modernização desses pontos exige investimentos em duplicação de vias e automação.

e) Intermodalidade Limitada

A integração com portos, aeroportos e rodovias é insuficiente, dificultando a criação de corredores logísticos eficientes. Projetos como o Anel Ferroviário do Sudeste, que conecta Vitória (ES) a Itaboraí (RJ), são exceções, mas a maioria das regiões carece de hubs intermodais.

2. Regulamentação e Burocracia

a) Marco Regulatório Complexo

A legislação ferroviária é fragmentada e pouco clara, com sobreposição de normas federais, estaduais e municipais. A Lei das Ferrovias (Lei nº 14.273/2021) trouxe avanços ao permitir autorizações para novos trilhos, mas a implementação prática ainda enfrenta resistências, como conflitos entre operadores privados em malhas compartilhadas.

b) Licenciamento Ambiental Demorado

Projetos como a Ferrogrão, essencial para escoar grãos do Centro-Oeste, estão paralisados há anos devido a disputas sobre impactos em unidades de conservação. O estudo AdaptaVias, do Ministério dos Transportes, alerta para riscos climáticos em ferrovias, mas a falta de agilidade nos processos impede respostas rápidas.

c) Falta de Isonomia Tributária

O transporte ferroviário é tributado de forma mais pesada que o rodoviário, especialmente em impostos sobre combustíveis e equipamentos. Essa discrepância prejudica a competitividade do modal, mesmo que seu custo por tonelada transportada seja menor.

d) Conflitos de Interesse

A coexistência de operadores privados em malhas sobrepostas gera disputas. A Vale, por exemplo, prioriza o transporte de minério em sua malha, limitando o espaço para outras cargas. A ANUT defende políticas de compartilhamento de infraestrutura para resolver esses impasses.

3. Investimentos Insuficientes

a) Baixo Investimento Público

O governo federal destinou apenas R$ 100 bilhões para o Plano Nacional de Ferrovias 2025, valor insuficiente para expandir os atuais 31 mil km de malha. Enquanto países desenvolvidos investem massivamente em ferrovias de alta velocidade, o Brasil ainda depende de modelos de concessão arcaicos, de trilhos sucateados.

b) Dificuldade em Atrair Capital Privado

Investidores exigem segurança jurídica e taxas de retorno atrativas, mas a alta dos juros e a volatilidade cambial desestimulam aportes. Apesar do interesse de grupos como CCR e Rumo nos novos projetos, a complexidade regulatória mantém muitos investidores em standby.

4. Outros Problemas Estruturantes

a) Falta de Mão de Obra Qualificada

A carência de profissionais especializados em engenharia ferroviária, manutenção de trilhos e operação de trens modernos é um entrave. Programas de capacitação, como o MBA em Gestão de Ferrovias da IPOS, são insuficientes para suprir a demanda.

b) Roubos e Vandalismo

Trechos ferroviários em regiões periféricas sofrem com roubos de carga e danos à infraestrutura. A MRS Logística, por exemplo, reporta perdas anuais de milhões devido a furtos de minério e equipamentos.

c) Concorrência Desleal com o Modal Rodoviário

O rodoviário recebe subsídios diretos (como isenções fiscais para combustíveis) e indiretos (investimentos em pavimentação), enquanto o ferroviário carece de políticas equivalentes. Isso distorce a matriz de transporte, mantendo as ferrovias em segundo plano.

Caminhos para a Modernização

Para superar esses desafios, é necessário:

1. Expandir e Modernizar a MalhaPriorizar projetos como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e a Ferrogrão, com foco em bitolas padronizadas e eletrificação.

2. Simplificar a Regulamentação: Agilizar licenciamentos ambientais e criar um marco legal unificado, como proposto pela Lei das Ferrovias.

3. Equilibrar Tributação: Reduzir impostos específicos do modal ferroviário para equipará-lo ao rodoviário.

4. Fomentar Parcerias Público-Privadas (PPPs): Atrair investidores com garantias jurídicas e de retorno econômico, como o modelo de repactuação de concessões adotado com a Rumo e a Vale.

5. Integrar Modais: Desenvolver hubs intermodais próximos a portos, como o terminal STS10 no Porto de Santos.

Conclusão

As ferrovias brasileiras estão em uma encruzilhada. Enquanto projetos como o Trem de Alta Velocidade Rio-São Paulo e a Ferrovia Norte-Sul sinalizam avanços, problemas estruturais como bitolas ultrapassadas, burocracia e falta de investimentos perpetuam a estagnação. A transformação do setor exigirá não apenas recursos financeiros, mas também vontade política para priorizar um modal que pode ser a chave do desenvolvimento sustentável do país.

José Manoel Ferreira Gonçalves é jornalista, cientista político, advogado e doutor em engenharia. Dedica-se ao estudo da ecologia e meio ambiente, bem como aos modais de transporte, notadamente o ferroviário, para cuja bandeira milita.

As ferrovias no Brasil, por José Manoel Ferreira Gonçalves



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