Folha de S. Paulo, 11.02.2014
A esta altura, todos conhecem a
história do rapaz negro amarrado nu em um poste e espancado por populares no
Rio de Janeiro por pretensamente ser um assaltante e ter supostamente roubado
uma bicicleta. Todos devem conhecer também o teor dos comentários de certos
apresentadores do noticiário televisivo que resolveram surfar na onda da mais
nova modalidade de "indignação popular contra a insegurança e a ausência
de mão forte do poder público".
Mas, ainda mais surpreendente do
que os dois acontecimentos, é o teor da reação monitorada na internet, em sua
ampla maioria favorável ao velho "justiça feita com as próprias mãos"
ou ao "chegou o momento da revolta do homem comum".
Quem já estudou a ascensão do
regime nazista sabe como esse era o tema central de sua retórica política:
"os homens comuns e cidadãos de bem estão cansados da insegurança. Está na
hora de atitudes enérgicas".
E então apareciam dois tipos de
personagens: os que saiam vociferando sua raiva canina e os que diziam que não
concordavam exatamente com tais métodos, mas que deveríamos dar uma reposta sem
angelismos ao problema. São aqueles que dizem, atualmente, que a sociedade
brasileira sofre com tanta violência e merece parar de ser importunada com essa
conversa de direitos humanos de bandido. Ou seja, o velho truque do policial
mau e do policial bom.
As pessoas que amarraram o jovem
negro no Rio de Janeiro não apareceram do nada. Seus pais já apoiavam, com
lágrimas de felicidade nos olhos, os assassinatos perpetrados pelo esquadrão da
morte. Seus avós louvaram as virtudes do golpe militar de 1964, que colocaria
de vez a ordem no lugar da baderna. Seus bisavós gostavam de ver a polícia da
República Velha atirando contra grevistas com aquele horrível sotaque italiano.
Seus tataravós costumavam ver cenas de negros amarrados a postes com um cer- to
prazer incontido. Afinal, já se dizia à época, alguém tinha que pôr ordem em um
país tão violento.
Sim, tais pessoas sempre
estiveram no mesmo lugar. Só mudaram as gerações. Não há como compreendê-las
nem nunca haverá acordo possível com elas. Que acordo haveria com alguém que
nem sequer é capaz de estranhar seus próprios gestos no momento em que espanca,
arranca a roupa e amarra alguém em um poste? Ou com alguém que não teme em
justificar ação tão nobre e edificante?
Contra pessoas desse tipo, não se
procura um acordo nem se deve esperar que elas mudem. Luta-se contra elas, sem
trégua, até que tenham medo de mostrar sua barbárie na rua e a escondam dentro
de suas próprias casas.
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