Para Joaquim Barbosa,
sistema brasileiro é “frouxo”, “garantista” e “totalmente pró-réu”. Foto:
STF/Arquivo
Para juristas, ao criticar sistema
penal, Joaquim Barbosa ataca a Constituição. Declarações sobre o sistema
judiciário brasileiro confundem conceitos, são açodadas e até mesmo vulgares,
avaliam juízes e advogados.
por Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual
São Paulo – “O Judiciário é o sistema
de defesa dos direitos fundamentais. Seu papel e o do Supremo Tribunal Federal
é o de guarda da Constituição, e não o de transformar o Supremo em acusador
geral da República. Isso está acontecendo claramente.”
A opinião é de Luiz Moreira, jurista,
doutor em Direito e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas
Gerais, ex-membro do Conselho Nacional do Ministério Público, sobre as
declarações do ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Barbosa, divulgadas na imprensa na sexta-feira (1°), a respeito do encerramento
da Ação Penal 470, conhecido como mensalão.
Na entrevista, concedida a
correspondentes da mídia internacional, o magistrado do STF criticou o sistema
penal brasileiro. Para Barbosa, ele é “frouxo”, “garantista” e “totalmente
pró-réu, pró-criminalidade”. Disse ainda que o início do cumprimento de
pena dos condenados no julgamento do mensalão em julho será “razoável” e
afirmou que, devido ao sistema “frouxo”, eles ficarão na prisão por pouco mais
de dois anos, embora sentenciados a até 12. “Mas a minha expectativa é que tudo
(a definição) se encerre antes de 1.º de julho, antes das férias.”
O juiz Luís Fernando Camargo de Barros
Vidal, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo e integrante do Conselho da
Associação Juízes para a Democracia, discorda da crítica de Barbosa ao sistema
brasileiro, mas a relativiza. “Acho que é uma crítica equivocada, vulgar, leiga,
desprovida de fundamentos científicos, mas é uma crítica, só isso. A crítica
não coloca em risco absolutamente nada na democracia.”
Para Luiz Moreira, autor dos livros A
Constituição como Simulacro e Judicialização da Política, “se o sistema
jurídico brasileiro é regido pela Constituição brasileira, que garante e
estabelece os direitos fundamentais, então, quando se critica o sistema de
garantias, estamos a criticar a própria Constituição, a tradição dos direitos
fundamentais, que foram positivados e estabelecem os direitos da pessoa humana
no Brasil”.
Moreira considera graves as declarações
de Barbosa. “Há uma confusão entre os papéis do Supremo e da Procuradoria Geral
da República. (As declarações de Barbosa) são próprias de procurador da
República, e não de um juiz. Inclusive porque o julgamento sequer acabou, não
transitou em julgado”, explica.
Para ele, é igualmente “estranho que o
ex-ministro Ayres Brito, do STF, escreva o prefácio de livro em que há tomada
de posição contrária aos réus”, diz, em referência ao livro Mensalão,
do jornalista Merval Pereira. “Isso é um absurdo, porque sequer há a publicação
dos votos. E aí um ministro que presidiu o julgamento faz prefácio de um livro
claramente tomando partido no processo.”
No mesmo sentido, o juiz Luís Fernando
Camargo entende que “não cabe a um juiz dizer que decide contra a sua vontade
por causa da lei ou da Constituição”. O magistrado ressalva que, “como cidadão,
ele tem o direito de crítica, um direito que tem de ser reconhecido, mas na
condição de juiz ele não pode fazer isso”. E Barbosa estaria extrapolando? “Eu
creio que sim – diz o juiz Barros – porque ele não pode colocar a decisão do
tribunal sob sua crítica lamentando o império da Constituição e das leis.”
Para o advogado Guilherme San Juan Araújo,
especialista em direito processual e penal, não havia necessidade do presidente
da mais alta corte da Justiça do país se manifestar desta forma “afoita”.
Segundo ele, a atitude do presidente do STF é preocupante. Araújo afirma que a
condução da Ação Penal 470 foi um julgamento de exceção. “As demonstrações
desnecessárias de força do ministro Barbosa, em sua opinião, podem influenciar
negativamente juízes de instâncias inferiores.”
Na entrevista concedida à imprensa
internacional, Barbosa declarou que “há todo um discurso garantista que domina
a grande mídia” e que “esse discurso é inteiramente pró-impunidade”. Mas não
seria o contrário? A mídia não estaria, durante o processo do mensalão, fazendo
um discurso contrário aos direitos individuais, portanto “antigarantista”?
Vidal avalia: “Como cidadão, a crítica
dele é absolutamente equivocada e improcedente. Está fazendo uma crítica à
impunidade, com base numa crítica a uma doutrina constitucional e de processo
penal, de uma maneira açodada”.
“Se ele tem o sagrado direito de fazer
a crítica, também se submete ao sagrado direito dos outros dizerem que ele está
errado. Que não é isto que se passa e que o ‘garantismo’ nada tem a ver com
impunidade, e que impunidade muitas vezes está mais associada à vontade do juiz
de descumprir a lei”, diz o magistrado.
Para Luiz Moreira, é preciso “que haja
uma reação dos democratas no Brasil, porque estamos caminhando para um regime
de exceção”. De acordo com ele, “é de se esperar que os defensores da
democracia e das garantias fundamentais reajam, que o Congresso Nacional passe
a se posicionar sobre essas questões, que a sociedade civil passe a exigir que
as liberdades sejam garantidas”.
Já o juiz Luís Fernando Camargo entende
que não há risco contra o estado democrático de direito. “Não vejo razão para
esse temor. Vivemos numa democracia, num estado de direito, a democracia
garante o direito de qualquer juiz externar as suas opiniões. Não podemos achar
que o estado de direito, que a estabilidade e a segurança do sistema de Justiça
corre risco porque um ministro deu tal ou qual declaração”, diz.
Colaborou Raimundo
Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12