Maciek Wisniewski
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Nos últimos anos, uma das facetas mais comentadas de Donald Trump – no governo, depois, e agora de volta ao poder – é sua, para dizer de forma eufemística, “relação com a verdade”. O Washington Post chegou a relatar que Trump fez “16.241 alegações falsas e/ou enganosas” somente em seus três primeiros anos na Casa Branca. Assim, com base nisso, tornou-se comum o tipo de argumentação que vinculava, principalmente a partir do mainstream liberal, a verdade com a democracia e, ao contrário, a mentira com o fascismo — do qual Trump tem sido repetidamente acusado — e, embora apontasse para uma realidade alarmante, sem ser submetido a nenhum escrutínio, degenerou em um tópico banal de conversa.
Ao contrário dessa estrutura que confunde verdade com democracia – frequentemente com base em uma equação igualmente discutível de democracia com liberalismo – a “verdade”, como alguns estudiosos insistem, não é o fundamento da ordem democrática, mas mais especificamente do sistema liberal como exposto, por exemplo, por John Stuart Mill. Mas enquanto a preocupação desse autor estava centrada nas instituições – somente garantindo a liberdade de expressão e o parlamento poderiam ser produzidas alegações “verdadeiras”, segundo ele, embora Mill entendesse a verdade mais como uma “forma” na qual uma opinião era mantida do que como seu conteúdo, algo que era alcançado por meio da justificação – nas últimas décadas, de acordo com a “nova teoria do liberalismo”, as verdades são, ao contrário, produzidas por especialistas e “fontes autorizadas” como o The New York Times ou o já mencionado The Washington Post, que devem ser aceitos como dogma por todas as pessoas de “pensamento correto”.
Embora as mentiras de Trump sejam de fato projetadas para sufocar o debate público racional, introduzindo uma dicotomia entre "verdade democrática" e mentiras "não democráticas" (e/ou "fascistas") e fechando fileiras em torno de "fontes autorizadas", como os jornais acima mencionados, que têm sido os principais disseminadores de mentiras do governo dos EUA usadas para justificar a guerra no Iraque ou, mais recentemente, de outras tiradas da propaganda do governo israelense (hasbara) − também nunca questionadas ou verificadas −, e que serviram para justificar o genocídio em Gaza, o que esse tipo de argumento realmente faz é revelar a existência e a dicotomia entre "mentiras autorizadas" e "mentiras não autorizadas".
Paralelamente, a recente ordem de Jeff Bezos, dono do The Washington Post desde 2013 — e outro dos magnatas que aderiu ao trumpismo — de proibir opiniões contrárias às "liberdades pessoais" e ao "livre mercado" não deve ser vista como "fascista", mas enraizada na tradição e história "excepcionais" dos próprios Estados Unidos, que Bezos e Trump, outro milionário, explicitamente alegam representar e defender há anos com esta decisão — sendo o mundo dos negócios e do entretenimento a verdadeira genealogia das mentiras trumpistas, não o "mundo totalitário" — algo que nos leva à segunda fraqueza deste tipo de abordagem.
Acontece que as críticas às mentiras de Trump como “fascistas”, muitas vezes baseadas em referências a Hannah Arendt, geralmente interpretam mal o contexto em que sua análise surgiu. Embora Arendt, em As Origens do Totalitarismo, tenha de fato analisado as mentiras fascistas como uma ferramenta fundamental da propaganda totalitária, mais tarde sua principal referência para discutir o assunto não foi o fascismo, mas sim a própria política americana durante a Guerra do Vietnã.
Em seu ensaio Lying in Politics (1971), Arendt descreve o que ela chama de “desfactualização”, ou a falha em discernir fatos da ficção, não em relação ao fascismo, mas à maneira como cada presidente sucessivo dos EUA mentiu ao público sobre como Washington primeiro apoiou e depois conduziu a Guerra do Vietnã, conforme revelado pelo vazamento dos Documentos do Pentágono em 1971. O principal alvo de sua crítica não eram, portanto, os fascistas e suas mentiras, mas os “solucionadores de problemas” tecnocráticos e profissionais encarregados – em uma democracia – da política externa dos EUA durante a Guerra do Vietnã, conforme exposto pelos documentos vazados por Daniel Ellsberg e pela imprensa da época, primeiro, de fato, pelo próprio Post, mas sob diferentes proprietários e códigos profissionais.
É aqui que tudo isso se encaixa ainda mais nos dias atuais. Arendt, que idolatrava a Revolução Americana em detrimento da Francesa, estava profundamente preocupada no final da década de 1960 com o declínio dos Estados Unidos e seu império, e mentir na política era, aos seus olhos, um dos sintomas desse (longo) declínio. A mesma para a qual Trump hoje se apresenta como uma panaceia (MAGA), sendo na realidade seu próximo sintoma, junto com suas mentiras.
Mas, além de mentiroso, Trump – algo igualmente ignorado com frequência – é também, de forma dialética, às vezes um espetacular “contador da verdade” quando, por exemplo, afirmou que a invasão do Iraque foi um “erro” e um “desastre” – alienando tanto o establishment republicano quanto o democrata – ou quando, recentemente, anunciou que a ordem pós-Guerra Fria já acabou (e um “realinhamento” é necessário) ou que a guerra na Ucrânia é impossível de vencer por meios militares e que este país “deve esquecer a OTAN”, algo que os democratas e seus aliados – emulando a negação de Johnson em relação ao Vietnã, algo que só Nixon foi capaz de resolver – sabiam bem há anos, mas não ousavam dizê-lo.
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