Provavelmente nenhuma das CPIs anunciadas levará a nada, por
uma singela razão: todas elas entram no coração do modelo de financiamento
privado de campanha do país, o mesmo que elegeu a maioria dos parlamentares e
governadores
Por Luis Nassif, no Jornal GGN
http://www.revistaforum.com.br/
Provavelmente nenhuma das CPIs (Comissão Parlamentar de
Inquérito) anunciadas levará a nada, por uma singela razão: todas elas entram
no coração do modelo de financiamento privado de campanha do país, o mesmo que
elegeu a maioria dos parlamentares e governadores.
Os personagens são os mesmos que fornecem para a Petrobras,
para o Metrô de São Paulo, para a Cemig de Minas, para o porto de Suape, em
Pernambuco.
A CPI de Cachoeira acabou quando bateu nas relações
Veja-Cachoeira e quando o diretor da empreiteira Delta ameaçou abrir suas listas.
Em dois segundos, a CPI virou fumaça, abortada tanto pela oposição quanto pelo
PT.
A CPI do Banestado teve o mesmo destino quando encontrou
contas externas de grupos relevantes. A dos Precatórios terminou em pizza, pois
envolvia quase todos os partidos. E só avançou parcialmente pelo desejo de
alguns integrantes em atingir adversários políticos.
Agora mesmo, se o doleiro Alberto Yousseff abrir suas contas
e soltar sua língua, não sobra um partido inteiro no país. Daqui a pouco estará
livre, leve e solto como Carlinhos Cachoeira, o bicheiro que, em parceria com
Veja, ameaçou a República e transformou uma figura apagada – o ex-senador
Demóstenes Torres – no catão mais temido do país.
***
Esse modelo torto criou uma cadeia improdutiva da denúncia
que visa tudo, beneficia a muitos, menos à moralidade pública. É de uma
hipocrisia acachapante e oportunista.
Grandes grupos jornalísticos ou o jornalismo de internet têm
à sua disposição escândalos a granel,
verdadeiros ou falsos, que são escolhidos como em gôndolas de supermercados.
Quer atingir alguém, um grupo político adversário, uma empresa recalcitrante?
Vá até a gôndola e escolha o que quiser. Se não houver grandes escândalos,
basta dar um tratamento escandaloso a um pequeno problema e imediatamente se
abaterá sobre a empresa ou o político a mancha da suspeita.
Confira-se o que foi o aumento das verbas publicitárias da
Serasa, quando alvo de uma CPI.
Basta um relatório inconclusivo de Tribunal de Contas, uma
manchete de jornal, um procurador pautado pela mídia para atingir o mais probo
dos políticos ou administradores. Ou dobrar a mais recalcitrante das empresas.
É um poder sem limites.
Na Inglaterra, por muito menos, conservadores, liberais e
trabalhistas, polícia e Judiciário se uniram para colocar no pelourinho o mais
poderoso magnata da mídia da atualidade, Rupert Murdock.
Por aqui, uma revista é desmascarada em jogadas políticas e
comerciais com uma organização criminosa e nada ocorre. O Congresso se
apequena, o Ministério Público tergiversa, o Ministério da Justiça se cala. O
STF acaba com o direito de resposta, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) monta
um grupo para garantir a total liberdade dos grupos de mídia. E esquece-se das
vítimas porque as vítimas, ah, deixe por conta da defensoria pública.
Resistir, quem há de? É uma mixórdia que beneficia os
picaretas, por ficarem na companhia de inocentes; e estigmatiza para toda a
vida os sérios.
***
Qualquer fato – verdadeiro ou falso – é empunhado contra o
adversário político ou contra a empresa não colaborativa. E tudo é aceito
porque o modelo político atual torna verossímil toda sorte de malfeitos – que
existem às pencas sim. Mas pouco atingem os grandes grupos que se blindam com
escritórios de advocacia caros e controles sobre verbas publicitárias robustas.
O que explicaria, por exemplo, os R$ 2 milhões gastos pelo
Ministério da Educação com assinaturas da revista Nova Escola da Editora Abril?
Meramente méritos da revista ou barganhas políticas em torno de reportagens? E
qual a reportagem que deixou de ser publicada?
Daí a dificuldade de uma reforma política, com o fim do
financiamento privado de campanha, que rompa com esse anacronismo. Ou de
mudanças na legislação que permitam a punição severa ao crime grave mas a não
criminalização de qualquer erro administrativo.
Aos atuais parlamentares não interessa o fim do
financiamento privado de campanha, porque a maior parte deles depende desse
modelo para sua sobrevivência política. Aos grupos de mídia e aos Tribunais de
Conta não interessa uma racionalização dos procedimentos, pois reduziria sua
capacidade de gerar escândalos.
***
E todo esse jogo de cena se dá em cima do manto cinzento das
negociações espúrias.
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