por Flávio Aguiar - RBA
Mais uma vez o Brasil se curva ante a Europa. No Brasil, é
difícil saber o que a direita quer. Em primeiro lugar, porque a direita não se
assume como tal. Ninguém é de direita no Brasil. Segundo, porque a direita não
pode dizer o que quer. Oculta seu programa, suas intenções. Tem de vir com
blandícies, como "fazer mais e melhor". Não, a direita não quer fazer
mais, nem melhor. Só se for mais e melhor para o capital rentista, para a
privataria, para o realinhamento subserviente do Brasil com as potências do
Ocidente.
Quem sabe assim, em vez de conseguirmos uma cadeira
permanente no Conselho de Segurança da ONU, conseguiremos nos tornar um membro
da Otan? De segunda categoria, é claro. Mas membro da Otan. Afinal, a Guiana
Francesa, como Département d’Outre-Mer, não deixa de ser membro da Otan. Por
que não nós? Mas, felizmente, na Europa há uma direita que não se envergonha de
ser de direita. Embora por vezes também se apresente como “fora das quatro
linhas da divisão entre direita e esquerda”.
Dizem na lata o que querem. Talvez aqui as coisas sejam
facilitadas porque existe uma extrema-direita escancarada também, coisa de
causar inveja a Bolsonaro e Feliciano, apesar de não ter conotação religiosa.
Aliás, diga-se a bem da verdade, aqui não tem um ‘partido evangélico’. Se
houvesse, seria escorraçado do Parlamento.
Bom, mas não perdendo o fio da meada, numa viagem de avião
deparei com este pasquim neoliberal francês, chamado L’Opinion, que defende os
pontos de vista da direita (aliás, o Instituto Millenium deveria citá-lo e
colocar entre os favoritos, embora, em relação a ele, o L’Opinion apresente
perigosos desvios ao centro). E lá (edição de 24/25 de janeiro, página 8),
encontra-se a entrevista de Gérard Dussillol, presidente da Pôle Finances
publiques de l’Institut Thomas Moore – um think tank que se apresenta como
“europeu e independente”, fundado em 2004, com sedes em Paris e Bruxelas.
Msr. Gérard Dussillol deixa muito claro o que a direita
quer. Mutatis Mutandis, é fácil realocar suas propostas no Brasil, sem a lenga-lenga
medíocre dos arautos inconfessos da direita na velha mídia, nem o chororô
lamentoso da ‘falta de programa’ (leia-se programa oculto na manga) que assola a direita institucional. O título
do artigo de Dussillol é “Quinze medidas
urgentes para voltar a crescer”. O seu objetivo, diz logo de saída, é conseguir
o “retorno do crescimento, baixar o desemprego e recuperar as contas públicas”.
Apertem os cintos, liguem os motores, e vamos lá:
1 - Restabelecer uma fiscalização da poupança coerente e
estimulante. O que significa isto? Cortar o incentivo fiscal da poupança sem
risco (garantida pelo governo), para favorecer a ‘poupança de risco’ (aquela
que se dirige à especulação), cujos ‘exageros de taxação’ devem ser reduzidos e
cortados.
2 - Suprimir qualquer forma de imposto sobre as grandes
fortunas.
3 - Anistiar o repatriamento de capitais, baixando as taxas
sobre eles a ‘níveis aceitáveis’, de 15% ou 10% conforme os investimentos que
desejem fazer.
4 - Aumentar as horas de trabalho, cortando a semana de 35
horas, e suprimir progressivamente as obrigações decorrentes de horas extras
negociadas por ramo de trabalho.
5 - Baixar significatimente os encargos sobre folha de
pagamento.
6 - Aumentar o número de referência de empregados para que
as empresas sejam obrigadas a terem “comitês de empresa” com representação de
trabalhadores (hoje 50 trabalhadores). Duplicá-lo – mas apenas para começar.
7 - Diminuir os encargos das empresas sobre os trabalhadores
do setor de ‘atendimento pessoal’ a idosos, necessitados de atendimento
especial, etc (em francês "aide à la personne").
8 - Cortar um terço de todas as “agências do estado”.
9 - Reformar (cortando) os gastos do seguro-desemprego.
10 - Reformar (cortando mais ainda) as aposentadorias.
11 - Reformar ‘em profundidade’ o sistema de formação
profissional. O que significa isto? Cortar profundamente as obrigações das
empresas em financiar, através de impostos, as atividades de formação
profissional para jovens trabalhadores, trabalhadores que queiram se reciclar
ou desempregados.
12 - Estabelecer a igualdade no sistema de ‘jour de carence’
entre o setor público e o setor privado. O que quer dizer isto? No setor
privado, quando um trabalhador entra em licença para tratamento de saúde, a
empresa não é obrigada a pagar-lhe os três primeiros dias de ausência. No setor
público, Sarkozy introduziu um dia de carência, coisa que o governo atual
suprimiu. Agora Msr. Dussillol defende: “Egalité! Fraternité! Humanité”! – mas
sem “Liberté”: três dias de carência para todos! E isto será só o começo.
13 - Suprimir a “ajuda médica do Estado”, que hoje cobre
toda e qualquer pessoa que viva em território francês. Isto, segundo ele, é uma
hipocrisia. O Estado pode negar papéis a imigrantes ilegais, ou mesmo a regularizar
a sua situação, mas em compensação lhe oferece auxílio para tratamento médico
em caso de necessidade. O que fazer? Cortar o auxílio médico, ora! Economia: de
600 a 800 milhões de euros por ano.
14 - Suprimir vários departamentos (equivalentes aos nosso
estados), comunas, reunificar tudo, cortar o número de eleitos, etc. Em suma,
(agora digo eu) voltar aos tempos em que a França era recortada em feudos, e
quanto maiores, melhor...
15 - Cortar na carne (ou na argamassa) no sistema de
habitações populares, privatizando um terço das já existentes e bloqueando
novos investimentos no setor.
É ler para crer. Depois de ler, é só adaptar as propostas
para o nosso Brasil. E se você quiser abençoar um programa destes, escolhendo
no futuro quem o defenda sem defendê-lo, é só apertar o cinto. Dos
trabalhadores, é claro. Depois, sair voando.
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