Hora do Jango
Maldito que é maldito fala de si mesmo.
E dos heróis enxovalhados pelos lacerdinhas.
Foi no dia 13 de março de 1964, há exatos 50 anos, que João
Goulart começou, de fato, a dar adeus ao poder. No seu melhor momento. Quando
discursou no agora famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro,
Jango era um homem transfigurado, visionário, iluminado. Enumerou as reformas
de base. Anunciou a reforma agrária. Saiu de qualquer zona de conforto. Mostrou
que pretendia realmente tirar o Brasil do que lhe restava de atraso. Getúlio
Vargas havia feito parte do serviço. Faltava o resto. Era preciso dividir a
terra, altamente concentrada, e revolucionar a educação. Jango foi à luta.
Discursou como um gigante. Esbanjou carisma, sedução, charme
e coragem. Horrorizou as classes conservadoras. Acionou o gatilho da mídia
golpista. Jornalistas e intelectuais de todos os tipos saíram do armário. Até o
final daquele março fatídico, homens como Alberto Dines, Antonio Callado,
Carlos Heitor Cony e até o poeta Carlos Drummond de Andrade encontrariam jeito
de desancá-lo, de ridicularizá-lo, de mostrar-se covardemente “sensatos” e
terrivelmente conservadores. A mídia derrubou Jango junto com empresários,
setores da igreja católica, classe média e militares. Os radicais de direita
aconselhavam João Goulart a não radicalizar, o que era uma maneira radical de
deixar tudo como estava.
Escolhi este 13 de março, dia em que Jango foi ao topo e
começou a cair, para lançar, a partir das 18 horas, aqui no Correio do Povo/Rádio
Guaíba, meu livro “1964 golpe midiático-civil-militar” (Sulina). Escolhi um
recorte para não perder o foco: a imprensa de Rio de Janeiro e São Paulo.
Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S.
Paulo, O Dia, Tribuna da Imprensa e tantos outros veículos chafurdaram na lama
do golpismo. Jornalistas que hoje se apresentam como campeões da democracia
estiveram na linha de frente do “fora, Jango”. Alguns, como Cony, brincaram com
fogo e logo se arrependeram. Era tarde. O monstro estava solto.
A ditadura mostrou as suas garras desde o primeiro dia. A
“Operação Limpeza” prendeu e arrebentou já nos primeiros três meses. O Correio
da Manhã, em 3 de abril de 1964, acordou da sua estupidez: “Agora o Sr. Carlos
Lacerda age por meio da polícia política, prendendo e espancando, como se
estivéssemos em plena ditadura”. A revista “Times” citou dez mil presos em
apenas uma semana pós-golpe, quatro mil só no Rio de Janeiro de Lacerda.
O Globo, por mais que se arrependa e peça desculpas, nunca
apagará o mico da sua história. Em editorial de 2 de abril de 1964, o jornal de
Roberto Marinho explorava o pior do lirismo nacional com seu estilo servil:
“Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas,
independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre
problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a
ordem”. Alberto Dines entregaria tudo: “A UNE é incendiada. Não se sabe se
pelos próprios estudantes, que não queriam deixar vestígios de suas atividades
subversivas, ou se por alguns exaltados anticomunistas”. Que cara de pau!
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