sábado, 1 de março de 2014

O DONO DA CORTE DEU UM TIRO NO PÉ

Nonato Menezes 

A maior virtude humana é a coragem. A coragem de ser justo. O Ministro Joaquim Barbosa tem sido extremamente corajoso, mas não tem sido justo. Há de se considerar que coragem desacompanhada da justiça é arrogância, a arma dos inermes. Fora do poder a arrogância é inaceitável; no poder é deplorável. Como a arrogância de quem está no poder é demonstração de força, é com ela que o arrogante pretende impor a verdade. A verdade dos fracos.

Há quem veja méritos no presidente do Supremo. Quais? De ser intelectual? Ora, Goebbels também era! De ter emergido socialmente das dificuldades de origem e de percurso numa sociedade injusta, sobretudo por ser negro? E daí? Há muitos que deixam a miséria em condições análogas, mas não são reconhecidos mesmo com admiráveis talentos!
A sociedade brasileira – as elites e classe média - é injusta com milhões de pessoas, sejam brancos, negros, pardos ou índios. É injusta com as mulheres que são agredidas amiúde e o Judiciário por pouco não premia os agressores. É injusta com a massa de trabalhadores que vive no limiar da sobrevivência, a maioria em condições sub-humanas de trabalho.

Milhões de brasileiros nascem, vivem e morrem na sarjeta, independentemente da cor. Isso significa que emergir da miséria, se para o presidente da Corte é mérito, também deveria ser para qualquer um desses que sequer são percebidos. Se o negro no Brasil é injustiçado, como é mesmo, o que diríamos dos índios? A sociedade brasileira não chega ser preconceituosa com os índios, ela simplesmente os rejeita. A tal ponto os despreza que a eles não há garantias de um pedaço de terra nem para morrerem.

Nesse universo de arrastados, virtude mesmo é ter uma vida razoavelmente longa. Vida que drible a insegurança alimentar, os atropelamentos, as balas achadas e perdidas, o desatendimento à saúde tão cotidiano. Em nosso País, para a maioria, mérito mesmo é passar pelo maior número de janeiros possíveis.

Mas foi nesse terreno tão hostil que nasceu e cresceu um Ministro que está sendo endeusado por muitos por ter chegado aonde chegou. Endeusado por ter sido pobre, pela dedicação que provou e por ser negro numa sociedade de injustiça latente. Estes predicados brilharam aos olhos de muitos e fizeram despertar milhões de sonhos de tê-lo como presidente da República. Sonhos justos talvez, com aquele que poderia continuar a obra de outro brasileiro tal e qual na origem e no percurso. Na trajetória por terem conseguido driblar as artimanhas políticas, cada um a seu modo, das elites nativas que tanto prezam os pobres desde que fiquem onde nasceram.

Mas do Jurisconsulto não exala humildade. A coragem que tem demonstrado é acompanhada de temores e de ódio. Age como imperador, despreza a Lei e nega gestos de humanidade. Mistura suficiente para destruir qualquer um que se pretende líder.

Por isso, mais que rapidamente, foram desfeitos os sonhos dos pobres. Aqueles que os tinham como um igual, perderam a admiração e a esperança se desfez como gelo ao sol.

A comunidade negra do Brasil deve ter suspirado logo que o Ministro se apresentou publicamente como virtuoso e de admirável coragem. E se ele se tornar o primeiro presidente negro do Brasil? Deve ter sido esta uma das perguntas! Nada mais justo, dadas as circunstâncias tão propícias.

Seria tudo que a comunidade negra poderia contar; com alguém que viesse a contribuir, pela posição que ocuparia, para impulsionar suas conquistas e ampliar os direitos merecidos, por tanto tempo negados.

Acontece que a luta da comunidade negra no Brasil tem sido democrática, nos limites do Estado de Direito. Ela se desenvolve sem revide e sem ódio, ainda que esteja distante de conseguir o que historicamente tem sido negado, com desprezo, maus-tratos, numa História de sangue e dor.

Esse caráter democrático contrasta com as atitudes daquele que poderia, até então, ser o seu maior expoente; que seria um Luther King que não deixaram ser o que era inevitável se tornar.

Mas não, Joaquim Barbosa não é um líder, não preza pelos valores democráticos, é autocrático, se sonha com a Presidência, dificilmente chegará pelo voto, porque não tem jeito de quem quer conquistar. Seu maior distintivo é a força. E com ela o mundo não pode ser plasmado, como disse Shakespeare.

Então, se a comunidade negra aposta e luta democraticamente por direitos, jamais defenderia um presidente com verniz de tirania.

A despeito de sua origem pobre, negro e do esforço que demonstrou para chegar aonde chegou, em seus gestos, o Ministro Joaquim Barbosa demonstrou ter poder, mas não tem talento e tem sido incapaz de lidar com um mundo humano democrático. Aquele que antes ensejou esperança, hoje não se apresenta mais como alternativa de superação de sacrifícios, menos ainda como incentivador de conquistas de direitos.

Com sua alma sacudida pelos apoios que vislumbrou dos mais humildes e com o apelo espetacular da nossa mídia golpista a seu favor, a embriaguez do dono da corte ficou visível e por causa dela não houve como evitar um certeiro tiro em seu próprio pé.

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