Para o especialista em fraudes
Frank Abagnale Jr, retratado por Leonardo di Caprio no filme “Prenda-me se for
capaz”, cartões de crédito são mais seguros
Léa de Luca / Ig.com.br
lluca@brasileconomico.com.br
Em uma das suas visitas ao
Caribe, em meados dos anos 1960, ele quis aquele relógio Rolex. Custava US$ 15
mil, uma pechincha — na verdade, sairia de graça para ele, que tinha vários
cartões de crédito roubados no bolso. Entre os disponíveis, de várias bandeiras,
decidiu usar um American Express. Por trás da escolha, sua mente brilhante
arquitetara um plano para evitar ser descoberto com o cartão roubado. O lojista
telefonaria para a central para pedir autorização para a venda — e ele sabia
que os operadores da bandeira Amex, por uma questão de ética e precaução (para
ninguém dizer que eles acusavam sem provas) costumavam conversar com o cliente
pelo telefone, se detectassem uma fraude. Quando o vendedor ligou, dito e
feito: o operador da Amex pediu para falar com o cliente. Ele atendeu, e ouviu
do outro lado da linha uma repreensão: “Senhor, esse cartão é roubado. Não saia
da loja. Estamos enviando uma viatura”. Calmamente, ele acenou a cabeça
concordando, e desligou. Disse ao lojista que a autorização iria demorar um
pouco — por isso, sairia para tomar um café. Saiu e, da esquina, telefonou para
o lojista, fazendo-se passar pelo operador da Amex. Disse que a venda estava
liberada - e ainda concedeu a “autorização 28” , a mais alta na escala,
tranquilizando o lojista. Voltou, pagou e sumiu com o Rolex.
A passagem é parte da história
real e quase incrível de Frank Abagnale Jr, que ficou conhecido pelo filme
“Prenda-me se for capaz”, baseado em um livro da sua autoria, no qual é
interpretado pelo ator Leonardo Di Caprio. Depois de capturado, foi preso e solto
em cinco anos, quando passou a trabalhar para o FBI.
O episódio do Rolex não está no
filme — foi revelado anteontem pelo próprio Abagnale, em São Paulo. Apesar de
ter seu cartão de crédito roubado, seu dono não arcou com o prejuízo pela
fraude na compra do Rolex.
Essa é uma das razões pelas quais
Abagnale aconselha: “Não usem cartões de débito. Cartões de crédito são mais
seguros e mais vantajosos”, disse ontem a jornalistas em evento realizado pela
Serasa Experian, em São Paulo. “As bandeiras não responsabilizam o cliente por
fraudes com cartões de crédito. As com cartões de débito são mais dificilmente
ressarcidas. Além disso, se alguém clonar um cartão de crédito meu, não terá
acesso ao meu dinheiro, apenas ao meu crédito. Prefiro pagar tudo com crédito.
Enquanto isso, meu dinheiro fica aplicado rendendo no banco. E os dados da
minha conta corrente não ficam tão expostos por aí”, justifica.
O ex-gênio do crime hoje é
conselheiro da 41st Parameter, empresa do Grupo Experian, especializada em
tecnologia de identificação de dispositivos e detecção de fraude na web. O
expert dá outras dicas de como evitar fraudes, eliminando pistas como
correspondências jogadas no lixo, exposição de fotos e dados pessoais nas redes
sociais, por exemplo. “Ter um triturador de lixo é muito útil”, diz. Mas avisa
que sempre haverá alguém mal intencionado e que, mais do que gênios, o que
existe são pessoas comuns, ingênuas, distraídas. Para ele, falta ensino de
ética das pré-escolas a universidades. “Também não há nenhuma ética nas
empresas”, diz.
Gastos contra fraudes: US$ 1 bi
em 2018, só no Brasil
“A tendência do volume de fraudes
é crescer sempre”, diz Marcelo Kekligian, presidente para a América Latina da
empresa de decisões analíticas da Serasa Experian. A empresa anunciou ontem uma
nova solução antifraude para transações não-presenciais, a Safety. “Pesquisas
mostram que os gastos com prevenção a fraudes no Brasil eram de US$ 400 milhões
em 2008. Nossa previsão é que essa quantia alcance US$ 1 bilhão em 2018”,
revela. No mundo, será algo como US$ 6 bilhões.
Kekligian admite que as
estatísticas relativas a fraudes financeiras no Brasil são muito pobres. “Mas
com a disseminação do Safety, esperamos alimentar e manter um banco de dados
confiável daqui para a frente”, afirma, sem contudo revelar quantos clientes
pretende conquistar com o produto. O público alvo são empresas financeiras e
não-financeiras.
Segundo a Serasa, o Safety
economizou US$ 500 milhões em 2013, considerando apenas seus 10 principais
clientes globais.
Dados parciais mostram que no
Brasil as fraudes totalizaram R$ 2,3 bilhões em 2013, dos quais R$ 1,2 bilhão
em tentativas de fraude offline — mais conhecidas como roubo de identidade -,
aproximadamente R$ 500 milhões em e-commerce e R$ 600 milhões em internet
banking, estima a Serasa Experian. De acordo com dados de mercado, no país, 30%
dos usuários de cartões de crédito já sofreram fraude, o que torna o Brasil o
quinto no ranking mundial desse tipo de golpe, atrás de Estados Unidos (37%),
México (37%), Emirados Árabes (33%) e Reino Unido (31%). Já na web, os golpes
são aplicados principalmente nas compras de produtos eletrônicos, passagens
aéreas, internet banking e serviços.
“A expectativa é de que a
realização da Copa do Mundo aqui em junho e julho aumente muito as fraudes”,
diz Kekligian. Na África do Sul, em 2010, na época da Copa as perdas com
fraudes em cartões de crédito cresceram 53%, diz.
‘Não é minha biografia, é só um
romance’
Em 2002, Frank Abagnale Jr.,
então com 54 anos, decidiu escrever um “esclarecimento” sobre o livro que virou
filme naquele ano e o tornou famoso. Segundo ele, “Prenda-me se for capaz”,
escrito com um co-autor há 35 anos, não é minha biografia, é só um romance. Em
sua página na internet, disse também que se sentia lisonjeado pelo livro ter
sido filmado por Steven Spielberg, com atuação de Leonardo DiCaprio e Tom
Hanks. “Mas não sinto orgulho algum por ter feito o que fiz entre 16 e 21
anos”.
Exageros e licenças poéticas à
parte, a iniciativa de recontar os fatos é compreensível: afinal, o ex-garoto
prodígio das fraudes financeiras e enganações de todo tipo — descontou mais de
US$ 2,5 milhões em cheques e passou por funcionário da PanAm, médico, professor
universitário e advogado - é hoje respeitável consultor de centenas de instituições
financeiras, corporações e agências governamentais em todo o mundo. Apreendido
pela polícia francesa quando tinha 21 anos, ficou detido em prisões da França,
Suécia e Estados Unidos. Depois de cinco anos, foi solto com a condição de
ajudar o governo de seu país, sem remuneração, ensinando e dando apoio a
agências federais. Abagnale está associado ao FBI há 35 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12