Leonardo Boff*
JB online
É notório que a direita
brasileira, especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o
poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada
pela midia privada e familiar, está se aproveitando das manifestações massivas
nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar
mais e mais a presidenta Dilma e desmoralizar o PT, e assim criar uma atmosfera
que lhe permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.
Se por um lado não podemos nos
privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas
construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as
transformações politico-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam
desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras.
Estas visam ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa, que é
inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.
Seria grande irresponsabilidade,
e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe
política aquilo que por dezenas de anos
temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico, o PT e partidos populares. Esta classe se
mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas
intenções antes ocultas: finalmente temos chance de voltar e de colocar esse
povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu
historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não
incomodam nem criam caos na ordem que por séculos construimos mas que, se bem
olhrmos, é ordem na desordem ético-social.
Esta pretensão se liga a algo
anterior e que fez história. É sabido que com a vitória do capitalismo sobre o
socialismo estatal do Leste europeu em
1989, o presidente Reagan e a primeira-ministra Tatcher inauguraram uma
campanha mundial de desmoralização do Estado tido como ineficiente e da
política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à
lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se chegar ao Estado mínimo,
debilitar a sociedade civil e abrir amplo espaço às privatizações e ao domínio
do mercado, até conseguir a passagem de uma sociedade com mercado para uma
sociedade de puro mercado no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo,
vira mercadoria. E conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao
que se achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou
vasta privatização de bens públicos, que foram maléficos ao interesse geral.
Que isso foi uma desgraça mundial
se comprova pelo fosso abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam
os capitais e as finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um
povo inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da
voracidade dos bancos.
A crise econômico-financeira de
2008, instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta
perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política. Foram os
Estados que tanto combateram que os salvaram da completa falência, produzida
por suas medidas montadas sobre a mentira e a ganância (greed is good), como
não se cansa de acusar o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. Para ele, estes
corifeus das finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como
criminosos. Mas continuam aí faceiros e rindo.
Então, se devemos criticar a nossa classe política por ser corrupta e o
Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macroeconomia neoliberal,
devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao
moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a
sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgastar seu antigo
poder político, especialmente aquele ligado ao poder de Estado, a partir do
qual garantiam seu enriquecimento fácil. Especialmente, a mídia privada e
familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente
neste empreitada de volta ao velho
status quo.
Por isso, as massas devem
continuar na rua contra elas. Precisam estar atentas a esta infiltração, que
visa mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem
a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para
limpar as ruas.
Daí, repetimos, cabe reforçar o
governo de Dilma, cobrar-lhe, sim,
reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as
forças em tensão e a oposição para, juntas novamente, esvaziarem o clamor das
ruas e manterem um status quo que prolongue
benefíciois compartilhados.
Inteligentemente, sugeriu o
analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013): ”Há uma grave
urgência política no ar. A disputa real que se trava neste momento é pelo
destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas fantásticas
riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da direita estão bem
posicionados institucionalmente e politicamente… A possibilidade de reversão
das tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia
mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas públicas,
espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o
povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a
taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a
pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva,
sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma
republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro,
para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma?"
Desta forma se enfrentarão as
articulações da direita, e se poderá com mais força reclamar reformas políticas
de base que vão na direção de atender a infraestrutura reclamada pelo povo nas
ruas: melhor educação, melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo
e menos violência na cidade e no campo.
* Leonardo Boff não é filiado ao
PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra. - leonardo Boff
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