Rosa Luxemburgo foi uma grande oradora, uma célebre e temida
polemista, foi economista e uma das grandes intelectuais do marxismo
Michael Krätke, para o SinPermiso/Carta Maior
Assim vocês a conhecem! Foi uma grande oradora, intervinha
com discursos e discussões nas campanhas políticas do movimento
social-democrata. Foi uma célebre e temida polemista. E foi uma jornalista tão
famosa quanto formidável.
Primeira surpresa: Rosa Luxemburgo foi economista (e uma
economista muito política!)
Estudou ciências econômicas na Universidade de Zurique, onde
obteve seu doutorado em economia no ano de 1897. Sua tese foi sobre uma questão
empírica e politicamente comprometida: as consequências do desenvolvimento
industrial da Polônia dentro do Império Russo.
Segunda surpresa: professora na Escola do Partido
Social-Democrata de Berlim
Rosa Luxemburgo ensinou economia política e histórica
econômica (de 1907 até 1914). Assim – outra surpresa –, foi professora também,
e uma excelente professora.
Terceira surpresa: Rosa Luxemburgo escreveu um volumoso
tratado de economia política (marxista)
Escreveu sua magnum opus sobre problemas teóricos de
economia política, um livro publicado há mais de cem anos (A Acumulação do
Capital, Berlim, 1913) em que argumentava sobre a seguinte questão: como
funciona a acumulação de capital (o crescimento e as mudanças econômicas)?
Como funcionam a escala nacional e internacional, a escala
mundial? É preciso responder a essas perguntas se quiser entender ou explicar o
fenômeno do “imperialismo”.
O que encontramos em A Acumulação do Capital?
* Primeiro: uma discussão muito crítica sobre a análise de
Marx da “reprodução ampliada do capital” (3ª seção do Volume II de O Capital);
* Segundo: uma retomada das batalhas teóricas em torno deste
problema, antes e depois de Marx;
* Terceiro: a solução da própria Rosa Luxemburgo para esse
problema... uma solução que pretende ser uma contribuição à “explicação
econômica do imperialismo”;
- A crítica de Rosa Luxemburgo a Marx
* Acumulação significa do crescimento (Rosa Luxemburgo
aponta para aquilo que Marx havia denominado “acumulação acelerada”);
*Marx não resolve o “problema de realização”: De onde vem a
demanda agregada adicional/ demanda monetária adicional? Quem compra os volumes
adicionais das mercadorias produzidas?
* Marx não mostra a transição da reprodução “simples” para a
reprodução “ampliada”;
* Marx não analisou o processo “real”: suas abstrações (da
circulação monetária, do mercado mundial) vão excessivamente longe;
- A solução de Rosa Luxemburgo
* A demanda adicional (dinheiro) vem de fora: a solução de
“terceiros”;
* Porém: esses terceiros e sua demanda só podem ser
encontrados fora do capitalismo, nas partes não capitalistas do mundo;
* Logo: a fim de resolver o problema da acumulação, as
economias capitalistas (e seus Estados) têm que invadir e ocupar regiões não capitalistas
do mundo (“Landnahme”: tomada, ocupação ou saque de territórios);
- Como funciona a expansão/ocupação capitalista?
* Por várias vias e etapas, como Rosa Luxemburgo se
encarrega de mostrar nos últimos
capítulos de seu livro;
* Mediante a destruição das economias de subsistência, das
economias naturais;
* Forçando os produtores não capitalistas a entrar no
mercado econômico mundial;
* Destruindo as economias camponesas e as economias
mercantis simples;
* Com a dívida e o endividamento crescente (por meio do
crédito internacional e da
exportação de capitais);
* Mediante a colonização formal e informal, transformando
regiões, países e povos inteiros em súditos das grandes nações capitalistas
Começa o debate: Otto Bauer e Anton Pannekoek. A
contracrítica de Rosa Luxemburgo:
* Contra Otto Bauer (e outros) que criticam a modelização, a
análise dos equilíbrios
dinâmicos e a teoria do crescimento/acumulação;
* A economia política marxista/marxiana deveria explicar a
ascensão e a queda do capitalismo real: uma “teoria do desenvolvimento
capitalista” deveria determinar os “limites do capitalismo” (internos e
externos);
* A teoria da acumulação deveria ser interpretada como uma
teoria da crise e da decadência do capitalismo (e não de sua “fusão”);
* A acumulação de capital deveria ser entendida como um
processo econômico e político;
A relevância de Rosa Luxemburgo
A crítica de Rosa Luxemburgo a Marx estava equivocada.
Nisso, Bauer e Pannekoek tinham razão. Mas:
* Rosa Luxemburgo desencadeou um dos debates mais
importantes em longo prazo na história da teoria econômica marxista;
* Sua ideia fundamental a sobre a expansão em escala
planetária do capitalismo era correta
(como também o grosso de sua análise sobre o real processo
de colonização);
* A grande e intrigante questão é: o que acontece quando o
capitalismo se aproxima do MOMENTO LUXEMBURGUIANO?
O capitalismo global
* Onde estamos agora, um século depois?
* A transformação do sistema capitalista mundial (a Tríade
econômica vindoura está incubada).
* Alguns mercados se tornaram globais, outros têm impacto
global (mercados financeiros), mas não todos.
* Nenhuma parte do mundo se situa fora do sistema
capitalista mundial, mas ainda prevalece uma grande “variedade” de
capitalismos.
* Com a descolonização, o novo “imperialismo” do livre
comércio, o dinheiro mundial e um punhado de oligopólios enormes;
* Economias emergentes: China e os BRICS: as potências
capitalistas mundiais em ascensão do século XXI;
A Landnahme capitalista hoje
Nas áreas não capitalistas subsistentes dentro das economias
capitalistas:
* Mercantilização de tudo (as coisas que não são
mercadorias, os bens públicos, os comuns);
* Transformação dos objetos de luxo em bens de consumo massivos;
* Integração da classe trabalhadora (e até dos mais pobres)
à economia do crédito;
* Transformação do ócio, da família e das atividades
comunitárias em atividades comerciais;
* Estabelecimento de um regime de endividamento permanente
da grande maioria (incluindo os EUA).
A alternativa de Rosa Luxemburgo: Socialismo democrático e
democracia
econômica
Michael R. Krätke é membro do Conselho Editorial do
SINPERMISO, é professor de política econômica e direito fiscal na Universidade
de Amsterdã. Lá, é também pesquisador associado ao Instituto Internacional de
História Social e catedrático de economia política e diretor do Instituto de
Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido
Créditos da foto: reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12