Por muito tempo, os economistas clássicos elaboraram modelos
como se os humanos fossem máquinas de calcular. Falharam. Já a economia
comportamental, baseada na psicologia, estuda nossas reações e decisões a fim
de se antecipar. E nos influenciar
por Laura Raim
A teoria econômica dominante, dita “neoclássica”,
experimenta dias difíceis. Estão sendo revelados não apenas os laços
incestuosos de seus especialistas com as instituições financeiras, mas também
sua responsabilidade na última crise.1 A autorregulação se justificava por uma
perfeita eficiência dos mercados, por sua vez decorrente da racionalidade sem
falhas dos agentes. Uma conta colocada em xeque pela crise financeira.
A espetacular invalidação da doutrina dominante causa
transtornos a todos os profissionais da área. Correntes alternativas, com
passivos pretensamente menos carregados, esfregam as mãos. Uma delas, em
particular, parece ter condições de se tornar a nova doutrina dominante: a behavioral
economics(BE), ou economia comportamental.
Essa escola avança sobre afirmações a priori evidentes, mas
que os discípulos do teórico liberal Milton Friedman se esforçam em negar: os
agentes econômicos não são seres racionais impecáveis que tomam as melhores
decisões com o objetivo de maximizar os próprios interesses. De um lado,
deixam-se guiar por emoções, crenças, intuições e fórmulas lógicas. De outro,
não visam apenas aumentar os próprios ganhos: as normas morais e sociais os
incitam, às vezes, a demonstrar cooperação e até altruísmo.
Os investidores financeiros não escapam, assim, da
influência de fatores cognitivos. Eles podem, em particular, adotar um
comportamento mimético, sofrer de excesso de confiança ou se deixar influenciar
por antecipações exuberantes e crises de pânico. E, mesmo que certos
investidores sejam de fato racionais, raramente podem correr o risco de ir
contra o mercado. Em princípio, é preciso concordar que há certa dose de
valentia em evocar a economia comportamental, porque ela ataca frontalmente
dois pilares da teoria financeira neoclássica.
A ideia de que os mercados não são milagrosamente eficientes
e que não somos computadores oniscientes, contudo, não é nova. Desde John
Maynard Keynes, os pensadores heterodoxos não param de advertir que essa
concepção é um mito. Mas eles gritaram no deserto: keynesianos,
institucionalistas, marxistas, regulacionistas eram, e ainda são, muito
críticos para serem escutados.
“Pagamos um preço terrível pela nossa fé cega no poder da mão
invisível”, acusa o economista Dan Ariely.2 Segundo seus confrades Robert
Shiller e George Akerlof,3 a teoria neoclássica é “deficiente, não permite
compreender por que a economia é uma montanha-russa”. Os dois autores encampam
um programa ambicioso: “Chegar àquilo que a teoria existente não conseguiu
realizar”.
A economia comportamental postula que, apesar de sermos
seres também irracionais, podemos ser previsíveis. Ao multiplicar experiências
em laboratório, munidos de eletrodos, esses economistas detectam as
regularidades de nosso comportamento para construir modelos de decisão
individual mais realistas que os neoclássicos.
Os pioneiros dessa escola são Daniel Kahneman e Amos
Tversky. A partir dos anos 1970, esses psicólogos israelenses catalogaram meticulosamente
os padrões cognitivos que, ao distorcerem a análise de uma situação, estimulam
os indivíduos a tomar decisões irracionais. Um exemplo é o “efeito de framing”,
que conduz os agentes a apreciar de forma diferente os dados de uma mesma
escolha segundo a forma como é apresentada: “40% de chance de ganhar” não
produz o mesmo efeito que “60% de chance de perder”. Contudo, foi a colaboração
de um jovem economista norte-americano, Richard Thaler, que, nos anos 1980,
marcou a chegada da economia comportamental como um campo consolidado.
Por enquanto, o sonho de uma refundação da corrente
dominante da economia com base no paradigma comportamental ainda não foi
realizado. Contudo, seus partidários ganham cada vez mais espaço, como atestam
os prêmios Nobel destinados a Akerlof em 2001 e a Kahneman em 2002. Os padrões
cognitivos que os ortodoxos desqualificavam como simples “objetos de
curiosidade” são atualmente examinados por diversas áreas nas revistas
acadêmicas. A economia comportamental é ensinada nas universidades
norte-americanas mais prestigiosas, como o Massachusetts Institute of
Technology (MIT), Stanford, Berkeley, Chicago, Columbia, Princeton e,
sobretudo, Harvard.
Reforçar o arsenal da manipulação
Se a economia dominante nesses últimos anos agiu de forma,
“na melhor das hipóteses, inútil e, na pior, extremamente nociva”,4 os
economistas comportamentais valem mais do que os outros? As empresas, que desde
1930 exploram a psicologia em benefício do marketing e da publicidade, acolhem
calorosamente os últimos desenvolvimentos da economia comportamental. A empresa
de pesquisa em marketing Market Tools explica em seu site que a economia
comportamental é mais eficaz que as pesquisas de campo para identificar o preço
máximo que um consumidor pagaria por determinado produto. Em outras palavras,
essa disciplina permitiria determinar os preços mais elevados possíveis e
forneceria pistas de como estimular os clientes a pagar suas contas em dia.
Punir o inadimplente com uma multa se revelou menos eficaz do que enviar uma
carta comparando-o com outras pessoas, por exemplo: “Você é uma das poucas
pessoas do bairro que ainda não pagaram a conta”.
Fehr Advice, escritório alemão de consultoria fundado por
Ernst Fehr, um dos especialistas na disciplina, propõe-se a ensinar aos patrões
como utilizar a economia comportamental para negociar com seus funcionários
notadamente as questões salariais. Ao constatarem que a incitação financeira
clássica – como a promessa de prêmios posteriores a bons resultados alcançados
– não surtia muito efeito, os economistas comportamentais preferiram explorar a
faceta dos indivíduos que lida com a perda, muito mais sensível: Steven Levitt
e Roland Fryer5 deram prêmios a professores no início do ano e ameaçaram
retirá-los se os resultados não se revelassem satisfatórios. Solicitar aos
empregados que reembolsem uma parte de seus salários no fim do ano: aí está a
técnica de “motivação”.
Paradoxalmente, é no campo das finanças, setor particularmente
questionado pelas “descobertas” da economia comportamental, que a disciplina
formula as proposições mais aceitas. Basta fazer a triagem: descartar as
conclusões definitivas sobre a ineficiência dos mercados e conservar aquelas,
potencialmente lucrativas, relativas ao comportamento dos agentes. Certos
fundos, como JP Morgan, ativo desde 1993, ou a francesa CCR Asset Management,
aplicam esses princípios há muito tempo. Concretamente, fazer finança
comportamental significa que os investidores se esforçam para tomar consciência
e corrigir seus próprios padrões de comportamento, ou o dos outros. Como
primeiro caso ilustrativo, James Montier promete auxiliar o investidor a
“conter suas emoções” e reforçar o “músculo do autocontrole”.6
Essas estratégias permitem que, talvez, alguns ganhem mais,
mas não resolve a questão da ineficiência e da instabilidade dos mercados. De
fato, como a teoria econômica heterodoxa demonstrou,7 a única forma de impedir
que os mercados financeiros, intrinsecamente instáveis, semeiem o caos na
economia é regulá-los drasticamente, ou seja, limitar os níveis de
endividamento dos operadores, separar as atividades de mercado e de crédito,
limitar os movimentos de capitais etc.
Estranhamente, porém, nenhuma dessas medidas figura em
propostas de políticas públicas de economistas comportamentais. Thaler, o papa
da disciplina, aconselha a equipe econômica do presidente norte-americano
Barack Obama e a do governo de David Cameron no Reino Unido, e poderia muito
bem dizer a eles que seria pertinente enquadrar os mercados financeiros se
realmente quisessem modificar as coisas. Acontece, porém, que ele não é apenas
professor de Economia no curso de Administração da Universidade de Chicago: ele
também dirige, com Fuller, um fundo de investimento especializado em finança
comportamental...
Universidades e bancos contam, em seus quadros, com um
grande número de currículos de economistas comportamentais. Daniel Kent,
atualmente professor de Finanças na Universidade Colúmbia, dirigiu a pesquisa E
quity, da Goldman Sachs Asset Management (AM). Ele também é membro do comitê de
conselho acadêmico da Kepos Capital e da Allianz Global Investors. O que ele
diria sobre regulação? “Mesmo que os investidores não sejam perfeitamente
racionais e os títulos sejam sistematicamente mal cotados, os políticos
deveriam, apesar de tudo, ser condescendentes com os preços do mercado.”8 Em
outros termos: os mercados podem fazer o que bem entenderem, mas merecem nosso
respeito.
De fato, continua Kent, “a irracionalidade e o egoísmo
contaminam o processo político”. E, por esse golpe de mestre, o argumento da
racionalidade se voltou contra os representantes das instâncias públicas. Não
seria surpresa descobrir a grande ideia de Montier: “Aqueles que entre nós
trabalham nos mercados financeiros deveriam prestar uma espécie de juramento de
Hipócrates: o de não fazer nenhum mal”.9 Por que legislar até cansar quando
seria suficiente obter a promessa dos operadores de serem virtuosos?
Em sua última obra, Nudge, Thaler e Cass Sunstein defendem
até os subprimes: “Os créditos hipotecários com taxas variáveis não são algo
ruim em si”. O que ecoa perfeitamente com o imperativo do ex-conselheiro de
Woodrow Wilson, Louis Brandeis: “A luz do dia é o melhor desinfetante”.
Tradução: a solução é a transparência, não a regulação. Os neoclássicos não
diriam outra coisa.
Qual é o ponto comum entre essas proposições? Todas são
perfeitamente respeitosas à supremacia do mercado e, portanto, naturalmente
desconfiadas da regulação. Essa disposição confere consistência a uma posição
muito comum em relação às políticas públicas, que Thaler e Sunstein resumem
pela ideia de nudge.10 Nudge é o “gesto de cutucar” com uma leve pressão
exercida pelo cotovelo que explora os padrões cognitivos dos indivíduos ao incitá-los
suave e amigavelmente a fazer as coisas de acordo, ao mesmo tempo, com os
interesses individuais e gerais, evitando assim a carga de ser “prescritivo ou
culpabilizante”.
“Política das cutucadas”
“Somos contra as interdições”, assumem Thaler e Sunstein. Ao
evocarem uma lei que proíbe certos poluentes, eles escrevem: “A filosofia desse
tipo de limite se assemelha de forma desagradável aos planos quinquenais
soviéticos”. Para os autores do livro, que se autointitulam “paternalistas
libertários”, a economia comportamental é uma “terceira via” entre os adeptos
de Friedman e Keynes. Entre a liberdade total dos liberais e as pesadas
intervenções do Estado, haveria um lugar “nem de direita nem de esquerda” para
a amigável e sensata “política das cutucadas”.
É essa via – perfeitamente inócua – que Obama adotou desde
seu primeiro mandato. Não apenas Thaler foi solicitado como conselheiro de sua
equipe econômica, como Sunstein dirigiu por quase quatro anos o Gabinete de
Informação e Assuntos Regulatórios, o núcleo de regulação do aparelho federal
norte-americano notadamente nas áreas de saúde, habitação e meio ambiente.
Resultado: segundo o Center for Progressive Reform, sobre as centenas de
projetos que lhe foram encaminhados pelos gabinetes ministeriais, Sunstein
reformulou três quartos a fim de satisfazer os interesses do lobby
industrial.11
Não surpreende o fato de essa filosofia agradar aos
conservadores britânicos, que recrutaram o mesmo Thaler em 2009 para dirigir...
a Unidade Nudge. Sua missão: “atingir objetivos progressistas de maneira
compatível com a redução dos gastos públicos e com o ônus que representa a
regulação para as empresas e a sociedade”.12
Incitar as pessoas a fazer escolhas orientadas pelo
interesse geral: esse é o objetivo do nudge. A definição desse “interesse
geral”, por outro lado, jamais foi formulada. Poluir menos o planeta é, sem
dúvida, um objetivo consensual. Há lugar para isso, contudo, se os economistas
focam suas “cutucadas” em induzir os assalariados norte-americanos a poupar
ainda mais em seus fundos de pensão? Parte importante dos trabalhos com
economia comportamental nos Estados Unidos foi de fato consagrada a desenvolver
– e até mesmo tornar obrigatórios – programas como esses em grandes empresas.
Aumentar a poupança “financeirizada”: esse é o objetivo que corresponde à visão
de interesse geral para a indústria financeira. Por outro lado, esse objetivo
não corresponde ao da racionalidade macroeconômica, que requer muitas vezes,
que os indivíduos não poupem mais, e sim menos, para relançar a demanda de
consumo. Além disso, privilegiar um objetivo como esse esvazia o debate sobre
os diferentes modelos possíveis de aposentadoria ao postular que o sistema de
capitalização é o melhor.13
O nudge não gosta de política e se contenta com a ilusão que
exerce fora dela, no maravilhoso mundo do “bom senso” e da “realidade dos
fatos”. Assim, propõe Thaler, “deixemos de lado a questão sobre se devemos ou
não aumentar os impostos”,14 questão terrivelmente “partidária” que altera os
ânimos por nada, e “cuidemos de melhor coletar os impostos”.
Os economistas neoclássicos são certamente nocivos, já que
incentivam a desregulação, a privatização e a austeridade salarial. Mas, por
outro lado, apenas emitem uma opinião, que pode ser publicamente debatida e
combatida. Seus homólogos comportamentais, por sua vez, pulam a casa do “debate
democrático”. Seguros de saber em que consiste o interesse geral, eles o impõem
por meio de um condicionamento que opera diretamente no nível comportamental de
cada indivíduo.
Laura Raim
Jornalista
Ilustração: Andre Dahmer
1 Renaud Lambert, “Les économistes à gages sur la sellette”
[Economistas engajados], Le Monde Diplomatique, mar. 2012; Charle Ferguson,
Inside job [Trabalho interno], documentário, 2010, e em forma de livro,
publicado pela Oneworld, Oxford, 2012.
2 Dan Ariely, “Irrationality is the real invisible hand”
[Irracionalidade é a verdadeira mão invisível], 20 abr. 2009. Disponível em: .
3 George Akerlof e Robert Shiller, Animal spirits [Espíritos
animais], Princeton University Press, 2009.
4 Paul Krugman, Conferência na London School of Economics,
jun. 2009.
5 Roland G. Fryer, Jr, Steven D. Levitt, John List e Sally
Sadoff, “Enhancing the efficacy of teacher incentives through loss aversion: a
field experiment” [Aumentando a eficácia dos incentivos a professores por meio
da aversão à perda: um campo experimental], documento de trabalho, NBER,
n.18237, jul. 2012.
6 James Montier, The little book of behavioural investing [O
pequeno livro do investimento comportamental], John Wiley and Sons, Hoboken
(Nova Jersey), 2010.
7 Cf. “Les économistes atterrés” [Os economistas aterrados],
Changer d’économie, Les Liens qui Libèrent, Paris, 2012.
8 Daniel Kent, David Hirshleifer e Siew Hong Teoh, “Investor
psychology in capital markets: evidence and policy implications” [Psicologia de
investimento em mercados de capitais: evidências e implicações políticas],
Journal of Monetary Economics, Universidade de Rochester, n.49, 2002.
9 “Interview: James Montier on value investing” [Entrevista:
James Montier sobre investir em valores], Investment Postcards from Cape Town,
11 mar. 2010. Disponível em: .
10 Richard Thaler e Cass Sunstein, Nudge. La méthode douce
pour inspirer la bonne décision [Cutucada. O método suave para inspirar a boa
decisão], Vuibert, Paris, 2010.
11 “Behind closed doors at the White House: how politics
trumps protection of public health, worker safety, and the environment” [A
portas fechadas na Casa Branca: como manobras políticas afetam as políticas de
saúde, segurança no trabalho e meio ambiente], Center for Progressive Reform,
Washington, nov. 2011.
12 Allegra Stratton, “‘Nudge’ economist Richard Thaler joins
conservative camp” [O economista nudge Richard Thaler se une ao campo
conservador], The Guardian, Londres, 6 out. 2009.
13 Ler François Chesnais, “Demain, les retraites à la merci
des marchés” [Amanhã, as aposentadorias à mercê dos mercados], Le Monde
Diplomatique, abr. 1997.
14 Richard Thaler, “Geek squad” [Brigada de geeks], Foreign
Policy, Washington, jan./fev. 2013.
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