quinta-feira, 20 de março de 2014

Superstar

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo 

Têm havido protestos de grupos religiosos contra a reencenação de Jesus Cristo Superstar, em São Paulo. Pensei que essa guerra já tivesse terminado, na ingênua suposição de que até as mentes mais obscuras, com o tempo, se iluminam - ou, pelo menos, se dão conta do seu ridículo. 

A ópera-rock do Andrew Lloyd Webber e do Tim Rice já tem quase 50 anos. Deu um belo filme de Norman Jewison, e é um relato emocionante dos últimos dias de Jesus Cristo que deve ter motivado mais jovens a se interessar pela sua história do que qualquer catecismo da Igreja. Quem se horroriza com a versão roqueira de Cristo ignora a tradição da arte renascentista de atualizar as cenas da Paixão, representando-as com roupas e interiores da época dos artistas, sem que isto fosse considerado blasfêmia e provocasse protestos. 

Há alguns anos, a Igreja conseguiu que fosse proibida a exibição no Brasil do filme Je Vous Salue, Marie, do Jean-Luc Godard. Motivo: uma versão moderna da Virgem Maria aparecia com os seios nus. Ignorada pelos ignorantes, no caso, foi outra tradição da arte religiosa, a das Virgens lactantes, que aparecem em várias pinturas com os seios à mostra amamentando o Menino Jesus. No seu filme, Godard humanizava a figura de Maria e trazia para atualidade, e para uma reflexão intelectual adulta, o mistério de dogmas como o da Anunciação e o da Concepção Imaculada. De novo, uma expressão da experiência religiosa muito mais consequente e inspiradora do que a retrógrada instrução das Igrejas.

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